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"Getúlio Vargas o que acontecia no Paraná. Recebido pelo vice, ouviu a promessa de que as autoridades iam resolver a situação.
O médico cuidou do ferimento do Zé Sem Medo, um balaço no ombro. E depois disso nunca mais teve notícias dele."(1)
1. "432 Depois Nóis Acerta, Dotô," Débora Iankilevich, Histórias de Curitiba, 9 de agosto, 2013, http://historias-curitiba.f1cf.com.br/historias-curitiba-432-historias-do-parana-depois-nois-acerta-doto.html
Ou:
"Getúlio Vargas o que acontecia no Paraná. Recebido pelo vice, ouviu a promessa de que as autoridades iam resolver a situação.
O médico cuidou do ferimento do Zé Sem Medo, um balaço no ombro. E depois disso nunca mais teve notícias dele." ( Fonte: "432 Depois Nóis Acerta, Dotô," Débora Iankilevich, Histórias de Curitiba, 9 de agosto, 2013, http://historias-curitiba.f1cf.com.br/historias-curitiba-432-historias-do-parana-depois-nois-acerta-doto.html
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terça-feira, 23 de dezembro de 2014
segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
Copyright, autores e coletânia impressa.
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O Copyright de cada crônica pertence ao autor.
As opiniões dos textos deste site não representam a opinião dos autores do site.
Cada texto é um conto, memórias ou opinião de cada autor.
As coletânias na versão impressa chamadas "300 e tantas histórias de Curitiba" e "300 e tantas histórias do Paraná" foram compiladas pela Artes & Textos, em 2002 e 2004.
As Crônicas deste material foram publicadas no Jornal Gazeta do Povo de julho de 1993 a abril de 1994.
A publicação dessa obra foi possível graças à colaboração dos Autores,
à Fundação Cultural através da Lei Municipal de Incentivo à Cultura da Secretaria Municipal da Cultura
da Prefeitura Municipal de Curitiba, aos patrocinadores e a todos aqueles que contribuíram para sua realização.
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As Crônicas deste material foram publicadas no Jornal Gazeta do Povo de julho de 1993 a abril de 1994.
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da Prefeitura Municipal de Curitiba, aos patrocinadores e a todos aqueles que contribuíram para sua realização.
domingo, 21 de dezembro de 2014
Histórias de Curitiba - A Derrota do Craque
Histórias de Curitiba - A Derrota do Craque
A Derrota do Craque
Hélio Teixeira
- Este é o serviço de alto-falante Grená, transmitindo diretamente do campo do 5 de Maio.
Por volta das 10h., quando a gurizada de terno de calça curta deixava a missa e o catecismo na Igreja Coração de Maria, pelas bandas da Baixada, ouviam-se os ecos da voz rouca chamando o "Festival" no 5 de Maio.
Diante do estádio do Atlético, estendia-se um "tapete verde" repleto de rosetas espinhentas, onde a piazada de pé descalço corria atrás da bola en-vernizada com o resto de sebo conseguido no açougueiro da esquina.
Pelas ruas em pavimentação asfáltica ou em paralelepípedos, as meninas jogavam caracol, pulavam corda, enquanto os garotos viviam no "tempo". Ora era tempo de pião, ora de jogar "7 pecados", ora de descolar figurinha no bafo ou gradualmente foi ganhando feições de cidade grande, substituindo por asfalto o pó das ruas em dia de sol e a lama que en-coscorava as barras das calças nos dias de chuva.
O gramado do 5 de maio, onde até o final da década de 60 garotos com a bola nos pés estufavam redes imaginárias em bali-zas marcadas por dois tijolos, sumiu.
Como ele, dezenas, talvez centenas de cenários dominicais da "várzea" curitibana foram ocupados pelo crescimento urbano da cidade.
Exatamente nos "festivais" da várzea, na verdade uma série de partidas matinais e à tarde, foram revelados inúmeros craques que depois foram vestir as camisas do Atlético, Coritiba e dos falecidos Ferroviário, Britânia e Água Verde.
Ao redor das mesas de tru-co ou no balcão rústico de madeira bruta, onde repousava a cerveja conservada em barras de gelo cobertas de serragem, cultivavam-se amizades, namoros e até casamentos. E também estavam ali, é claro, "olheiros" descomprornissa-dos que percebiam no trato e habilidade com a bola e na ginga da cintura o futuro craque.
Que em seguida era levado ao clube do coração do olheiro como uma verdadeira preciosidade, numa atitude muito distante dos atuais "empresários" de jogadores de futebol.
Com o "Sabuga", apelido de Celso Prado, um endiabrado com a bola nos pés, não poderia dar outra.
Encantado com seus dribles fenomenais e seu oportunismo na hora do gol, um olheiro o tirou do gramado maltratado do 5 de Maio e, mais que depressa, o carregou para o time profissional do velho Britânia.
"Sabuga'’ foi louvado como uma rara e espetacular promessa para o futebol profissional.
Logo no primeiro treino, porém ele re-velou-se um completo desastre.
Obrigado a calçar chuteiras de travas altas, o craque encolheu e seu inventivo futebol sumiu.
Acontece que "Sabuga" nunca calçara chuteiras na vicia, só jogava descalço.
Depois disso, acabou desistindo da bola e foi ser bombeiro.
As chuteiras derrotaram o craque.
Da mesma forma que o gramado do 5 de Maio, transformado em praça, dobrou-se ao i-nevitável progresso que embeleza
a cidade, mas risca do mapa inúmeros campos de várzea e acaba matando centenas de "sabugas".
Hélio Teixeira é jornalista.
A Derrota do Craque
Hélio Teixeira
- Este é o serviço de alto-falante Grená, transmitindo diretamente do campo do 5 de Maio.
Por volta das 10h., quando a gurizada de terno de calça curta deixava a missa e o catecismo na Igreja Coração de Maria, pelas bandas da Baixada, ouviam-se os ecos da voz rouca chamando o "Festival" no 5 de Maio.
Diante do estádio do Atlético, estendia-se um "tapete verde" repleto de rosetas espinhentas, onde a piazada de pé descalço corria atrás da bola en-vernizada com o resto de sebo conseguido no açougueiro da esquina.
Pelas ruas em pavimentação asfáltica ou em paralelepípedos, as meninas jogavam caracol, pulavam corda, enquanto os garotos viviam no "tempo". Ora era tempo de pião, ora de jogar "7 pecados", ora de descolar figurinha no bafo ou gradualmente foi ganhando feições de cidade grande, substituindo por asfalto o pó das ruas em dia de sol e a lama que en-coscorava as barras das calças nos dias de chuva.
O gramado do 5 de maio, onde até o final da década de 60 garotos com a bola nos pés estufavam redes imaginárias em bali-zas marcadas por dois tijolos, sumiu.
Como ele, dezenas, talvez centenas de cenários dominicais da "várzea" curitibana foram ocupados pelo crescimento urbano da cidade.
Exatamente nos "festivais" da várzea, na verdade uma série de partidas matinais e à tarde, foram revelados inúmeros craques que depois foram vestir as camisas do Atlético, Coritiba e dos falecidos Ferroviário, Britânia e Água Verde.
Ao redor das mesas de tru-co ou no balcão rústico de madeira bruta, onde repousava a cerveja conservada em barras de gelo cobertas de serragem, cultivavam-se amizades, namoros e até casamentos. E também estavam ali, é claro, "olheiros" descomprornissa-dos que percebiam no trato e habilidade com a bola e na ginga da cintura o futuro craque.
Que em seguida era levado ao clube do coração do olheiro como uma verdadeira preciosidade, numa atitude muito distante dos atuais "empresários" de jogadores de futebol.
Com o "Sabuga", apelido de Celso Prado, um endiabrado com a bola nos pés, não poderia dar outra.
Encantado com seus dribles fenomenais e seu oportunismo na hora do gol, um olheiro o tirou do gramado maltratado do 5 de Maio e, mais que depressa, o carregou para o time profissional do velho Britânia.
"Sabuga'’ foi louvado como uma rara e espetacular promessa para o futebol profissional.
Logo no primeiro treino, porém ele re-velou-se um completo desastre.
Obrigado a calçar chuteiras de travas altas, o craque encolheu e seu inventivo futebol sumiu.
Acontece que "Sabuga" nunca calçara chuteiras na vicia, só jogava descalço.
Depois disso, acabou desistindo da bola e foi ser bombeiro.
As chuteiras derrotaram o craque.
Da mesma forma que o gramado do 5 de Maio, transformado em praça, dobrou-se ao i-nevitável progresso que embeleza
a cidade, mas risca do mapa inúmeros campos de várzea e acaba matando centenas de "sabugas".
Hélio Teixeira é jornalista.
sábado, 20 de dezembro de 2014
Histórias de Curitiba - As Barricadas de Curitiba
Histórias de Curitiba - As Barricadas de Curitiba
As Barricadas de Curitiba
Luiz Manfredini
O busto em bronze do Reitor Flávio Suplicy de Lacerda estatelou-se ao cabo de poucos minutos.
Juntamo-nos para hastear a bandeira e cantar o Hino Nacional. Éramos milhares e es-távamos febris no início da manhã de 14 de maio de 1968. Havíamos tomado de assalto a Reitoria da Universidade Federal do Paraná que, olímpica, vetusta e arrogante, afinal arquejava diante da nossa fúria súbita e juvenil.
Corriam os memoráveis anos 60, em que afrontar as instituições era um influxo irreprimível e hegemônico.
Em todo o mundo, mais de 600 milhões de jovens lançavam para as ruas o brado do seu inconformismo.
Muito do que se fez na época foi verdadeiramente revolucionário, audacioso, demolidor.
Lutávamos, naquele momento, contra o ensino pago que a ditadura começava a instituir na UFPR, e pretendíamos impedir o vestibular de um curso noturno -e pago - da Faculdade de Engenharia.
Havíamos promovido manifestações no Centro Politécnico, então um campo aberto em que a PM e sua cavalaria invariavelmente nos impunham derrotas.
Imaginamos reverter a desvantagem e planejamos o assalto à Reitoria.
Dos cerca de três mil universitários e secundaristas que se reuniram na praça Santos Andrade, às sete horas do dia 14 de maio, apenas um grupo de 80 sabia que a convocação inicial - juntar-se ali para marchar para o Centro Politécnico - era manobra diver-sionista.
Nosso objetivo era a Reitoria, para a qual seguimos divididos em duas espessas colunas -uma pela rua XV, outra pela Aminlas de Barros.
As oito horas já ocupávamos toda a cjuadra, e erguíamos barricadas de metro e meio de altura com os paralelepípedos arrancados das ruas.
Estávamos armados, estupidamente armados com bolas de gude, rolhas de cortiça, estilingues e rojões.
Pouco depois das nove, as tropas começaram a chegar, a pé e à cavalo, armadas com máscaras e bombas de gás, cassetetes e espadas.
Cercaram as barricadas.
Estávamos serenos. A correlação de forças era equilibrada.
Dispúnhamos de alguns coquetéis "molotov". Sabíamos que os rojões semeariam pânico e dispersão entre os soldados e seus cavalos, que os milhares de estilingues arremessariam bolas de gude contra as tropas.
Vivíamos na doce harmonia da nossa comuna.
Passeávamos pelo território ocupado, conversávamos, alguns jogavam cartas, outros namoravam.
Sentíamo-nos orgulhosos e em paz.
As negociações conduzidas pelo Presidente da UPE, Stênio Sa-lles Jacob, culminaram com um acordo no final da manhã: as matrículas do curso noturno de Engenharia não seriam abertas até que se obtivesse a garantia da gratuidade do ensino.
As tropas deixariam o local e ninguém seria preso.
Comemoramos com gritos e o espoucar dos milhares de rojões originalmente destinados à PM. Rapidamente desocupados os prédios, desfizemos as barricadas e saímos em ruidosa passeata pela XV até a praça Ozório.
Em Paris, naquele instante, os estudantes haviam tomado a centenária Sorbonne.
Dias mais tarde, o Conselho Universitário extinguiu o pagamento de anuidades na Universidade Federal do Paraná.
Nós, "communards" da simplória Curitiba, enchíamo-nos de satisfação e glória.
Luiz Manfredini é jornalista e escritor.
As Barricadas de Curitiba
Luiz Manfredini
O busto em bronze do Reitor Flávio Suplicy de Lacerda estatelou-se ao cabo de poucos minutos.
Juntamo-nos para hastear a bandeira e cantar o Hino Nacional. Éramos milhares e es-távamos febris no início da manhã de 14 de maio de 1968. Havíamos tomado de assalto a Reitoria da Universidade Federal do Paraná que, olímpica, vetusta e arrogante, afinal arquejava diante da nossa fúria súbita e juvenil.
Corriam os memoráveis anos 60, em que afrontar as instituições era um influxo irreprimível e hegemônico.
Em todo o mundo, mais de 600 milhões de jovens lançavam para as ruas o brado do seu inconformismo.
Muito do que se fez na época foi verdadeiramente revolucionário, audacioso, demolidor.
Lutávamos, naquele momento, contra o ensino pago que a ditadura começava a instituir na UFPR, e pretendíamos impedir o vestibular de um curso noturno -e pago - da Faculdade de Engenharia.
Havíamos promovido manifestações no Centro Politécnico, então um campo aberto em que a PM e sua cavalaria invariavelmente nos impunham derrotas.
Imaginamos reverter a desvantagem e planejamos o assalto à Reitoria.
Dos cerca de três mil universitários e secundaristas que se reuniram na praça Santos Andrade, às sete horas do dia 14 de maio, apenas um grupo de 80 sabia que a convocação inicial - juntar-se ali para marchar para o Centro Politécnico - era manobra diver-sionista.
Nosso objetivo era a Reitoria, para a qual seguimos divididos em duas espessas colunas -uma pela rua XV, outra pela Aminlas de Barros.
As oito horas já ocupávamos toda a cjuadra, e erguíamos barricadas de metro e meio de altura com os paralelepípedos arrancados das ruas.
Estávamos armados, estupidamente armados com bolas de gude, rolhas de cortiça, estilingues e rojões.
Pouco depois das nove, as tropas começaram a chegar, a pé e à cavalo, armadas com máscaras e bombas de gás, cassetetes e espadas.
Cercaram as barricadas.
Estávamos serenos. A correlação de forças era equilibrada.
Dispúnhamos de alguns coquetéis "molotov". Sabíamos que os rojões semeariam pânico e dispersão entre os soldados e seus cavalos, que os milhares de estilingues arremessariam bolas de gude contra as tropas.
Vivíamos na doce harmonia da nossa comuna.
Passeávamos pelo território ocupado, conversávamos, alguns jogavam cartas, outros namoravam.
Sentíamo-nos orgulhosos e em paz.
As negociações conduzidas pelo Presidente da UPE, Stênio Sa-lles Jacob, culminaram com um acordo no final da manhã: as matrículas do curso noturno de Engenharia não seriam abertas até que se obtivesse a garantia da gratuidade do ensino.
As tropas deixariam o local e ninguém seria preso.
Comemoramos com gritos e o espoucar dos milhares de rojões originalmente destinados à PM. Rapidamente desocupados os prédios, desfizemos as barricadas e saímos em ruidosa passeata pela XV até a praça Ozório.
