sexta-feira, 22 de julho de 2016

Histórias do Paraná - Cadê tudo isso?

Histórias do Paraná - Cadê tudo isso?

Cadê tudo isso?
Roberto Gomes

Espero que ninguém pretenda farejar neste pequeno texto, pretensões doutrinarias ou pregação de novos rumos
para a literatura no Paraná. Desejo apenas registrar um espanto que me persegue desde que botei os pés nestas terras.
De inicio, foi para mim um choque a descoberta de literatura de Dalton Trevisan, que naquela época, é bom lembrar, tinha mais detratores do que adeptos. Só foi reconhecido após a recuperação de sua obra fora dos limites paranaenses.
Coisas de províncias? Pequenos ressentimentos, nos quais o Vampiro é mestre? Talvez.
E o espanto seguinte: prisioneiro da pequena realidade urbano-industrial de Blumenau , onde nasci, fiquei fascinado com a riqueza da história da colonização do Paraná. Custei mesmo a entender, se é que até hoje entendo, a sua diversidade, a mistura de populações vindas das mais diversas partes da Europa e do Brasil.
As diferenças regionais me pareceram surpreendentes. O litoral isolado ou de decadência precoce, o norte velho parado no tempo. O sudeste e o norte pioneiro com suas lutas, seus jagunços, sua capacidade espantosa de produzir e enriquecer. E mais: o Paraná que foi visto por Cabeça de
Vaca, pelos caingangues, pelos monges, as histórias em torno de algumas figuras lendárias (Mane Facão, Lupion, Barão do Cerro Azul), os episódios relacionados com a Revolução de 1893, com o Cerco da Lapa, com o Contestado.
Me perguntava: como tudo isso não virou literatura? Não me refiro a uma obra isolada, mas a uma literatura, uma linha de criação e investigações literárias que poderia encontrar aí um filão riquíssimo.
Acho que não é arbitrário lembrar que é uma constante nas grandes literaturas no Brasil a temática histórica. A Minas que temos na cabeça é em grande parte formada por aquilo que escreveram Guimarães Rosa e Drummond.
Como entender o Rio Grande do Sul sem Erico, José Guimarães, Luis Antonio de Assis Brasil e a literatura regionalista? O nordeste é um exemplo óbvio, mas também o Rio de Janeiro (de Machado a Marques Rebello e Antonio Callado) e São Paulo. E hoje o romance histórico se renova, revelando novos autores e atraindo consagrados, como Rubem Fonseca.
Cadê tudo isso no Paraná? Cadê a história política, econômica, social? Cadê as violências, as mortes, as traições, as tiranias.
Cadê o homem paranaense de carne e osso que morreu numa tocaia? Cadê a paixão de viver e morrer, de sonhar e trair, de mentir e roubar, de explorar e criar, e não apenas o idílico Paraná dos Paranistas ou, pior ainda, dos publicitários? Cadê, na literatura, os traços de Poty?
Os poucos exemplos que conheço fazem parte de uma geração recente. Há José Angeli, com o bom e esquecido romance "A Cidade de Alfredo Souza", talvez prejudicado por uma edição desastrosa.
Ilá Domingos Pellegrini, que deu vida a personagens que só seriam possíveis no Paraná, como por exemplo, "O Homem Vermelho" e "As Sete Pragas". E temos o caso notável, "O Mez da Grippe", de Valêncio Xavier, esta delícia de livro objeto-texto-colagem, que reinventa ao mesmo tempo o tratamento literário do material histórico.
E pouco, pois, embora excelentes, são obras isoladas.
Escrevendo um romance, ainda inéditos, a respeito de jagunços, posseiros e companhias colonizadores, me vi obrigado a enfrentar montanhas de documentos para responder a perguntas simples: como se vestia, amava, se divertia, um jagunço no Sudoeste na década de 50? No que acreditava um
posseiro vindo de carroça do interior do Rio Grande do Sul para se instalar no Gleba Missões? O que pensavam de si mesmos um dono de companhia de terra e seu engenheiro-chefe? O que faziam as mulheres enquanto seus homens armavam tocaias ou fugiam para os matos? Que figura poderia surgir numa estrada deserta entre Beltrão e Marmeleiro, em outubro de 1957?
O Paraná literário está para ser inventado. Não se trata de descartar a ficção urbana ou aquela que não usa material histórico.
Trata-se de perguntar: onde foi parar tudo isso? Por que não virou ficção? E, se a pergunta é legítima, não será por esta razão que a imagem do Paraná se presta a tantas manipulações estereotipadas, sejam idílicas, segregacionistas, gênero paraíso paranista perdido, ou publicitária?
Em resumo, há muitas literaturas na morada do Senhor. A ausência do Paraná na cabeça dos que escrevem pode ser um grave prejuízo, ainda que não seja nenhuma obrigação para ninguém.

Roberto Gomes, professor e diretor da Editora da UFPR


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