Em Paris, naquele instante, os estudantes haviam tomado a centenária Sorbonne.
Dias mais tarde, o Conselho Universitário extinguiu o pagamento de anuidades na Universidade Federal do Paraná.
Nós, "communards" da simplória Curitiba, enchíamo-nos de satisfação e glória.
Luiz Manfredini é jornalista e escritor.
sexta-feira, 19 de dezembro de 2014
Histórias de Curitiba - Um repórter Jubiluca
Histórias de Curitiba - Um repórter Jubiluca
Um repórter Jubiluca
Valêncio Xavier
Começa que ninguém, ninguém jamais nesta cidade de Curitiba ou em qualquer outra cidade do planeta sabe dizer o porquê
do apelido Galo.
O Repórter Galo tinha por sobrenome Bagio, de tradicional família curitibana.
Seu nome próprio é outro mistério: quase ninguém pode lembrar, muito menos eu.
Era repórter policial com seus dias de glória nos anos cinqüenta e sessenta.
Trabalhou no rádio e depois em jornais, desde o falecido DIA até na GAZETA DO POVO.
Repórter daqueles bons tempos queria dizer repórter, palavra que vem do francês, que traduzida quer dizer reportar, que em português traduzido quer dizer transportar, que quer dizer trazer alguma coisa de algum lugar, que quer dizer que o repórter naqueles bons tempos trazia a notícia, diferente de hoje que a notícia traz o repórter.
Entendeu alguma coisa?
Naqueles tempos em que não tinha seqüestro, meninos de rua, tráfico de drogas, superfatura-mento, ministros sinistros, nem existia ainda a República de Alagoas, os crimes eram muito mais amenos: maridos que matavam a mulher, ou vice-versa, conto do vigário, roubo de galinhas e etc.
O repórter tinha de ir atrás da notícia, xeretar nas delegacias, voltar para a redação, contar a notícia para o redator que, como o nome está dizendo, redigia a notícia, o repórter não redigia nada só reportava e o repórter Galo era especialista em reportar.
Então aconteceu o terrível Crime da Vossoroca, mataram um chofer de praça que é como chamavam então os motoristas de táxi, maior mistério.
Mataram e jogaram o corpo na represa de Vossoroca e roubaram o carro, isso numa época que não era moda roubar carros, o máximo que se roubava era bicicleta e a Loja do Pedro nem existia.
O crime agitou a cidade que só sossegou quando os criminosos, um casal, foram presos em Florianópolis e a polícia daqui foi buscá-los, o Galo junto.
Ninguém sabia como e porque fora cometido o crime, o suspense era esperar o Galo voltar com a notícia e o jornal publicar -não esqueça que não tinha nem televisão nem satélite, uma ligação interurbana demorava horas e nem a estrada até Florianópolis era asfaltada.
Ficou todo mundo no jornal esperando o Galo chegar e cantar a história para o redator redigir a notícia e se imprimir a esperada edição. Lá pela meia-noite chega o Galo já bem torrado e conta o crime. O que ninguém contava é que o Galo cantava tudo num linguajar que só ele entendia, que nem o Chain hoje em dia, e ele contou: O jubiluco mais a jubiluca tomaram o jubiluco e na jubiluca deram três jubi-lacadas no jubiluca e pegaram toda jubiluca dele e mais o jubiluca e se mandaram para Jubiluca, antes jogaram o jubiluca na jubiluca.
Você jubilucou alguma coisa? Nem eu.
Valêncio Xavier é reporter e produtor de TV
Um repórter Jubiluca
Valêncio Xavier
Começa que ninguém, ninguém jamais nesta cidade de Curitiba ou em qualquer outra cidade do planeta sabe dizer o porquê
do apelido Galo.
O Repórter Galo tinha por sobrenome Bagio, de tradicional família curitibana.
Seu nome próprio é outro mistério: quase ninguém pode lembrar, muito menos eu.
Era repórter policial com seus dias de glória nos anos cinqüenta e sessenta.
Trabalhou no rádio e depois em jornais, desde o falecido DIA até na GAZETA DO POVO.
Repórter daqueles bons tempos queria dizer repórter, palavra que vem do francês, que traduzida quer dizer reportar, que em português traduzido quer dizer transportar, que quer dizer trazer alguma coisa de algum lugar, que quer dizer que o repórter naqueles bons tempos trazia a notícia, diferente de hoje que a notícia traz o repórter.
Entendeu alguma coisa?
Naqueles tempos em que não tinha seqüestro, meninos de rua, tráfico de drogas, superfatura-mento, ministros sinistros, nem existia ainda a República de Alagoas, os crimes eram muito mais amenos: maridos que matavam a mulher, ou vice-versa, conto do vigário, roubo de galinhas e etc.
O repórter tinha de ir atrás da notícia, xeretar nas delegacias, voltar para a redação, contar a notícia para o redator que, como o nome está dizendo, redigia a notícia, o repórter não redigia nada só reportava e o repórter Galo era especialista em reportar.
Então aconteceu o terrível Crime da Vossoroca, mataram um chofer de praça que é como chamavam então os motoristas de táxi, maior mistério.
Mataram e jogaram o corpo na represa de Vossoroca e roubaram o carro, isso numa época que não era moda roubar carros, o máximo que se roubava era bicicleta e a Loja do Pedro nem existia.
O crime agitou a cidade que só sossegou quando os criminosos, um casal, foram presos em Florianópolis e a polícia daqui foi buscá-los, o Galo junto.
Ninguém sabia como e porque fora cometido o crime, o suspense era esperar o Galo voltar com a notícia e o jornal publicar -não esqueça que não tinha nem televisão nem satélite, uma ligação interurbana demorava horas e nem a estrada até Florianópolis era asfaltada.
Ficou todo mundo no jornal esperando o Galo chegar e cantar a história para o redator redigir a notícia e se imprimir a esperada edição. Lá pela meia-noite chega o Galo já bem torrado e conta o crime. O que ninguém contava é que o Galo cantava tudo num linguajar que só ele entendia, que nem o Chain hoje em dia, e ele contou: O jubiluco mais a jubiluca tomaram o jubiluco e na jubiluca deram três jubi-lacadas no jubiluca e pegaram toda jubiluca dele e mais o jubiluca e se mandaram para Jubiluca, antes jogaram o jubiluca na jubiluca.
Você jubilucou alguma coisa? Nem eu.
Valêncio Xavier é reporter e produtor de TV
quinta-feira, 18 de dezembro de 2014
Histórias de Curitiba - Animadores do Cotidiano
Histórias de Curitiba - Animadores do Cotidiano
Animadores do Cotidiano
Luiz Geraldo Mazza
O que salva a cidade, pelo menos em grande parte, de sua inclinação para o formalismo (e o do curitibano é ainda hoje exasperado) é a galeria de tipos populares.
Com menos habitantes e mais provinciana era mais fácil catalogá-los, como o Rafael Greca fez num ensaio para a Fundação Cultural de Curitiba.
Modernamente há poucos remanescentes, como a Maria-Marcha-Lenta, uma esmoler, que adoentada como um ventre enorme sugere uma gravidez de anos e não meses,- a Dama de Roxo, uma lúmpem que se traja de plástico e adornos retirados até de coroas funerárias; o jovem Benedito, um negrinho trabalhador, portador de delírio ambulatório e que anda a correr pelas ruas imitando, onomatopaica-mente, os mais desencontrados sons dos animais (cães ganindo e brigando, gatos no cio, pássaros, cavalos) aos da máxima tecnologia como a sirene da polícia francesa, dos aviões a jato, os bips de máquinas cibernéticas, sons de trens antigos movidos a lenha ou de trens-bala.
Com a morte do Bataclan, um macróbio atleta, negro, que o Brasil inteiro conhecia, que andava em pleno inverno de calção pelas avenidas de Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre a fazer pregações cívicas e de obediência à pátria, ficou, sobretudo, a irreverência sistemática do Alvino Cruz, o Esmaga, um "mordedor" de 62 anos, funcionário público aposentado, que há mais de 30 anos "dobra" políticos e empresários na faina de pegar dinheiro.
Tido por muitos- como uma consciência crítica da cidade na visão punk, o Alvino Cruz é uma figura marcante.
Certa ocasião encheu tanto o saco de freqüentadores do Teatro Guaíra que a direção exigiu que ele abandonasse o local por suas interferências importunas como a que fez com um casal, seu conhecido, que assistia a peça Otelo, de Shakespeare, enquanto ele, na poltrona de trás, 1a dizendo o que aconteceria:
- Olha, esse tal de Yago é um fofoqueiro pior que o Anfrísio Siqueira (presidente da Boca Maldita). Vai deixar o negro (Otelo) com dor de corno por causa da loira (que ele chamava de Desde-monha, talvez para ligar ao demônio) e ele mata.
Coisa de sair na "Tribuna" na primeira página.
Apesar dos psius, seguidos, intermitentes, para que não perturbasse a assistência, o Esmaga continuava e na hora do desen-lace, vitorioso, diante da morte de Desdêmona (Tônia Carrero), dizia: "eu não falei?"
"Exilaram" o Esmaga em Morretes.
Foi pior a emenda do que o soneto: ele ficava na frente do Bar Barril, por onde era obrigatória a passagem dos carros que demandavam ao litoral, e sua intimidade com figurões, como Ney Braga, Norton Macedo, secretários de Estado, empresários, deixou a pacata província alarmada com a hipótese, tantas eram as perfídias que aprontava, de ser um "espião" do governo naquela cidade. E Morretes só respirou quando o Esmaga foi embora.
A um senador que decidira apoiar Bento Munhoz da Rocha ao invés de Paulo Pimentel, indicado por Ney Braga como canditato à sucessão, marcou sob pressão e o agrediu verbalmente.
- Senador, que papelão, hein? Deu uma de porco: comeu e virou o coxo!
Luiz Geraldo Mazza é jornalista.
Animadores do Cotidiano
Luiz Geraldo Mazza
O que salva a cidade, pelo menos em grande parte, de sua inclinação para o formalismo (e o do curitibano é ainda hoje exasperado) é a galeria de tipos populares.
Com menos habitantes e mais provinciana era mais fácil catalogá-los, como o Rafael Greca fez num ensaio para a Fundação Cultural de Curitiba.
Modernamente há poucos remanescentes, como a Maria-Marcha-Lenta, uma esmoler, que adoentada como um ventre enorme sugere uma gravidez de anos e não meses,- a Dama de Roxo, uma lúmpem que se traja de plástico e adornos retirados até de coroas funerárias; o jovem Benedito, um negrinho trabalhador, portador de delírio ambulatório e que anda a correr pelas ruas imitando, onomatopaica-mente, os mais desencontrados sons dos animais (cães ganindo e brigando, gatos no cio, pássaros, cavalos) aos da máxima tecnologia como a sirene da polícia francesa, dos aviões a jato, os bips de máquinas cibernéticas, sons de trens antigos movidos a lenha ou de trens-bala.
Com a morte do Bataclan, um macróbio atleta, negro, que o Brasil inteiro conhecia, que andava em pleno inverno de calção pelas avenidas de Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre a fazer pregações cívicas e de obediência à pátria, ficou, sobretudo, a irreverência sistemática do Alvino Cruz, o Esmaga, um "mordedor" de 62 anos, funcionário público aposentado, que há mais de 30 anos "dobra" políticos e empresários na faina de pegar dinheiro.
Tido por muitos- como uma consciência crítica da cidade na visão punk, o Alvino Cruz é uma figura marcante.
Certa ocasião encheu tanto o saco de freqüentadores do Teatro Guaíra que a direção exigiu que ele abandonasse o local por suas interferências importunas como a que fez com um casal, seu conhecido, que assistia a peça Otelo, de Shakespeare, enquanto ele, na poltrona de trás, 1a dizendo o que aconteceria:
- Olha, esse tal de Yago é um fofoqueiro pior que o Anfrísio Siqueira (presidente da Boca Maldita). Vai deixar o negro (Otelo) com dor de corno por causa da loira (que ele chamava de Desde-monha, talvez para ligar ao demônio) e ele mata.
Coisa de sair na "Tribuna" na primeira página.
Apesar dos psius, seguidos, intermitentes, para que não perturbasse a assistência, o Esmaga continuava e na hora do desen-lace, vitorioso, diante da morte de Desdêmona (Tônia Carrero), dizia: "eu não falei?"
"Exilaram" o Esmaga em Morretes.
Foi pior a emenda do que o soneto: ele ficava na frente do Bar Barril, por onde era obrigatória a passagem dos carros que demandavam ao litoral, e sua intimidade com figurões, como Ney Braga, Norton Macedo, secretários de Estado, empresários, deixou a pacata província alarmada com a hipótese, tantas eram as perfídias que aprontava, de ser um "espião" do governo naquela cidade. E Morretes só respirou quando o Esmaga foi embora.
A um senador que decidira apoiar Bento Munhoz da Rocha ao invés de Paulo Pimentel, indicado por Ney Braga como canditato à sucessão, marcou sob pressão e o agrediu verbalmente.
- Senador, que papelão, hein? Deu uma de porco: comeu e virou o coxo!
Luiz Geraldo Mazza é jornalista.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
Histórias de Curitiba - Enterro a galope
Histórias de Curitiba - Enterro a galope
Enterro a galope
Valério Hoerner Júnior
Em 1936, o poeta e então vereador Ciro Silva, numa legítima afirmação de conhecido dinamismo, resolveu que os enterros, em Curitiba, deveriam perder o ritmo caranguejoso de costume, em que se arrastavam por longo tempo e interminável séquito pelas ruas da cidade na direção da última morada.
Deitou, então, projeto na Câmara propondo a fixação em 15 quilômetros horários a velocidade dos futuros cortejos fúnebres.
Na verdade, esses cortejos na época significavam expressivo desafio até para as mais resignadas paciências, pois não passava de dois a três quilômetros por hora a celeridade da carruagem puxando a fila.
De modo que se a casa do morto (velórios eram sempre em casa, na sala, de onde todos os enfeites eram retirados à guisa de respeito ao falecido; in-verídico: eram retirados para não serem carregados por eventuais carpideiras) ficasse nas bandas do Portão e o enterro fosse no Cemitério Municipal, uns bons 15 quilômetros deveriam ser percorridos. A três quilômetros por hora, os cavalicoques do Pires ou do Pedro Falce cobririam o percurso em modestíssimas cinco horas.
Inconformado com tal disparate, o inquieto legislador propunha reduzir o mesmo enterro a uma hora apenas de suplício.
O projeto foi então transformado em lei, sob o aplauso da unanimidade.
Com isso, os defuntos passaram a tomar seus lugares debaixo da terra sem o vasto patrimônio de más vontades, restando ao inditoso apenas a pesada carga de ter morrido.
Com a inacreditável velocidade praticada a partir de então, que soava mais a desrespeito aos princípios religiosos e ao morto, desapareceram também alguns clichês da cultura curitibana: na ligeireza do séquito não havia banda de música que executasse com garbo as sentidas marchas fúnebres, nem as janelas permitiram o apinhamento de curiosos e fu-triqueiros a, basbaques, querendo saber "quem é o morto?, morreu de quê?, quantos carros de coroas?, deixou seguro de vida?..." Interessava a todo mundo, a família enjanelava-se a criadagem espiava do portão. A cavalhada, todavia, assumindo o trote em substituição ao passo de cágado praticado até então, teve de ser substituída.
Fogosos corcéis brancos tomaram o lugar dos antigos pan-garés, aposentados dignamente com vencimentos duplicados de ração de alfafa, milho e capim-gordura.
Até que um dia, ainda mal treinados para a piedosa tarefa, embora de rédeas soltas para vencer em trote garboso a distância dentro da velocidade estabelecida por lei, desembestaram os empi-nados bucéfalos nas imediações da Mercês, levando de roldão uma carroça de verduras que vinha de Santa Felicidade.
Prejuízos mesmo somente pelas verduras esparramadas. O cortejo, no entanto, seguiu.
Nem poderia ser diferente.
Mas a italiana processou o Falce (ou o Pires), que por sua vez atribuiu a culpa à Câmara, que aumentou a velocidade nos trajetos. E a Câmara eximiu-se do vereador Ciro Silva. E ficou nisso porque na cabeça de ninguém mais passava a possibilidade de retorno à cadência de tartaruga.
O momento era o da velocidade.
Eram os tempos do Pi-tancuda!
Valério Hoerner Júnior é escritor.
Enterro a galope
Valério Hoerner Júnior
Em 1936, o poeta e então vereador Ciro Silva, numa legítima afirmação de conhecido dinamismo, resolveu que os enterros, em Curitiba, deveriam perder o ritmo caranguejoso de costume, em que se arrastavam por longo tempo e interminável séquito pelas ruas da cidade na direção da última morada.
Deitou, então, projeto na Câmara propondo a fixação em 15 quilômetros horários a velocidade dos futuros cortejos fúnebres.
Na verdade, esses cortejos na época significavam expressivo desafio até para as mais resignadas paciências, pois não passava de dois a três quilômetros por hora a celeridade da carruagem puxando a fila.
De modo que se a casa do morto (velórios eram sempre em casa, na sala, de onde todos os enfeites eram retirados à guisa de respeito ao falecido; in-verídico: eram retirados para não serem carregados por eventuais carpideiras) ficasse nas bandas do Portão e o enterro fosse no Cemitério Municipal, uns bons 15 quilômetros deveriam ser percorridos. A três quilômetros por hora, os cavalicoques do Pires ou do Pedro Falce cobririam o percurso em modestíssimas cinco horas.
Inconformado com tal disparate, o inquieto legislador propunha reduzir o mesmo enterro a uma hora apenas de suplício.
O projeto foi então transformado em lei, sob o aplauso da unanimidade.
Com isso, os defuntos passaram a tomar seus lugares debaixo da terra sem o vasto patrimônio de más vontades, restando ao inditoso apenas a pesada carga de ter morrido.
Com a inacreditável velocidade praticada a partir de então, que soava mais a desrespeito aos princípios religiosos e ao morto, desapareceram também alguns clichês da cultura curitibana: na ligeireza do séquito não havia banda de música que executasse com garbo as sentidas marchas fúnebres, nem as janelas permitiram o apinhamento de curiosos e fu-triqueiros a, basbaques, querendo saber "quem é o morto?, morreu de quê?, quantos carros de coroas?, deixou seguro de vida?..." Interessava a todo mundo, a família enjanelava-se a criadagem espiava do portão. A cavalhada, todavia, assumindo o trote em substituição ao passo de cágado praticado até então, teve de ser substituída.
Fogosos corcéis brancos tomaram o lugar dos antigos pan-garés, aposentados dignamente com vencimentos duplicados de ração de alfafa, milho e capim-gordura.
Até que um dia, ainda mal treinados para a piedosa tarefa, embora de rédeas soltas para vencer em trote garboso a distância dentro da velocidade estabelecida por lei, desembestaram os empi-nados bucéfalos nas imediações da Mercês, levando de roldão uma carroça de verduras que vinha de Santa Felicidade.
Prejuízos mesmo somente pelas verduras esparramadas. O cortejo, no entanto, seguiu.
Nem poderia ser diferente.
Mas a italiana processou o Falce (ou o Pires), que por sua vez atribuiu a culpa à Câmara, que aumentou a velocidade nos trajetos. E a Câmara eximiu-se do vereador Ciro Silva. E ficou nisso porque na cabeça de ninguém mais passava a possibilidade de retorno à cadência de tartaruga.
O momento era o da velocidade.
Eram os tempos do Pi-tancuda!
Valério Hoerner Júnior é escritor.
terça-feira, 16 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - Gravata Borboleta
Histórias do Paraná - Gravata Borboleta
Gravata Borboleta
José Cadilhe de Oliveira
Conheci um tipo interessante e admirável.
Sua alcunha, Tonico Madruga, que por sí só, nos dá um painel do seu feitio.
Notívago por excelência foi, por muito tempo, um dos donos da madrugada curitibana.
Exímio jogador de futebol fez furor no juvenil do Juventus, chegando, inclusive, ao selecionado estadual da categoria.
Mas, para o treinador e dirigentes do Clube, sempre foi tormento, principalmente em véspera de jogos.
Todo mundo era escalado para cuidar dos passos do Tonico para que no jogo estivesse ele em condições físicas razoáveis.
Nem sempre deu certo esse cuidado.
Muitas vezes ele chegou a levar seu guarda-costas para a madruga, para a gandaia...
Levou, assim, muito tempo de sua juventude.
Tonico Madruga foi igualmente, um exímio percursionista.
Imbatível no tamborim.
Desfilou, invariavelmente, nos Embaixadores da Alegria, Escola de Samba que freqüentou anos seguidos.
No Carnaval de 1958, lá estava Tonico Madruga envergando sua vistosa fantasia que, naquele ano, por versar os dez anos da Escola — fundada em 1948
- foi de Embaixador.
Ricamente confeccionada em alfaiataria, se constituiu de casaca, calça e cartola de cor azul, com camisa branca onde, no peito, se divisava um faixa transversal em vermelho, além de belíssima gravatinha borboleta em azul e luvas brancas.
Finda a primeira noitada carnavalesca de um sábado, já dia claro, Tonico retornou para casa.
Infelizmente, foi surpreendido com a noticia do falecimento de seu avô que residia na mesma moradia. O corpo já se achava no esquife montado na sala.
Foi um Deus nos acuda para esconder o Tonico, ainda fantasiado, dos presentes ao velório que se iniciava.
No dia seguinte, domingo de Carnaval, logo após o sepultamen-to, Tonico Madruga, de modo surpreendente, surgiu nos Embaixadores devidamente fantasiado para desfiar e compartilhar dos festejos momescos.
Ninguém queria acreditar que, tendo enterrado o avô poucas horas antes, lá estivesse o moço para prosseguir na pandega carnavalesca.
Quando foi perguntado se não seria melhor ele deixar de desfilar face a morte do avô, saiu-se com esta:
- Você não reparou? Estou de luto.
Veja que a gravatinha borboleta da fantasia é azul e eu estou de
gravatinha preta."
Era verdade e Tonico, mais uma vez, honrou sua condição de notívago e carnavalesco de primeira linha.
José Cadilhe de Oliveira, advogado
Gravata Borboleta
José Cadilhe de Oliveira
Conheci um tipo interessante e admirável.
Sua alcunha, Tonico Madruga, que por sí só, nos dá um painel do seu feitio.
Notívago por excelência foi, por muito tempo, um dos donos da madrugada curitibana.
Exímio jogador de futebol fez furor no juvenil do Juventus, chegando, inclusive, ao selecionado estadual da categoria.
Mas, para o treinador e dirigentes do Clube, sempre foi tormento, principalmente em véspera de jogos.
Todo mundo era escalado para cuidar dos passos do Tonico para que no jogo estivesse ele em condições físicas razoáveis.
Nem sempre deu certo esse cuidado.
Muitas vezes ele chegou a levar seu guarda-costas para a madruga, para a gandaia...
Levou, assim, muito tempo de sua juventude.
Tonico Madruga foi igualmente, um exímio percursionista.
Imbatível no tamborim.
Desfilou, invariavelmente, nos Embaixadores da Alegria, Escola de Samba que freqüentou anos seguidos.
No Carnaval de 1958, lá estava Tonico Madruga envergando sua vistosa fantasia que, naquele ano, por versar os dez anos da Escola — fundada em 1948
- foi de Embaixador.
Ricamente confeccionada em alfaiataria, se constituiu de casaca, calça e cartola de cor azul, com camisa branca onde, no peito, se divisava um faixa transversal em vermelho, além de belíssima gravatinha borboleta em azul e luvas brancas.
Finda a primeira noitada carnavalesca de um sábado, já dia claro, Tonico retornou para casa.
Infelizmente, foi surpreendido com a noticia do falecimento de seu avô que residia na mesma moradia. O corpo já se achava no esquife montado na sala.
Foi um Deus nos acuda para esconder o Tonico, ainda fantasiado, dos presentes ao velório que se iniciava.
No dia seguinte, domingo de Carnaval, logo após o sepultamen-to, Tonico Madruga, de modo surpreendente, surgiu nos Embaixadores devidamente fantasiado para desfiar e compartilhar dos festejos momescos.
Ninguém queria acreditar que, tendo enterrado o avô poucas horas antes, lá estivesse o moço para prosseguir na pandega carnavalesca.
Quando foi perguntado se não seria melhor ele deixar de desfilar face a morte do avô, saiu-se com esta:
- Você não reparou? Estou de luto.
Veja que a gravatinha borboleta da fantasia é azul e eu estou de
gravatinha preta."
Era verdade e Tonico, mais uma vez, honrou sua condição de notívago e carnavalesco de primeira linha.
José Cadilhe de Oliveira, advogado
segunda-feira, 15 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - Idéias exóticas
Histórias do Paraná - Idéias exóticas
Idéias exóticas
Adalberto S. Gomes
Materialismo dialético, revolução proletária, lutas de classes... Você acredita que temas e conceitos dessa natureza sejam facilmente ensináveis a uma criança normal de apenas dois anos de idade? Pois guarde o sorriso.
Houve um tempo, não tão distante assim, em que os chamados "órgãos de segurança" do país não só acreditavam num disparate desses, como, até, mandavam prender os "agentes responsáveis pela inoculação, nas inocentes criancinhas do terrível vírus das ideologias exóticas" (cruz credo).
Aconteceu aqui mesmo, em Curitiba, em março de 1978. Final do governo do General Ernesto Geisel, apelidado a boca pequena de "Alemão". O general-presidente acenava à nação com uma tal de "distensão lenta e gradual", espécie de travessia para substituição, em prazo indeterminado, do arbítrio pelas leis. Não era muito, mas para os setores mais à direita do próprio governo isso era até demais.
Daí a reação em áreas do próprio governo, com ações violentas patrocinadas por órgãos de repressão, velada ou abertamente.
Nesse clima, na noite de 18 de março, um sábado, agentes da Polícia Federal de Curitiba batem à porta de onze intelectuais e professores e os levam presos, incomunicáveis, sob a alegação de que desenvolviam "atividades contrárias à segurança nacional". Os intelectuais e professores eram todos ligados a dois pequenos jardins de infância, "Oca" e "Oficina", fundados com a preocupação de proporcionar um bom atendimento pré-escolar às crianças.
Mas, segundo a Superintendência da Polícia Federal no Paraná, em nota oficial distribuída no dia seguinte às prisões, nessas duas singelas escolas as crianças seriam "doutrinadas dentro de princípios marxistas, desenvolvendo-se-lhes uma visão materialista e dialética do mundo".
A revista Veja, na edição de 29 de março de 1978, registrou o caso em reportagem intitulada "As crianças e o vírus das idéias exóticas". Eis alguns trechos:
"Jean Piaget, o psicólogo suíço levemente progressista, que se consagrou no entre guerras como um mestre na pedagogia infantil, costumava ensinar que a natureza e o funcionamento da articulação mental no adulto estão intrinsicamente ligados à formação da criança.
Em Curitiba, neste final dos anos 70, isso tornou-se subversivo.
Tanto que, na semana passada, sessenta crianças entre 18 meses e 6 anos de idade, matriculados nas escolas Oca e Oficina,
da capital do Paraná, encontravam-se sob a suspeita de estarem inocula-das com o vírus das ideologias exóticas transmitido através de método de educação adotado pelos professores do pré-primário e baseado nas teorias do notório Piaget.
"Nas decantadas provas coibidas pelos policiais entre os arquivos, encontrava-se, por exemplo, o relatório de um dos professores, com a seguinte observação. ‘Os bebes já estão compreendendo o significado do chamado para lavar as mãozinhas antes do lanche’. E as histórias lidas para as crianças de 4 a 6 anos, eventual instrumento para doutrinação, ostentavam títulos como ‘A Cabra Cabrez’ e o ‘0 Bicho da Folha Seca’... "
Os intelectuais e professores foram soltos dias depois e, mais tarde, o inquérito engavetado.
Afinal, nem o zeloso guardião da segurança nacional de Tubiacanga, o espaventoso Major Bentes, acreditaria ser possível ensinar marxismo a crianças de dois ou seis anos.
Adalberto S. Gomes, professor secundarista
Idéias exóticas
Adalberto S. Gomes
Materialismo dialético, revolução proletária, lutas de classes... Você acredita que temas e conceitos dessa natureza sejam facilmente ensináveis a uma criança normal de apenas dois anos de idade? Pois guarde o sorriso.
Houve um tempo, não tão distante assim, em que os chamados "órgãos de segurança" do país não só acreditavam num disparate desses, como, até, mandavam prender os "agentes responsáveis pela inoculação, nas inocentes criancinhas do terrível vírus das ideologias exóticas" (cruz credo).
Aconteceu aqui mesmo, em Curitiba, em março de 1978. Final do governo do General Ernesto Geisel, apelidado a boca pequena de "Alemão". O general-presidente acenava à nação com uma tal de "distensão lenta e gradual", espécie de travessia para substituição, em prazo indeterminado, do arbítrio pelas leis. Não era muito, mas para os setores mais à direita do próprio governo isso era até demais.
Daí a reação em áreas do próprio governo, com ações violentas patrocinadas por órgãos de repressão, velada ou abertamente.
Nesse clima, na noite de 18 de março, um sábado, agentes da Polícia Federal de Curitiba batem à porta de onze intelectuais e professores e os levam presos, incomunicáveis, sob a alegação de que desenvolviam "atividades contrárias à segurança nacional". Os intelectuais e professores eram todos ligados a dois pequenos jardins de infância, "Oca" e "Oficina", fundados com a preocupação de proporcionar um bom atendimento pré-escolar às crianças.
Mas, segundo a Superintendência da Polícia Federal no Paraná, em nota oficial distribuída no dia seguinte às prisões, nessas duas singelas escolas as crianças seriam "doutrinadas dentro de princípios marxistas, desenvolvendo-se-lhes uma visão materialista e dialética do mundo".
A revista Veja, na edição de 29 de março de 1978, registrou o caso em reportagem intitulada "As crianças e o vírus das idéias exóticas". Eis alguns trechos:
"Jean Piaget, o psicólogo suíço levemente progressista, que se consagrou no entre guerras como um mestre na pedagogia infantil, costumava ensinar que a natureza e o funcionamento da articulação mental no adulto estão intrinsicamente ligados à formação da criança.
Em Curitiba, neste final dos anos 70, isso tornou-se subversivo.
Tanto que, na semana passada, sessenta crianças entre 18 meses e 6 anos de idade, matriculados nas escolas Oca e Oficina,
da capital do Paraná, encontravam-se sob a suspeita de estarem inocula-das com o vírus das ideologias exóticas transmitido através de método de educação adotado pelos professores do pré-primário e baseado nas teorias do notório Piaget.
"Nas decantadas provas coibidas pelos policiais entre os arquivos, encontrava-se, por exemplo, o relatório de um dos professores, com a seguinte observação. ‘Os bebes já estão compreendendo o significado do chamado para lavar as mãozinhas antes do lanche’. E as histórias lidas para as crianças de 4 a 6 anos, eventual instrumento para doutrinação, ostentavam títulos como ‘A Cabra Cabrez’ e o ‘0 Bicho da Folha Seca’... "
Os intelectuais e professores foram soltos dias depois e, mais tarde, o inquérito engavetado.
Afinal, nem o zeloso guardião da segurança nacional de Tubiacanga, o espaventoso Major Bentes, acreditaria ser possível ensinar marxismo a crianças de dois ou seis anos.
Adalberto S. Gomes, professor secundarista
domingo, 14 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - Getúlio e a Capital Cívica
Histórias do Paraná - Getúlio e a Capital Cívica
Getúlio e a Capital Cívica
Guísela V. Frey Chamma
Em outubro de 1930 chegava em Ponta Grossa a composição ferroviária que trazia a comitiva de Getúlio Vargas, vinda do Rio Grande do Sul.
Aqui parou, pois não poderia passar para São Paulo, porque tropas do Exército, fiéis ao governo, haviam dinamitado a ponte sobre o rio Itararé, e estavam de prontidão para impedir quem ousasse passar pelo território paulista vindo do sul.
Tudo isso ocorria porque grande parte do país estava descontente com os acontecimentos políticos da época, em virtude das fraudes comprovadas nas eleições para presidente da República, nas quais o candidato paulista, Júlio Prestes, havia sido vitorioso.
Seu antagonista, Getúlio Vargas, e seus correligionários já haviam se conformado, quando o assassinato de João Pessoa, na Paraíba, reascendeu as paixões.
João Pessoa havia sido companheiro na chapa de Getúlio Vargas.
Seu enterro, no Rio de Janeiro, deu impulso no movimento revolucionário que estava latente em grande parte do Brasil.
Com todo o Rio Grande do Sul a favor de Getúlio Vargas, que teria sido o verdadeiro vencedor das eleições, e com o apoio do Exército do Sul, o candidato gaúcho chegava à Ponta Grossa, com grande número de companheiros.
Aqui permaneceram aguardando ordens para seguir viagem.
Em Ponta Grossa, o 13° Regimento de Infantaria já havia enviado alguns contingentes como apoio de outros da capital para a região da Ribeira, limite com São Paulo.
Outra parte do 13° R.I. foi para a fronteira com Itararé. O militar mais entusiasmado na ocasião, o Capitão Ayrton Playsant, enviava as mensagens para a comitiva estacionada em Ponta Grossa, aconselhando a espera os acontecimentos, para evitar um choque com as tropas do lado paulista.
Enquanto o impasse perdurava, Getúlio Vargas realizava encontros e reuniões políticas no Cine Renascença e no Clube Pontagrossense.
Ele não aceitou nenhum dos convites dos moradores mais importantes da cidade e preferiu continuar instalado no seu vagão dormitório, no pátio da estação ferroviária.
Durante o dia aceitava almoçar e jantar na casa de um e de outro.
Nestes dias de permanência em Ponta Grossa, Getúlio Vargas ficou impressionado com a vibração e entusiasmo do povo.
Foi numa das reuniões, no Cine Renascença, que a comitiva recebeu o telegrama vindo do Rio de Janeiro, que comunicava a renúncia de Washington Luís, e a posse de uma Junta Governativa composta pelos Generais Mena Barreto, Tas-so Fragoso e o Almirante Isaias de Noronha, que haviam decidido entregar o govemo a Getúlio Vargas, considerado desde já o novo Presidente do Brasil.
O regozijo foi enorme entre os presentes, Getúlio Vargas, aplaudido e cumprimentado, fez um emocionado discurso, e nessa ocasião referiu-se a Ponta Grossa, como "a Capital Cívica do Paraná". O título pegou.
Guísela V. Frey Chamma, historiadora e professora titular da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Getúlio e a Capital Cívica
Guísela V. Frey Chamma
Em outubro de 1930 chegava em Ponta Grossa a composição ferroviária que trazia a comitiva de Getúlio Vargas, vinda do Rio Grande do Sul.
Aqui parou, pois não poderia passar para São Paulo, porque tropas do Exército, fiéis ao governo, haviam dinamitado a ponte sobre o rio Itararé, e estavam de prontidão para impedir quem ousasse passar pelo território paulista vindo do sul.
Tudo isso ocorria porque grande parte do país estava descontente com os acontecimentos políticos da época, em virtude das fraudes comprovadas nas eleições para presidente da República, nas quais o candidato paulista, Júlio Prestes, havia sido vitorioso.
Seu antagonista, Getúlio Vargas, e seus correligionários já haviam se conformado, quando o assassinato de João Pessoa, na Paraíba, reascendeu as paixões.
João Pessoa havia sido companheiro na chapa de Getúlio Vargas.
Seu enterro, no Rio de Janeiro, deu impulso no movimento revolucionário que estava latente em grande parte do Brasil.
Com todo o Rio Grande do Sul a favor de Getúlio Vargas, que teria sido o verdadeiro vencedor das eleições, e com o apoio do Exército do Sul, o candidato gaúcho chegava à Ponta Grossa, com grande número de companheiros.
Aqui permaneceram aguardando ordens para seguir viagem.
Em Ponta Grossa, o 13° Regimento de Infantaria já havia enviado alguns contingentes como apoio de outros da capital para a região da Ribeira, limite com São Paulo.
Outra parte do 13° R.I. foi para a fronteira com Itararé. O militar mais entusiasmado na ocasião, o Capitão Ayrton Playsant, enviava as mensagens para a comitiva estacionada em Ponta Grossa, aconselhando a espera os acontecimentos, para evitar um choque com as tropas do lado paulista.
Enquanto o impasse perdurava, Getúlio Vargas realizava encontros e reuniões políticas no Cine Renascença e no Clube Pontagrossense.
Ele não aceitou nenhum dos convites dos moradores mais importantes da cidade e preferiu continuar instalado no seu vagão dormitório, no pátio da estação ferroviária.
Durante o dia aceitava almoçar e jantar na casa de um e de outro.
Nestes dias de permanência em Ponta Grossa, Getúlio Vargas ficou impressionado com a vibração e entusiasmo do povo.
Foi numa das reuniões, no Cine Renascença, que a comitiva recebeu o telegrama vindo do Rio de Janeiro, que comunicava a renúncia de Washington Luís, e a posse de uma Junta Governativa composta pelos Generais Mena Barreto, Tas-so Fragoso e o Almirante Isaias de Noronha, que haviam decidido entregar o govemo a Getúlio Vargas, considerado desde já o novo Presidente do Brasil.
O regozijo foi enorme entre os presentes, Getúlio Vargas, aplaudido e cumprimentado, fez um emocionado discurso, e nessa ocasião referiu-se a Ponta Grossa, como "a Capital Cívica do Paraná". O título pegou.
Guísela V. Frey Chamma, historiadora e professora titular da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
sábado, 13 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - Sociedade de São Cornélio
Histórias do Paraná - Sociedade de São Cornélio
Sociedade de São Cornélio
Túlio Vargas
Ninguém desconhece o papel desempenhado pelos estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo na propagação das correntes literárias, publicadas na "Imprensa Acadêmica" ou no "Radical Paulistano", onde pontificaram Fagundes Varela, José Bonifácio "O Moço", Álvaro de Azevedo, Castro Alves, para citar apenas alguns.
Ou ainda a "Escola do Recife", na qual Gonçalves Dias, Tobias Barreto, Castro Álves, outra vez, absorveram as idéias do intelectualismo de Renan, cuja primeira fase foi eminentemente poética na batalha do realismo contra o romantismo.
Esses estudantes se reuniam em "repúblicas" ou clubes acadêmicos para estudar leitura, compor versos, armar "trotes" e traduzir textos franceses.
Adoravam o ritual das sociedades secretas que adaptavam nas suas liturgias improvisadas.
Os acadêmicos de Curitiba não fugiram à regra.
Integrantes da turma de 1937 da Faculdade de Direito (Cordovan, Mário, Hermenegildo, Hugo, Edgard, José Elias, Murilo, Hélio, Levy, Brasilino, Kiyossi), a que se juntaram acadêmicos de outras turmas ou Faculdades (Dutra, Ruy, Aramis, César, Ayron), cansados, talvez, das "futri-cas" das políticas universitária e nacional, esta submetida à ditadura getuliana, e dos galanteios às meninas na saída das matinês de sábado do Cine Avenida e no "footing" dos domingos na Rua XV de Novembro, fundaram a "Sociedade de São Cornélio" (o nome do patrono disfarçava uma ironia). E, a exemplo das rodas boêmias dos cafés "literários" do Rio de Janeiro, onde, como narra Brito Broca, no fim do século 19 e início do atual, "nada se resolve sem versos ou pelo menos sem trocadilhos" que envolviam Olavo Bilac, Guimarães Rosa, Martins Fontes, Lima Barreto e muitos outros literatos, que reuniam-se no Café Belas Artes e, depois, no Café Brasil, sob a presidência de Cordovan Frederico de Mello, perfeito "gozador", extrovertido, brincalhão e em cujos olhos nunca reluziu a tristeza, para disputar o cafezinho nos "palitos" e fazer de versos a regra de linguagem e das brincadeiras que visavam elogiar, censurar ou ridicularizar comportamentos e em que o alvo predileto eram os próprios integrantes da turma, protagonistas de romances mal sucedidos...
A maioria versejava com domínio da técnica e da retórica, embora distante da perfeição, com que se expressariam os verdadeiros Poetas da turma de 1937: Heitor Stockler de França, Florentina Vitel de Macedo e Manoel Thomaz Pereira, destacando-se, inspirados nos Poetas maiores, particularmente da fase romântica em plena efervescência, Cordovan, José Elias Küster e Kiyossi, o chamado introdutor diplomático, autores de mais de uma centena de sonetos, alguns líricos e outros satíricos, ou de acrósticos sentimentais em voga na época, dedicados a Zilá, Flori, Neide, Sarita, Dulcinda, Circe, Maria, Felícia, Celeste, Rosette e outras "musas". Onde estarão elas?
Essa sociedade sobreviveu poucos anos após 1941, ano da colação de grau da Turma "Clóvis Beviláqua", havendo quem, às vésperas da formatura, confessasse: "Tornar-se bacharel era um anseio/ Incomparavelmente sedutor/ Dinheiro, posição, glória e amor/ Vinham do nome ao rápido meneio/ Hoje, porém, que tétrico receio/ Nos causa a hora de virar "doutor"/ falta o "smoking", a beca, o anel (que horror)/ Falta o sapato e a roupa de passeio..."
Alguns dos membros já partiram... Outros estão aí a curtir a nostalgia, recordando os versos dos bons tempos: "Por fora, a chuva na janela traça/ Filigranas exóticas, enquanto/ Ante meus olhos unidos de encanto/ A caravana da saudade passa...
Túlio Vargas, ex-deputado e titular da Academia Paranaense de Letras
Sociedade de São Cornélio
Túlio Vargas
Ninguém desconhece o papel desempenhado pelos estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo na propagação das correntes literárias, publicadas na "Imprensa Acadêmica" ou no "Radical Paulistano", onde pontificaram Fagundes Varela, José Bonifácio "O Moço", Álvaro de Azevedo, Castro Alves, para citar apenas alguns.
Ou ainda a "Escola do Recife", na qual Gonçalves Dias, Tobias Barreto, Castro Álves, outra vez, absorveram as idéias do intelectualismo de Renan, cuja primeira fase foi eminentemente poética na batalha do realismo contra o romantismo.
Esses estudantes se reuniam em "repúblicas" ou clubes acadêmicos para estudar leitura, compor versos, armar "trotes" e traduzir textos franceses.
Adoravam o ritual das sociedades secretas que adaptavam nas suas liturgias improvisadas.
Os acadêmicos de Curitiba não fugiram à regra.
Integrantes da turma de 1937 da Faculdade de Direito (Cordovan, Mário, Hermenegildo, Hugo, Edgard, José Elias, Murilo, Hélio, Levy, Brasilino, Kiyossi), a que se juntaram acadêmicos de outras turmas ou Faculdades (Dutra, Ruy, Aramis, César, Ayron), cansados, talvez, das "futri-cas" das políticas universitária e nacional, esta submetida à ditadura getuliana, e dos galanteios às meninas na saída das matinês de sábado do Cine Avenida e no "footing" dos domingos na Rua XV de Novembro, fundaram a "Sociedade de São Cornélio" (o nome do patrono disfarçava uma ironia). E, a exemplo das rodas boêmias dos cafés "literários" do Rio de Janeiro, onde, como narra Brito Broca, no fim do século 19 e início do atual, "nada se resolve sem versos ou pelo menos sem trocadilhos" que envolviam Olavo Bilac, Guimarães Rosa, Martins Fontes, Lima Barreto e muitos outros literatos, que reuniam-se no Café Belas Artes e, depois, no Café Brasil, sob a presidência de Cordovan Frederico de Mello, perfeito "gozador", extrovertido, brincalhão e em cujos olhos nunca reluziu a tristeza, para disputar o cafezinho nos "palitos" e fazer de versos a regra de linguagem e das brincadeiras que visavam elogiar, censurar ou ridicularizar comportamentos e em que o alvo predileto eram os próprios integrantes da turma, protagonistas de romances mal sucedidos...
A maioria versejava com domínio da técnica e da retórica, embora distante da perfeição, com que se expressariam os verdadeiros Poetas da turma de 1937: Heitor Stockler de França, Florentina Vitel de Macedo e Manoel Thomaz Pereira, destacando-se, inspirados nos Poetas maiores, particularmente da fase romântica em plena efervescência, Cordovan, José Elias Küster e Kiyossi, o chamado introdutor diplomático, autores de mais de uma centena de sonetos, alguns líricos e outros satíricos, ou de acrósticos sentimentais em voga na época, dedicados a Zilá, Flori, Neide, Sarita, Dulcinda, Circe, Maria, Felícia, Celeste, Rosette e outras "musas". Onde estarão elas?
Essa sociedade sobreviveu poucos anos após 1941, ano da colação de grau da Turma "Clóvis Beviláqua", havendo quem, às vésperas da formatura, confessasse: "Tornar-se bacharel era um anseio/ Incomparavelmente sedutor/ Dinheiro, posição, glória e amor/ Vinham do nome ao rápido meneio/ Hoje, porém, que tétrico receio/ Nos causa a hora de virar "doutor"/ falta o "smoking", a beca, o anel (que horror)/ Falta o sapato e a roupa de passeio..."
Alguns dos membros já partiram... Outros estão aí a curtir a nostalgia, recordando os versos dos bons tempos: "Por fora, a chuva na janela traça/ Filigranas exóticas, enquanto/ Ante meus olhos unidos de encanto/ A caravana da saudade passa...
Túlio Vargas, ex-deputado e titular da Academia Paranaense de Letras
sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - Aposta perdida
Histórias do Paraná - Aposta perdida
Aposta perdida
José Cadilhe de Oliveira
Paranaguá, como toda cidade litorânea, tem seus hábitos que só acontecem à beira-mar onde, tudo indica,
seus moradores, dotados de verve acurada e simpática, traduzem, no cotidiano, alegria contagiante que faz de cada habitante um privilegiado fácil de ser admirado. Não há, em terras parnanguaras, quem não seja alcunhado e, via de regra, de modo jocoso.
Apelido lá pega para valer.
Famosas as alcunhas: "Caroço de Manga", "Esmaga Saco" "IPTU de Casinha de Cachorro", "Deixa que Eu Chuto",
"Pinto de Rodapé", "Cara Mijada" e tantas outras que alinhavam e retratam os motejados da terra banhada pelo Itiberê.
O mesmo acontece com qualquer histórieta contada ou vivida por esses moradores ou simples visitantes.
É um dos lados jocosos e pitorescos da cidade.
Tentarei, de modo resumido, narrar dois fatos pitorescos lá passados e que demonstram o feito desse festejado povo.
Simples fato, mas verdadeiros, garantem os de lá.
O primeiro deles conto em forma de diálogo.
Um estranho, chegando à cidade, logo que desceu do trem, ainda na gare ferroviária, deparou com um cidadão postado na plataforma e lhe perguntou:
- O senhor conhece o Doutor Jorge Curi?
- Não. Só uma das irmãs dele.
- Qual?
- A "manicuri"...
Outros, que teve como palco conhecido hotel situado à Praça Fernando Amaro, alinhou um visitante que havia, com amigos de Curitiba, feito um desafio, afirmado que ficaria em Paranaguá por três dias das seguidos e não receberia qualquer apelido.
Para conquistar a aposta casada, seguiu viagem e lá se hospedou no estabelecimento hoteleiro antes referido, que tem janelas voltadas para a praça fronteiriça.
Do departamento não arredou pé durante os dias lá permanecidos.
Por telefonemas internos, solicitava suas refeições que fazia no aconchego do seu aposento.
Salvo pedidos à Portaria, não falou com viva alma que fosse.
Invariavelmente, para passar o tempo, se postava à janela e dela saia inúmeras vezes, tanto durante o dia como no período noturno.
Assim, outra coisa não fez no espaço de tempo lá permanecido. A janela foi sua única companheira.
Findo o prazo estabelecido no ajuste, nosso homem, certo de que havia ganho a aposta, resolveu retornar a Curitiba.
Pelo telefone, como sempre, pediu sua conta.
Logo desceu para resgatá-la e empreender viagem de retorno.
Na portaria, após o pagamento, solicitou à gerência que mandasse apanhar suas malas no apartamento. Aí, deu-se a "melodia", e seu desafio foi por água abaixo...
O gerente, ordenando, disse ao "boy": "Tonico, vá buscar as malas do Cuco no 202". Ante o fato de apresentar-se, sistematicamente, à janela durante sua estada no hotel, o pessoal parnanguara, que bem notava esse estranho habito do inusitado hóspede, sapecou-lhe, com muita propriedade, a alcunha de Cuco, que outra coisa não faz na vida do que aparecer e desaparecer da janelinha de sua morada...
Aposta perdida.
Paranaguá, esse encanto de cidade, é, definitivamente, um recanto feliz para alegria de sua boa e simpática gente e do visitante, este que não tem como esquecê-la jamais.
José Cadilhe de Oliveira, advogado
Aposta perdida
José Cadilhe de Oliveira
Paranaguá, como toda cidade litorânea, tem seus hábitos que só acontecem à beira-mar onde, tudo indica,
seus moradores, dotados de verve acurada e simpática, traduzem, no cotidiano, alegria contagiante que faz de cada habitante um privilegiado fácil de ser admirado. Não há, em terras parnanguaras, quem não seja alcunhado e, via de regra, de modo jocoso.
Apelido lá pega para valer.
Famosas as alcunhas: "Caroço de Manga", "Esmaga Saco" "IPTU de Casinha de Cachorro", "Deixa que Eu Chuto",
"Pinto de Rodapé", "Cara Mijada" e tantas outras que alinhavam e retratam os motejados da terra banhada pelo Itiberê.
O mesmo acontece com qualquer histórieta contada ou vivida por esses moradores ou simples visitantes.
É um dos lados jocosos e pitorescos da cidade.
Tentarei, de modo resumido, narrar dois fatos pitorescos lá passados e que demonstram o feito desse festejado povo.
Simples fato, mas verdadeiros, garantem os de lá.
O primeiro deles conto em forma de diálogo.
Um estranho, chegando à cidade, logo que desceu do trem, ainda na gare ferroviária, deparou com um cidadão postado na plataforma e lhe perguntou:
- O senhor conhece o Doutor Jorge Curi?
- Não. Só uma das irmãs dele.
- Qual?
- A "manicuri"...
Outros, que teve como palco conhecido hotel situado à Praça Fernando Amaro, alinhou um visitante que havia, com amigos de Curitiba, feito um desafio, afirmado que ficaria em Paranaguá por três dias das seguidos e não receberia qualquer apelido.
Para conquistar a aposta casada, seguiu viagem e lá se hospedou no estabelecimento hoteleiro antes referido, que tem janelas voltadas para a praça fronteiriça.
Do departamento não arredou pé durante os dias lá permanecidos.
Por telefonemas internos, solicitava suas refeições que fazia no aconchego do seu aposento.
Salvo pedidos à Portaria, não falou com viva alma que fosse.
Invariavelmente, para passar o tempo, se postava à janela e dela saia inúmeras vezes, tanto durante o dia como no período noturno.
Assim, outra coisa não fez no espaço de tempo lá permanecido. A janela foi sua única companheira.
Findo o prazo estabelecido no ajuste, nosso homem, certo de que havia ganho a aposta, resolveu retornar a Curitiba.
Pelo telefone, como sempre, pediu sua conta.
Logo desceu para resgatá-la e empreender viagem de retorno.
Na portaria, após o pagamento, solicitou à gerência que mandasse apanhar suas malas no apartamento. Aí, deu-se a "melodia", e seu desafio foi por água abaixo...
O gerente, ordenando, disse ao "boy": "Tonico, vá buscar as malas do Cuco no 202". Ante o fato de apresentar-se, sistematicamente, à janela durante sua estada no hotel, o pessoal parnanguara, que bem notava esse estranho habito do inusitado hóspede, sapecou-lhe, com muita propriedade, a alcunha de Cuco, que outra coisa não faz na vida do que aparecer e desaparecer da janelinha de sua morada...
Aposta perdida.
Paranaguá, esse encanto de cidade, é, definitivamente, um recanto feliz para alegria de sua boa e simpática gente e do visitante, este que não tem como esquecê-la jamais.
José Cadilhe de Oliveira, advogado
quinta-feira, 11 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - O milagre
Histórias do Paraná - O milagre
O milagre
Luiz Cláudio Mehl
Todos lamentamos o estado da saúde pública no Brasil. Há quem diga que os recursos são mal distribuídos, desviados para outras atividades ou que simplesmente não existem.
Falta de vontade política, recessão econômica, incompetência gerencial e corrupção são outras razões apontadas.
Enquanto isso, o descrédito se multiplica nas filas dos hospitais, e a saúde privada é privilégio de poucos que podem suportar os altos custos. E também verdade que este descrédito já foi maior.
Menos pela deficiência dos serviços do que pela sua absoluta inexistência.
Os médicos daqueles tempos eram tratados com desconfiança, não pelas consultas que não conseguiam cobrar, mas pela concorrência dos curandeiros e da medicina caseira.
Estes tempos foram vividos pelo "seu" Eduardo Sponholz, que já passeou por estas linhas.
Morador da então pequena vila de Imbituva nos anos cinqüenta, chefe político do velho PSD, foi advertido por diversas vezes pelo médico e prefeito local, o Dr. Nuna, sobre a necessidade de repetir um exame para avaliar a extensão de uma infecção urinária.
Homem cioso da sua masculinidade, "seu" Eduardo temia por um provável exame da próstata, que agradava a muito poucos homens, mas o médico continuava insistindo.
Cansado das suas próprias negativas, "seu" Eduardo chamou o neto de 11 anos de idade para seu quarto.
Prudentemente trancou a porta e ordenou ao menino:
- Faça xixi nesta garrafinha!
No primeiro ônibus a
garrafinha seguiu viagem para os exames em Ponta Grossa.
No dia seguinte, o laboratorista irrompeu na sala dos médicos.
- "Milagre!" — exclamou.
- "Um milagre!" — repetiu.
- "A urina do paciente parece a de um menino!"
Luiz Cláudio Mehl, engenheiro civil
O milagre
Luiz Cláudio Mehl
Todos lamentamos o estado da saúde pública no Brasil. Há quem diga que os recursos são mal distribuídos, desviados para outras atividades ou que simplesmente não existem.
Falta de vontade política, recessão econômica, incompetência gerencial e corrupção são outras razões apontadas.
Enquanto isso, o descrédito se multiplica nas filas dos hospitais, e a saúde privada é privilégio de poucos que podem suportar os altos custos. E também verdade que este descrédito já foi maior.
Menos pela deficiência dos serviços do que pela sua absoluta inexistência.
Os médicos daqueles tempos eram tratados com desconfiança, não pelas consultas que não conseguiam cobrar, mas pela concorrência dos curandeiros e da medicina caseira.
Estes tempos foram vividos pelo "seu" Eduardo Sponholz, que já passeou por estas linhas.
Morador da então pequena vila de Imbituva nos anos cinqüenta, chefe político do velho PSD, foi advertido por diversas vezes pelo médico e prefeito local, o Dr. Nuna, sobre a necessidade de repetir um exame para avaliar a extensão de uma infecção urinária.
Homem cioso da sua masculinidade, "seu" Eduardo temia por um provável exame da próstata, que agradava a muito poucos homens, mas o médico continuava insistindo.
Cansado das suas próprias negativas, "seu" Eduardo chamou o neto de 11 anos de idade para seu quarto.
Prudentemente trancou a porta e ordenou ao menino:
- Faça xixi nesta garrafinha!
No primeiro ônibus a
garrafinha seguiu viagem para os exames em Ponta Grossa.
No dia seguinte, o laboratorista irrompeu na sala dos médicos.
- "Milagre!" — exclamou.
- "Um milagre!" — repetiu.
- "A urina do paciente parece a de um menino!"
Luiz Cláudio Mehl, engenheiro civil
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - 1964 e depois
Histórias do Paraná - 1964 e depois
1964 e depois
Valencio Xavier
Luís Carlos Prestes esteve no Paraná uns dez dias antes do golpe militar de 1964 - o golpe começou no dia 31 de março e deu certo no dia Io de abril.
Como 1o de abril é dia da mentira, depois de algum tempo da Ditadura Militar, o povo brasileiro, que não é bobo nem nada, já tinha percebido que fora obrigado a engolir uma sinistra mentira e aproveitava o dia do aniversário para gozar a "reboldoza", era a única coisa contra que dava para fazer naqueles tempos de censura, tortura e morte. E como coisa que milico golpista não tem é humor, trataram de antecipar as comemorações da sua "revolução" para 31 de março.
Coisas da ordem do dia até hoje.
Antes de falar da vinda de Prestes é bom dizer um pouco do clima daqueles tempos: naquele 64 as coisas se atropelavam.
Jango no governo, a direita com medo de um golpe de esquerda - ali ainda havia direita e esquerda - que tinha medo do golpe da direita. A direita jogava com todas as cartas: embaixada americana, USIS, CIA, dólar rolando, viagens pagas aos EUA, a ameaça do inferno, Padre Peyton que a pretexto de organizar a Marcha da Família mandava os fiéis de Curitiba espionarem os moradores do seu quarteirão marcando quem era de direita e
quem era de esquerda.
A esquerda dividida como sempre: os comunistas divididos entre o PCB de Prestes, o PC do B do Mão-Tse-Tung e os que pregavam a revolução sem se entenderem na Boca Maldita.
Todos meio contra Jango. Já Cuba nem se parecia com nenhuma dessas esquerdas, parecia coisa melhor.
O govemo do Estado enganava em cima do muro.
E ainda havia os que sonhavam Pão Paz e Prosperidade.
E nesse clima que Prestes, chefe do PCB, vêm à Curitiba para falar às esquerdas na sede do partido, um salão que por economia era também a redação do semanário vermelho A Tribuna do Povo.
Como na câmara dos deputados hoje, não havia quorum.
Quando muito umas vinte pessoas ardidamente esquerdistas.
Entre elas o secretário geral do PCB do Paraná, Agliberto Azevedo, revolucionário de 35, único líder sindical, alguns intelectuais de carteirinha, alguns comunistas históricos e outros nem tanto.
Havia até um maoísta, eu, peruano.
Todos sentadinhos em compungido silêncio escutando o grande revolucionário analisar o que estava acontecendo. O sensitivo Prestes, com sua candura, dizia coisas para ele certas, que queria certas para nós também. O único de pé, Agliberto, nos olhava do alto de sua sabedoria.
Lá pelas tantas, Prestes profetiza: 0 Jango está dono da situação, e nós com ele.
Ele conta com apoio militar e vai dar o golpe. Aí, nós comunistas tomamos o poder sem ter de disparar um só tiro.
Não sei se naquele momento aquela dúzia de gatos pingados, comunistas do Paraná, bateram palmas. Só me lembro da cara do Agliberto sorrindo com superioridade para nós como quem diz: <cViram?! Nós já somos o poder!"
Não sei, a única coisa que sei é que dez dias depois todos daquela sala e milhares de brasileiros, homens, mulheres, crianças, jovens, adultos e velhos estavam fugidos, escondidos, exilados, presos, torturados, mortos, humilhados e ofendidos pelos mais sangrento regime que este país jamais conheceu.
As vezes, lembro Prestes naquele dia e penso se ele acreditava mesmo naquilo que dizia ou... sei lá... cada um pense o que quiser.
Valendo Xavier, escritor, historiador e diretor de TV
1964 e depois
Valencio Xavier
Luís Carlos Prestes esteve no Paraná uns dez dias antes do golpe militar de 1964 - o golpe começou no dia 31 de março e deu certo no dia Io de abril.
Como 1o de abril é dia da mentira, depois de algum tempo da Ditadura Militar, o povo brasileiro, que não é bobo nem nada, já tinha percebido que fora obrigado a engolir uma sinistra mentira e aproveitava o dia do aniversário para gozar a "reboldoza", era a única coisa contra que dava para fazer naqueles tempos de censura, tortura e morte. E como coisa que milico golpista não tem é humor, trataram de antecipar as comemorações da sua "revolução" para 31 de março.
Coisas da ordem do dia até hoje.
Antes de falar da vinda de Prestes é bom dizer um pouco do clima daqueles tempos: naquele 64 as coisas se atropelavam.
Jango no governo, a direita com medo de um golpe de esquerda - ali ainda havia direita e esquerda - que tinha medo do golpe da direita. A direita jogava com todas as cartas: embaixada americana, USIS, CIA, dólar rolando, viagens pagas aos EUA, a ameaça do inferno, Padre Peyton que a pretexto de organizar a Marcha da Família mandava os fiéis de Curitiba espionarem os moradores do seu quarteirão marcando quem era de direita e
quem era de esquerda.
A esquerda dividida como sempre: os comunistas divididos entre o PCB de Prestes, o PC do B do Mão-Tse-Tung e os que pregavam a revolução sem se entenderem na Boca Maldita.
Todos meio contra Jango. Já Cuba nem se parecia com nenhuma dessas esquerdas, parecia coisa melhor.
O govemo do Estado enganava em cima do muro.
E ainda havia os que sonhavam Pão Paz e Prosperidade.
E nesse clima que Prestes, chefe do PCB, vêm à Curitiba para falar às esquerdas na sede do partido, um salão que por economia era também a redação do semanário vermelho A Tribuna do Povo.
Como na câmara dos deputados hoje, não havia quorum.
Quando muito umas vinte pessoas ardidamente esquerdistas.
Entre elas o secretário geral do PCB do Paraná, Agliberto Azevedo, revolucionário de 35, único líder sindical, alguns intelectuais de carteirinha, alguns comunistas históricos e outros nem tanto.
Havia até um maoísta, eu, peruano.
Todos sentadinhos em compungido silêncio escutando o grande revolucionário analisar o que estava acontecendo. O sensitivo Prestes, com sua candura, dizia coisas para ele certas, que queria certas para nós também. O único de pé, Agliberto, nos olhava do alto de sua sabedoria.
Lá pelas tantas, Prestes profetiza: 0 Jango está dono da situação, e nós com ele.
Ele conta com apoio militar e vai dar o golpe. Aí, nós comunistas tomamos o poder sem ter de disparar um só tiro.
Não sei se naquele momento aquela dúzia de gatos pingados, comunistas do Paraná, bateram palmas. Só me lembro da cara do Agliberto sorrindo com superioridade para nós como quem diz: <cViram?! Nós já somos o poder!"
Não sei, a única coisa que sei é que dez dias depois todos daquela sala e milhares de brasileiros, homens, mulheres, crianças, jovens, adultos e velhos estavam fugidos, escondidos, exilados, presos, torturados, mortos, humilhados e ofendidos pelos mais sangrento regime que este país jamais conheceu.
As vezes, lembro Prestes naquele dia e penso se ele acreditava mesmo naquilo que dizia ou... sei lá... cada um pense o que quiser.
Valendo Xavier, escritor, historiador e diretor de TV
terça-feira, 9 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - A capelinha do Bom Jesus
Histórias do Paraná - A capelinha do Bom Jesus
A capelinha do Bom Jesus
Astrogildo de Freitas
A cidade de Palmeira, neste Estado, cujo início de povoação data da segunda década do século dezenove, estava naquela época inteiramente envolvida na construção da sua igreja matriz, a fim de efetivar e completar a transferência, para a nova sede, da paróquia da Freguesia de Tamanduá, já em plena decadência, em face da entrega daquela capela para a congregação de frades carmelitas, que pleitearam e obtiveram a sua posse.
Em virtude da extensão da nave do templo majestoso que se construía, abranger boa parte da praça, alcançando até o cemitério ali existente, criou-se a necessidade da sua mudança para outro local.
Como é óbvio, essa necrópo-le ficou longe da igreja em "fabricação", termo usado para designar uma construção de maiores proporções, surgindo daí a necessidade de uma capela para serem oficiados os atos fúnebres impostos pelas tradições, usanças e ritos católicos. A capela do Senhor Bom Jesus, cujo termo de edificação está datado de 2 de dezembro de 1836, foi construída às expensas de quatro ou cinco moradores desejosos de terem os seus corpos sepultados em um templo católico conforme tradição secular.
O santuário situado na praça
Getúlio Vargas, mas com a frente voltada para a rua Jesuíno Marcondes, fez parte de um trio de capelas então existente na localidade.
As duas outras componentes eram a do Divino Espírito Santo, na quadra compreendida pelas ruas Pedro Ferreira e Padre Camargo, em estrutura de madeira de pinho e já desativada desde muito tempo. A outra, a de São Benedito, fechava lá no alto a dita ruajesuíno Marcondes.
Essa orada, construída de tijolos sem reboco, não resistiu as intempéries e foi destruída por uma tempestade, com forte e violento vendaval, restando em pé apenas parte da parede dos fundos onde se encontra o santo votivo. Não havendo condições pecuniárias para a irmandade, já bastante reduzida, para reconstruí-la, a opção adotada foi levar a efeito o prosseguimento da rua, hoje uma das mais importantes da urbe.
Voltando à capelinha do Bom Jesus, podemos dizer que a mesma foi construída não só para exéquias e enterramentos futuros, mas também e principalmente para abrigar o túmulo do tenente Manoel José de Araújo, fundador da povoação e sepultado em 1825. A construção do assoalho feita um pouco acima da lápide do jazigo, permitiu a sua acomodação no interior da capela.
Lateral ao muro dessa ermida, do lado de fora, encontrava-se a sepultura de José de Paula e Silva, filho do Barão de Ibicuí, que sendo suicida não teve permissão para o seu enterramento em cemitério secular.
Tempos depois, com a mudança do cemitério secular para a rua da Conceição, já na estrada que demandava o sul do estado,
desativou-se o da capelinha, sendo levado para o novo local o que ali restava de tradições e afetuosidade.
Astrogildo de Freitas, membro do Centro de Letras do Paraná
A capelinha do Bom Jesus
Astrogildo de Freitas
A cidade de Palmeira, neste Estado, cujo início de povoação data da segunda década do século dezenove, estava naquela época inteiramente envolvida na construção da sua igreja matriz, a fim de efetivar e completar a transferência, para a nova sede, da paróquia da Freguesia de Tamanduá, já em plena decadência, em face da entrega daquela capela para a congregação de frades carmelitas, que pleitearam e obtiveram a sua posse.
Em virtude da extensão da nave do templo majestoso que se construía, abranger boa parte da praça, alcançando até o cemitério ali existente, criou-se a necessidade da sua mudança para outro local.
Como é óbvio, essa necrópo-le ficou longe da igreja em "fabricação", termo usado para designar uma construção de maiores proporções, surgindo daí a necessidade de uma capela para serem oficiados os atos fúnebres impostos pelas tradições, usanças e ritos católicos. A capela do Senhor Bom Jesus, cujo termo de edificação está datado de 2 de dezembro de 1836, foi construída às expensas de quatro ou cinco moradores desejosos de terem os seus corpos sepultados em um templo católico conforme tradição secular.
O santuário situado na praça
Getúlio Vargas, mas com a frente voltada para a rua Jesuíno Marcondes, fez parte de um trio de capelas então existente na localidade.
As duas outras componentes eram a do Divino Espírito Santo, na quadra compreendida pelas ruas Pedro Ferreira e Padre Camargo, em estrutura de madeira de pinho e já desativada desde muito tempo. A outra, a de São Benedito, fechava lá no alto a dita ruajesuíno Marcondes.
Essa orada, construída de tijolos sem reboco, não resistiu as intempéries e foi destruída por uma tempestade, com forte e violento vendaval, restando em pé apenas parte da parede dos fundos onde se encontra o santo votivo. Não havendo condições pecuniárias para a irmandade, já bastante reduzida, para reconstruí-la, a opção adotada foi levar a efeito o prosseguimento da rua, hoje uma das mais importantes da urbe.
Voltando à capelinha do Bom Jesus, podemos dizer que a mesma foi construída não só para exéquias e enterramentos futuros, mas também e principalmente para abrigar o túmulo do tenente Manoel José de Araújo, fundador da povoação e sepultado em 1825. A construção do assoalho feita um pouco acima da lápide do jazigo, permitiu a sua acomodação no interior da capela.
Lateral ao muro dessa ermida, do lado de fora, encontrava-se a sepultura de José de Paula e Silva, filho do Barão de Ibicuí, que sendo suicida não teve permissão para o seu enterramento em cemitério secular.
Tempos depois, com a mudança do cemitério secular para a rua da Conceição, já na estrada que demandava o sul do estado,
desativou-se o da capelinha, sendo levado para o novo local o que ali restava de tradições e afetuosidade.
Astrogildo de Freitas, membro do Centro de Letras do Paraná
segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - Prestes em Renascença (II)
Histórias do Paraná - Prestes em Renascença (II)
Prestes em Renascença (II)
Darcy Antônio Pacce
Em sua passagem pelo Sudoeste e Oeste do Paraná, em 1924, a Coluna Prestes teve vários confrontos com tropas do governo, desde pequenos entreveros, escaramuças, até verdadeiras batalhas campais.
Na região de Renascença, o maior combate se deu junto ao rio São Francisco, perto de uma cachoeira.
Foi violento. Não existem relatos de quantos exatamente morreram ou ficaram feridos, mas alguns depoimentos orais de pessoas que residiam na região, nos dão idéia de como foi o tiroteio.
O grosso das tropas de Luís Carlos Prestes preparava-se para atacar Clevelândia.
No caminho, ia pondo para correr, com facilidade, grupos da Guarda Nacional, precariamente compostos por civis da própria região.
Na fuga, deixavam para os revoltosos os carregamentos de víveres e animais. O avanço fácil dos revoltosos acabou sendo detido, pouco antes do ataque à Clevelândia, pelas tropas federais comandadas pelo Coronel Paim.
Uma patrulha avançada do Coronel Paim, surpreendida por outra patrulha de Prestes ao atravessar a ponte do Rio São Francisco, um pouco acima da cachoeira ali existente, foi alvejada e obrigada a recuar. O grosso das tropas legalistas estendeu então uma linha de campo, entre as palmeiras e os buritis, e abriu fogo com metralhadoras pesadas.
Entrevistei Horácio Mariano da Silva, que estava entre os revoltosos.
Ele contou que a distância, no início do tiroteio era de aproximadamente 800 metros.
Logo começou a cair gente ao seu lado.
Os revolucionários, contava Horácio, tinham alguns veteranos que recolhiam os mortos e os jogavam na cachoeira, para não assustar os combatentes menos experientes com o grande número de baixas. E cada vez mais perto dava para ouvir, do lado das forças do governo, os gritos dos oficiais: "Dá-lhe negrada, não afrouxem, não afrouxem!"
Do São Francisco, os rebeldes foram recuando para Campo Erê, sempre combatendo, armando emboscadas às forças do Coronel Paim, para dar tempo do grosso das tropas rebeldes fugir, rumo a Foz do Iguaçu.
Uma dessas escaramuças foi travada na Fazenda Velha, também em Renascença, onde ainda hoje se encontram as sepulturas do Major Monteiro e de um revoltoso.
Quantos morreram nesse tiroteio? Ninguém sabe ao certo. Júlio Mariano, então garoto e morando na Fazenda Velha, garante que foram muitos.
Alguns dias depois do tiroteio, conta ele, era comum encontrar porcos arrastando pedaços de pessoas. O mau cheiro que vinha das beiradas das picadas era tão grande, lembra Mariano, que para ir à roça seu pai molhava um lenço com creolina e o levava ao nariz.
Com Luís Carlos Prestes expulso da região, o Coronel Paim convocou todos os que o tivessem auxiliado a se apresentar e devolver armas e munições.
Prometeu que nada de mal faria. O medo de represálias, porém, fez muita gente fugir para a Argentina.
Alguns voltaram logo, outros ficaram por um bom tempo, como o Horácio Mariano da Silva, que morou por lá dez anos.
Muitos ficaram para sempre.
Darcy Antonio Passos, professor de história em Renascença.
Prestes em Renascença (II)
Darcy Antônio Pacce
Em sua passagem pelo Sudoeste e Oeste do Paraná, em 1924, a Coluna Prestes teve vários confrontos com tropas do governo, desde pequenos entreveros, escaramuças, até verdadeiras batalhas campais.
Na região de Renascença, o maior combate se deu junto ao rio São Francisco, perto de uma cachoeira.
Foi violento. Não existem relatos de quantos exatamente morreram ou ficaram feridos, mas alguns depoimentos orais de pessoas que residiam na região, nos dão idéia de como foi o tiroteio.
O grosso das tropas de Luís Carlos Prestes preparava-se para atacar Clevelândia.
No caminho, ia pondo para correr, com facilidade, grupos da Guarda Nacional, precariamente compostos por civis da própria região.
Na fuga, deixavam para os revoltosos os carregamentos de víveres e animais. O avanço fácil dos revoltosos acabou sendo detido, pouco antes do ataque à Clevelândia, pelas tropas federais comandadas pelo Coronel Paim.
Uma patrulha avançada do Coronel Paim, surpreendida por outra patrulha de Prestes ao atravessar a ponte do Rio São Francisco, um pouco acima da cachoeira ali existente, foi alvejada e obrigada a recuar. O grosso das tropas legalistas estendeu então uma linha de campo, entre as palmeiras e os buritis, e abriu fogo com metralhadoras pesadas.
Entrevistei Horácio Mariano da Silva, que estava entre os revoltosos.
Ele contou que a distância, no início do tiroteio era de aproximadamente 800 metros.
Logo começou a cair gente ao seu lado.
Os revolucionários, contava Horácio, tinham alguns veteranos que recolhiam os mortos e os jogavam na cachoeira, para não assustar os combatentes menos experientes com o grande número de baixas. E cada vez mais perto dava para ouvir, do lado das forças do governo, os gritos dos oficiais: "Dá-lhe negrada, não afrouxem, não afrouxem!"
Do São Francisco, os rebeldes foram recuando para Campo Erê, sempre combatendo, armando emboscadas às forças do Coronel Paim, para dar tempo do grosso das tropas rebeldes fugir, rumo a Foz do Iguaçu.
Uma dessas escaramuças foi travada na Fazenda Velha, também em Renascença, onde ainda hoje se encontram as sepulturas do Major Monteiro e de um revoltoso.
Quantos morreram nesse tiroteio? Ninguém sabe ao certo. Júlio Mariano, então garoto e morando na Fazenda Velha, garante que foram muitos.
Alguns dias depois do tiroteio, conta ele, era comum encontrar porcos arrastando pedaços de pessoas. O mau cheiro que vinha das beiradas das picadas era tão grande, lembra Mariano, que para ir à roça seu pai molhava um lenço com creolina e o levava ao nariz.
Com Luís Carlos Prestes expulso da região, o Coronel Paim convocou todos os que o tivessem auxiliado a se apresentar e devolver armas e munições.
Prometeu que nada de mal faria. O medo de represálias, porém, fez muita gente fugir para a Argentina.
Alguns voltaram logo, outros ficaram por um bom tempo, como o Horácio Mariano da Silva, que morou por lá dez anos.
Muitos ficaram para sempre.
Darcy Antonio Passos, professor de história em Renascença.
domingo, 7 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - Prestes em Renascença (I)
Histórias do Paraná - Prestes em Renascença (I)
Prestes em Renascença (I)
Darcy Antônio Pacce
Com o movimento tenentista, a jovem oficialidade brasileira desejava mudanças políticas e colocar fim aos desmandos das oligarquias.
Ela culminou com a chamada "Coluna Prestes", uma tropa com até 1.600 homens que, sob comando do legendário Luís Carlos Prestes e de jovens oficiais, durante três anos percorreu dezenas de milhares de quilômetros do território nacional numa espécie de Grande Marcha, até se exilar na Bolívia, em 1927.
Em sua passagem pelo Sudoeste do Paraná, vinda do sul, em 1924, a Coluna Prestes esteve em nosso município, Renascença.
Pre-parava-se, então, para atacar Clevelândia, o que foi feito sob o comando de João Alberto e do coronel Fidêncio.
Eles contavam com 250 homens.
Prestes aguardava o resultado dessa ação para atacar Laranjeiras do Sul com outros 200 homens.
Em Clevelândia, esperavam os revoltosos capturar armas, munições e sobretudo mais adesões de voluntários.
Para conter o avanço da coluna foi mobilizada a Guarda Nacional, composta por pessoas da própria região, quase todos pequenos agricultores, nenhum soldado profissional. A coluna, por sua vez, também se abasteceu na região de "voluntários", muitos na marra.
Na localidade de Santana foi formado um corpo da Guarda sob comando do capitão comissionado José Carlos de Oliveira, de profissão cartorário.
Os recrutas vinham com seus cavalos.
Do governo recebiam o armamento, a munição (contada e vigiada), farda, botina, polaina, etc.
Uma madrugada, Prestes atacou de surpresa um grupo de trinta homens da Guarda que, despreocupados, festavam, tocando gaita e violão. O saldo foi um sargento, um cabo e quatro soldados mortos.
Foi então convocada a companhia do Santana, com 120 homens, acampada na localidade de Campo da Vargem.
O problema é que ninguém queria ir à luta, segundo o depoimento oral de um dos engajados, Antônio Nunes de Freitas. O "capitão" José Carlos de Oliveira mandou a tropa perfilar, fez um tocante discurso e convocou os voluntários a dar um passo à frente. Só dois o fizeram.
Acontece que, nas instruções, eles não haviam disparado um único tiro. "A quem faltasse uma bala no cinturão eram cobrados 1.500 réis", conta Antônio Nunes de Freitas.
Ele chegou a sugerir ao "capitão" que melhor seria atacar os revoltosos a coronhadas, já que ninguém havia disparado uma única vez os mosquetões, nem sabiam se os mesmos pegavam fogo. O "capitão" preferiu dispensar a tropa.
Mas não foi só a força legalista que teve problemas com os soldados improvisados.
Os revoltosos também.
Quando eles acamparam em Campo Erê, Prestes enviou piquetes em várias direções para convocar os homens a lutar a seu lado. A maioria fugia à simples aproximação dos revolucionários.
Outros foram ver do que se tratava, mas quando sabiam que era para participar das lutas arrumavam uma desculpa e não voltavam.
Houve alguns voluntários atraídos, quem sabe, pela oferta de carne, charque e fumo à vontade no acampamento, outros foram levados meio na marra.
Horácio Mariano da Silva, que estava entre os revoltosos, nos relatou que um sujeito apresen-tou-se a Prestes, montado numa eguinha vermelha, e explicou não poder ir lutar porque tinha uma bola na barriga, era rendido, e erguendo a camisa, mostrou o abcesso. "Para isso tem remédio", lhe respondeu um tenente. "No primeiro tiroteio, passa uma bala aí e já está curado."
Foi na marra. Ele e sua eguinha velha.
Darcy Antônio Pacce, professor de história em Renascença
Prestes em Renascença (I)
Darcy Antônio Pacce
Com o movimento tenentista, a jovem oficialidade brasileira desejava mudanças políticas e colocar fim aos desmandos das oligarquias.
Ela culminou com a chamada "Coluna Prestes", uma tropa com até 1.600 homens que, sob comando do legendário Luís Carlos Prestes e de jovens oficiais, durante três anos percorreu dezenas de milhares de quilômetros do território nacional numa espécie de Grande Marcha, até se exilar na Bolívia, em 1927.
Em sua passagem pelo Sudoeste do Paraná, vinda do sul, em 1924, a Coluna Prestes esteve em nosso município, Renascença.
Pre-parava-se, então, para atacar Clevelândia, o que foi feito sob o comando de João Alberto e do coronel Fidêncio.
Eles contavam com 250 homens.
Prestes aguardava o resultado dessa ação para atacar Laranjeiras do Sul com outros 200 homens.
Em Clevelândia, esperavam os revoltosos capturar armas, munições e sobretudo mais adesões de voluntários.
Para conter o avanço da coluna foi mobilizada a Guarda Nacional, composta por pessoas da própria região, quase todos pequenos agricultores, nenhum soldado profissional. A coluna, por sua vez, também se abasteceu na região de "voluntários", muitos na marra.
Na localidade de Santana foi formado um corpo da Guarda sob comando do capitão comissionado José Carlos de Oliveira, de profissão cartorário.
Os recrutas vinham com seus cavalos.
Do governo recebiam o armamento, a munição (contada e vigiada), farda, botina, polaina, etc.
Uma madrugada, Prestes atacou de surpresa um grupo de trinta homens da Guarda que, despreocupados, festavam, tocando gaita e violão. O saldo foi um sargento, um cabo e quatro soldados mortos.
Foi então convocada a companhia do Santana, com 120 homens, acampada na localidade de Campo da Vargem.
O problema é que ninguém queria ir à luta, segundo o depoimento oral de um dos engajados, Antônio Nunes de Freitas. O "capitão" José Carlos de Oliveira mandou a tropa perfilar, fez um tocante discurso e convocou os voluntários a dar um passo à frente. Só dois o fizeram.
Acontece que, nas instruções, eles não haviam disparado um único tiro. "A quem faltasse uma bala no cinturão eram cobrados 1.500 réis", conta Antônio Nunes de Freitas.
Ele chegou a sugerir ao "capitão" que melhor seria atacar os revoltosos a coronhadas, já que ninguém havia disparado uma única vez os mosquetões, nem sabiam se os mesmos pegavam fogo. O "capitão" preferiu dispensar a tropa.
Mas não foi só a força legalista que teve problemas com os soldados improvisados.
Os revoltosos também.
Quando eles acamparam em Campo Erê, Prestes enviou piquetes em várias direções para convocar os homens a lutar a seu lado. A maioria fugia à simples aproximação dos revolucionários.
Outros foram ver do que se tratava, mas quando sabiam que era para participar das lutas arrumavam uma desculpa e não voltavam.
Houve alguns voluntários atraídos, quem sabe, pela oferta de carne, charque e fumo à vontade no acampamento, outros foram levados meio na marra.
Horácio Mariano da Silva, que estava entre os revoltosos, nos relatou que um sujeito apresen-tou-se a Prestes, montado numa eguinha vermelha, e explicou não poder ir lutar porque tinha uma bola na barriga, era rendido, e erguendo a camisa, mostrou o abcesso. "Para isso tem remédio", lhe respondeu um tenente. "No primeiro tiroteio, passa uma bala aí e já está curado."
Foi na marra. Ele e sua eguinha velha.
Darcy Antônio Pacce, professor de história em Renascença
sábado, 6 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - Uma heroína no cerco da Lapa
Histórias do Paraná - Uma heroína no cerco da Lapa
Uma heroína no cerco da Lapa
Sydney Dittrich Zappa
Em fins de fevereiro de 1894, portanto já decorridos cem anos, mortos Carneiro, Dulcídio e Aminthas,
e terminado o cerco da Lapa, após longa e heróica resistência, durante a qual o troar dos canhões foi uma constante, os federalistas, sob o comando de Gumercindo Saraiva, tomando conta da cidade, que, já sem meios para prosseguir na luta, afinal capitulara.
Os revolucionários, que haviam entrado na cidade legendária, passaram, então, dispersados e em grupos, a dedicar-se ao saque e a execuções sumárias.
Um desses grupos acercou-se de um estabelecimento situado nas proximidades da antiga estação ferroviária, ainda fechado naquele dia, pertencente a Ângelo Vercesi, tronco de tradicional família curitibana.
Aproveitando-se da ausência do dono, os membros do referido agrupamento arrombaram a porta da casa comercial e passaram a retirar mercadorias.
Nesse preciso momento chegou o dono que, vendo o ataque ao seu patrimônio e possuído de justificável e incontida ira, mas sem a menor prudência diante das circunstâncias, investiu contra os ladrões.
Estes, de início surpresos com a investida, demoraram um pouco para reagir, pois na qualidade de vencedores e ocupantes da praça vencida, não poderiam acreditar que apenas um homem desarmado tivesse a ousadia de enfrentá-los.
Mas essa estupefação durou pouco.
Refeitos da surpresa, agarraram Ângelo e já se preparavam para degolá-lo (essa era a forma usual de eliminar os adversários vencidos) quando interveio uma mulher bastante jovem, pouco mais de vinte anos.
Essa mulher, Carolina Forigo Morganti, uma italiana de Mantova, cidade do norte da península e um dos berços do Renascimento, que ao casar com João Zappa, adotara o nome da família deste, juntamente com seus filhos menores, assistira aquela cena de sua casa, situada ali em frente, através de um buraco numa das paredes produzido por um impacto de artilharia durante o cerco.
Por isso, entre as alternativas de permanecer em casa, em segurança, apenas torcendo por desfecho favorável e intervir para salvar seu vizinho, o sangue quente peninsular falou mais alto.
Carolina saiu em disparada e, sozinha, enfrentou os soldados.
Primeiro, invocando os bons sentimentos destes, tentou dissuadi-los do assassinato do vizinho daquele modo primitivo e cruel.
Frustrada a tentativa, diante da determinação dos quase assassinos, teve idéia avassaladora: disse-lhes que Ângelo era doente da cabeça, um doido, acompanhando suas palavras com um gesto circular com a mão em torno da própria cabeça.
Diante dessa "informação", que a despeito de inverídica tinha forma de verossimilhança, em face do modo afoito e temerário com que o comerciante investira, os soldados, após alguma relutância, convenceram-se da invocada loucura.
Por isso, libertaram Ângelo, carregaram o produto do roubo e se retiraram do local, provavelmente para outros atos de violência.
A circunstância de Carolina ter presenciado a cena, sua decisão de intervir prontamente e o seu raciocínio rápido em momento de tensão, salvaram o vizinho e amigo de fim tão terrível como inglório.
A História da Revolução Federalista, nestes cem anos, tem glorificado, com justa razão, os heróis do cerco, por seus atos de bravura.
Mas heróis não são apenas os grandes guerreiros, mas também todos aqueles que, por suas virtudes e realizações, se elevaram acima do comum das pessoas.
Louve-se, pois, também essa heroína, essa mulher extraordinária, que depois de enfrentar e sofrer os perigos e as agruras do cerco e a quase destruição da sua casa e de sua família, teve ânimo e determinação, com risco pessoal, para resolver da melhor maneira tal situação.
Carolina Forigo Morganti Zappa é minha avó paterna.
Sydney Dittrich Zappa, Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná
Uma heroína no cerco da Lapa
Sydney Dittrich Zappa
Em fins de fevereiro de 1894, portanto já decorridos cem anos, mortos Carneiro, Dulcídio e Aminthas,
e terminado o cerco da Lapa, após longa e heróica resistência, durante a qual o troar dos canhões foi uma constante, os federalistas, sob o comando de Gumercindo Saraiva, tomando conta da cidade, que, já sem meios para prosseguir na luta, afinal capitulara.
Os revolucionários, que haviam entrado na cidade legendária, passaram, então, dispersados e em grupos, a dedicar-se ao saque e a execuções sumárias.
Um desses grupos acercou-se de um estabelecimento situado nas proximidades da antiga estação ferroviária, ainda fechado naquele dia, pertencente a Ângelo Vercesi, tronco de tradicional família curitibana.
Aproveitando-se da ausência do dono, os membros do referido agrupamento arrombaram a porta da casa comercial e passaram a retirar mercadorias.
Nesse preciso momento chegou o dono que, vendo o ataque ao seu patrimônio e possuído de justificável e incontida ira, mas sem a menor prudência diante das circunstâncias, investiu contra os ladrões.
Estes, de início surpresos com a investida, demoraram um pouco para reagir, pois na qualidade de vencedores e ocupantes da praça vencida, não poderiam acreditar que apenas um homem desarmado tivesse a ousadia de enfrentá-los.
Mas essa estupefação durou pouco.
Refeitos da surpresa, agarraram Ângelo e já se preparavam para degolá-lo (essa era a forma usual de eliminar os adversários vencidos) quando interveio uma mulher bastante jovem, pouco mais de vinte anos.
Essa mulher, Carolina Forigo Morganti, uma italiana de Mantova, cidade do norte da península e um dos berços do Renascimento, que ao casar com João Zappa, adotara o nome da família deste, juntamente com seus filhos menores, assistira aquela cena de sua casa, situada ali em frente, através de um buraco numa das paredes produzido por um impacto de artilharia durante o cerco.
Por isso, entre as alternativas de permanecer em casa, em segurança, apenas torcendo por desfecho favorável e intervir para salvar seu vizinho, o sangue quente peninsular falou mais alto.
Carolina saiu em disparada e, sozinha, enfrentou os soldados.
Primeiro, invocando os bons sentimentos destes, tentou dissuadi-los do assassinato do vizinho daquele modo primitivo e cruel.
Frustrada a tentativa, diante da determinação dos quase assassinos, teve idéia avassaladora: disse-lhes que Ângelo era doente da cabeça, um doido, acompanhando suas palavras com um gesto circular com a mão em torno da própria cabeça.
Diante dessa "informação", que a despeito de inverídica tinha forma de verossimilhança, em face do modo afoito e temerário com que o comerciante investira, os soldados, após alguma relutância, convenceram-se da invocada loucura.
Por isso, libertaram Ângelo, carregaram o produto do roubo e se retiraram do local, provavelmente para outros atos de violência.
A circunstância de Carolina ter presenciado a cena, sua decisão de intervir prontamente e o seu raciocínio rápido em momento de tensão, salvaram o vizinho e amigo de fim tão terrível como inglório.
A História da Revolução Federalista, nestes cem anos, tem glorificado, com justa razão, os heróis do cerco, por seus atos de bravura.
Mas heróis não são apenas os grandes guerreiros, mas também todos aqueles que, por suas virtudes e realizações, se elevaram acima do comum das pessoas.
Louve-se, pois, também essa heroína, essa mulher extraordinária, que depois de enfrentar e sofrer os perigos e as agruras do cerco e a quase destruição da sua casa e de sua família, teve ânimo e determinação, com risco pessoal, para resolver da melhor maneira tal situação.
Carolina Forigo Morganti Zappa é minha avó paterna.
Sydney Dittrich Zappa, Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná
sexta-feira, 5 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - Um dia sabor Coca-Cola
Histórias do Paraná - Um dia sabor Coca-Cola
Um dia sabor Coca-Cola
Celso Antonio Rossi
Corria o ano de 1948. Jacarezinho fervilhava.
A cidade, uma das pioneiras do interior do Paraná a ter o seu cinema, acabara de participar da inauguração do moderníssimo Cine Éden, que substituía o antigo Éden Theatro, então erguido na praça Rui Barbosa, no longínquo ano de 1927 e que servira de palco aos mais importantes filmes e peças teatrais da época.
Plácido Bertozzi, seu entusiasmado proprietário, era um homem progressista.
Incansável na programação das "fitas", trazia para a cidade sempre os grandes lançamentos das capitais.
Aos domingos, monumentais matinês reuniam a gurizada daqueles tempos que acompanhava com rara fidelidade os capítulos dos seriados que se sucediam semanalmente, verdadeiros precursores, quem sabe, das novelas amais.
Nas revistas da época ("O Cruzeiro", "Revista do Rádio", "Seleções"...) as propagandas povoavam a imaginação de tantos quanto as les-sem: era o lançamento dos carros "Nash", "o aristocrata das estradas"..., ou o "som sinfônico" da Standar Eletric na apresentação de sua rádio-eletrola...; ou a Royal, "anunciando a melhor máquina de escrever jamais oferecida"...
Mas, dentre todas elas, uma chamava mais a atenção: a da Coca-Cola...
Com suas letras entrelaçadas, na cor vermelha, a meninada de então ficava a imaginar quando é que poderia saborear aquele refrigerante que se via nos filmes americanos e que embora de cor muito escura parecia trazer junto de si um sonho encantado da juventude...
Plácido Bertozzi mantinha em seu moderno cinema um barzinho que à época era por todos denominado de "bombonière", dirigido pelas filhas e até pelos netos, que se revezavam naquele pequeno serviço. E Plácido, sentindo o anseio da criançada, não teve dúvidas: mandou um portador até São Paulo, que trouxe algumas garrafas do misterioso refrigerante, e num domingo de matiné, entre surpresos e incrédulos, tínhamos à nossa frente a tão esperada Coca-Cola...
Mas ninguém se atrevia a ser o primeiro a ir tomá-la: E se o seu sabor não fosse como a propaganda dizia? ... Por fim, uma das netas de Plácido Bertozzi não teve dúvidas: abriu a garrafinha e, ante o olhar admirado e invejoso de todos que ali se encontravam, sorveu gostosamente a misteriosa bebida.
Dali para a correria ao pequeno balcão, foi um segundo.
Todos gritando, com as notas de cruzeiros balançando pelo ar, queriam ser atendidos logo, queriam experimentar (finalmente!) a "mundialmente famosa" mas, mais do que isto, queriam contar aos demais que já haviam tomado aquele refrigerante dos seus sonhos.
A quantidade, porém, era pequena para tanta gente.
Os que tinham conseguido comprar, eram invejados pelos outros que, encabulados e arrependidos pela indecisão não tiveram outro jeito a não ser aguardar a próxima remessa, que só chegou uns trinta dias depois.
Dali para diante, o interesse continuou o mesmo, pois o nosso desejo era de nos igualarmos aos jovens modernos das cidades grandes, para que pudéssemos também ser admirados pelas meninas de nossa cidade.
Até que a Coca-Cola entrou na rotina de nossas vidas, mas, para quem participou daqueles momentos na sala de espera do Cine Éden, defronte à sua bombonière, por certo que jamais terá se esquecido daquele distante dia de 1948, quando a Coca-Cola chegou a Jacarezinho.
Celso Antonio Rossi, advogado e diretor da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (jacarezinho)
Um dia sabor Coca-Cola
Celso Antonio Rossi
Corria o ano de 1948. Jacarezinho fervilhava.
A cidade, uma das pioneiras do interior do Paraná a ter o seu cinema, acabara de participar da inauguração do moderníssimo Cine Éden, que substituía o antigo Éden Theatro, então erguido na praça Rui Barbosa, no longínquo ano de 1927 e que servira de palco aos mais importantes filmes e peças teatrais da época.
Plácido Bertozzi, seu entusiasmado proprietário, era um homem progressista.
Incansável na programação das "fitas", trazia para a cidade sempre os grandes lançamentos das capitais.
Aos domingos, monumentais matinês reuniam a gurizada daqueles tempos que acompanhava com rara fidelidade os capítulos dos seriados que se sucediam semanalmente, verdadeiros precursores, quem sabe, das novelas amais.
Nas revistas da época ("O Cruzeiro", "Revista do Rádio", "Seleções"...) as propagandas povoavam a imaginação de tantos quanto as les-sem: era o lançamento dos carros "Nash", "o aristocrata das estradas"..., ou o "som sinfônico" da Standar Eletric na apresentação de sua rádio-eletrola...; ou a Royal, "anunciando a melhor máquina de escrever jamais oferecida"...
Mas, dentre todas elas, uma chamava mais a atenção: a da Coca-Cola...
Com suas letras entrelaçadas, na cor vermelha, a meninada de então ficava a imaginar quando é que poderia saborear aquele refrigerante que se via nos filmes americanos e que embora de cor muito escura parecia trazer junto de si um sonho encantado da juventude...
Plácido Bertozzi mantinha em seu moderno cinema um barzinho que à época era por todos denominado de "bombonière", dirigido pelas filhas e até pelos netos, que se revezavam naquele pequeno serviço. E Plácido, sentindo o anseio da criançada, não teve dúvidas: mandou um portador até São Paulo, que trouxe algumas garrafas do misterioso refrigerante, e num domingo de matiné, entre surpresos e incrédulos, tínhamos à nossa frente a tão esperada Coca-Cola...
Mas ninguém se atrevia a ser o primeiro a ir tomá-la: E se o seu sabor não fosse como a propaganda dizia? ... Por fim, uma das netas de Plácido Bertozzi não teve dúvidas: abriu a garrafinha e, ante o olhar admirado e invejoso de todos que ali se encontravam, sorveu gostosamente a misteriosa bebida.
Dali para a correria ao pequeno balcão, foi um segundo.
Todos gritando, com as notas de cruzeiros balançando pelo ar, queriam ser atendidos logo, queriam experimentar (finalmente!) a "mundialmente famosa" mas, mais do que isto, queriam contar aos demais que já haviam tomado aquele refrigerante dos seus sonhos.
A quantidade, porém, era pequena para tanta gente.
Os que tinham conseguido comprar, eram invejados pelos outros que, encabulados e arrependidos pela indecisão não tiveram outro jeito a não ser aguardar a próxima remessa, que só chegou uns trinta dias depois.
Dali para diante, o interesse continuou o mesmo, pois o nosso desejo era de nos igualarmos aos jovens modernos das cidades grandes, para que pudéssemos também ser admirados pelas meninas de nossa cidade.
Até que a Coca-Cola entrou na rotina de nossas vidas, mas, para quem participou daqueles momentos na sala de espera do Cine Éden, defronte à sua bombonière, por certo que jamais terá se esquecido daquele distante dia de 1948, quando a Coca-Cola chegou a Jacarezinho.
Celso Antonio Rossi, advogado e diretor da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (jacarezinho)
quinta-feira, 4 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - Jeitão paranaense
Histórias do Paraná - Jeitão paranaense
Jeitão paranaense
Oney Barbosa Borba
O francês Simon Eclache se encontrava na cidade de Castro quando os paulistas empunharam as armas contra a ditadura de Getúlio Vargas, em Julho de 1932. O francês residia em Cachoeirinha, hoje Arapoti.
Queira voltar para sua casa, mas os trens somente funcionavam para a guerra contra os paulistas.
Os poucos caminhões e carros haviam sido requisitados.
Sem condução para o levar, ele resolveu ir a pé mesmo.
Com a malinha nas costas, ao se aproximar de Piraí foi detido por um major da coluna comandada pelo Generaljoão Francisco.
João Francisco, coronel de galpão, comissionado no posto de general das tropas defensoras da ditadura, era riograndense da fronteira, conhecido pelo apelido de "tigre do Caverá". Diziam ser atrabilário, malvado e violento.
Os "guascas" da fronteira ao se despedirem diziam assim: "chegarei hoje mesmo lá, se Deus quiser, João Francisco e sua mulher..." Pelo casamento, até a mulher se transmudava em tigrona...
Simon Eclache foi recambiado no dia 29 de julho e entregue a Durval Marins, delegado de polícia de Castro, "para o fim de averiguar minha identidade e meus propósitos", como contou ele, posteriormente, em carta dirigida ao jornal da terra. O francês estava deveras apavorado com a exibição jactanciosa de seus captores.
Ele não conhecia esta gente.
Durval Marins teve que explicar-lhe que havia rompido um movimento rebelde em São Paulo e que as forças do governo ditatorial de Vargas cercaram as fronteiras paulistas, cortando as comunicações, para aguardar a rendição dos rebeldes.
Era uma questão de tempo. E ele, Simon, devia aguardar na delegacia que a poeira da guerra baixasse.
Naturalmente, os bombachudos não gostaram de ouvir o sotaque anasalado de Simon e implicaram com ele.
Era bom evitar contato com essa gente que andava armada e gostava de exibir-se no poder.
Antes de voltar para sua residência Simon endereçou carta sobre sua estada em Castro.
"A fidalguia e solicitude do preclaro Sr. Durval Marins, as bondosas atenções de todos os membros da Guarda Municipal, e a própria hospitalidade do carcereiro, digo-o em toda sinceridade e não por vã retórica, muito me penhoraram para com a cidade de Castro, que desta insólita maneira vim a conhecer."
"Desfeitas como bolhas de sabão as dúvidas que sobre mim pairavam, foi com real prazer que readquiri minha liberdade, que, aliás, apenas sofreu restrição muito relativa, pois fora-me poupado o vexame de ser hospedado numa cela."
"Como cidadão francês e homem educado, devo meus agradecimentos às autoridades e ao povo de Castro, e, de modo particular ao Sr Alfredo Gueniat e exma.
Sra. À cidade de Castro tão linda no quadro, tipicamente paranaense em que se acha engastada, desejo testemunhar meu reconhecimento. (a) Simon Eclache".
Paranaense é ser assim: cordial e cavalheiresco, principalmente com os estranhos, porque faz questão de ser e parecer bom.
Oney Barbosa Borba, escritor, residente em Castro
Jeitão paranaense
Oney Barbosa Borba
O francês Simon Eclache se encontrava na cidade de Castro quando os paulistas empunharam as armas contra a ditadura de Getúlio Vargas, em Julho de 1932. O francês residia em Cachoeirinha, hoje Arapoti.
Queira voltar para sua casa, mas os trens somente funcionavam para a guerra contra os paulistas.
Os poucos caminhões e carros haviam sido requisitados.
Sem condução para o levar, ele resolveu ir a pé mesmo.
Com a malinha nas costas, ao se aproximar de Piraí foi detido por um major da coluna comandada pelo Generaljoão Francisco.
João Francisco, coronel de galpão, comissionado no posto de general das tropas defensoras da ditadura, era riograndense da fronteira, conhecido pelo apelido de "tigre do Caverá". Diziam ser atrabilário, malvado e violento.
Os "guascas" da fronteira ao se despedirem diziam assim: "chegarei hoje mesmo lá, se Deus quiser, João Francisco e sua mulher..." Pelo casamento, até a mulher se transmudava em tigrona...
Simon Eclache foi recambiado no dia 29 de julho e entregue a Durval Marins, delegado de polícia de Castro, "para o fim de averiguar minha identidade e meus propósitos", como contou ele, posteriormente, em carta dirigida ao jornal da terra. O francês estava deveras apavorado com a exibição jactanciosa de seus captores.
Ele não conhecia esta gente.
Durval Marins teve que explicar-lhe que havia rompido um movimento rebelde em São Paulo e que as forças do governo ditatorial de Vargas cercaram as fronteiras paulistas, cortando as comunicações, para aguardar a rendição dos rebeldes.
Era uma questão de tempo. E ele, Simon, devia aguardar na delegacia que a poeira da guerra baixasse.
Naturalmente, os bombachudos não gostaram de ouvir o sotaque anasalado de Simon e implicaram com ele.
Era bom evitar contato com essa gente que andava armada e gostava de exibir-se no poder.
Antes de voltar para sua residência Simon endereçou carta sobre sua estada em Castro.
"A fidalguia e solicitude do preclaro Sr. Durval Marins, as bondosas atenções de todos os membros da Guarda Municipal, e a própria hospitalidade do carcereiro, digo-o em toda sinceridade e não por vã retórica, muito me penhoraram para com a cidade de Castro, que desta insólita maneira vim a conhecer."
"Desfeitas como bolhas de sabão as dúvidas que sobre mim pairavam, foi com real prazer que readquiri minha liberdade, que, aliás, apenas sofreu restrição muito relativa, pois fora-me poupado o vexame de ser hospedado numa cela."
"Como cidadão francês e homem educado, devo meus agradecimentos às autoridades e ao povo de Castro, e, de modo particular ao Sr Alfredo Gueniat e exma.
Sra. À cidade de Castro tão linda no quadro, tipicamente paranaense em que se acha engastada, desejo testemunhar meu reconhecimento. (a) Simon Eclache".
Paranaense é ser assim: cordial e cavalheiresco, principalmente com os estranhos, porque faz questão de ser e parecer bom.
Oney Barbosa Borba, escritor, residente em Castro
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - O tesouro da Fortaleza
Histórias do Paraná - O tesouro da Fortaleza
O tesouro da Fortaleza
Luiz Romanguera Netto
A fazenda Fortaleza, hoje dividida em muitas outras fazendas, tem histórias contadas pelos seus antigos moradores que nos deixam perplexos.
Uma dessas divisões, a fazenda Três Meninas, fica no alto da chapada, de onde se descortina um dos panoramas mais bonitos do Paraná. Assim é que, para o seu lado sul, quase que em toda a extensão do horizonte, enxerga-se em primeiro plano a cidade de Tibagi e, em outra linha, o famoso "Canhão do Guartelá"; a leste, a serra das Fumas; ao norte, a cidade de Ventania; e, a oeste, a fazenda Monte Alegre, com seus intermináveis reflorestamentos. A vista alcança, em qualquer uma das direções, de 30 a 50 quilômetros.
E uma parte central do Estado, divisora entre o norte e o sul, onde poucas pessoas passam, a não ser aquelas que por lá vivem ou trabalham. Não é um lugar de passagem, se bem que a rodovia Transbrasiliana, já paga pelo governo federal (é o que dizem) e sem ter sido concluída, cruza o topo dessa chapada.
Nesse cenário maravilhoso, encontramos parte da história ainda por ser desvendada, de vez que até hoje, não se sabe o que aconteceu com o tesouro de José Félix da Silva, o senhor da Fortaleza.
Lá pelos idos do século XIX, mais ou menos em 1817, houve uma briga muito grande entre os índios que habitavam a região do Tibagi e os moradores da fazenda, saindo perdedores - é claro - os primeiros, ficando em uma restinga de campo para mais de cem mortos. O local, hoje denominado de "mortandade", ostenta muitas ossadas que, ocasionalmente, são desenterradas pelos tratores, em permanente trabalho de aração de terra.
Contam as histórias que José Félix, depois dessa investida e ainda mais por problemas pessoais com sua esposa Onistarda, que por diversas vezes tentara matá-lo, resolveu esconder o seu tesouro, reservando para mais tarde contar o local em que o enterrara.
Assim foi que um dia mandou seus capatazes, com uns peões e alguns escravos, fazer o rodeio do gado na Fazenda de Monte Alegre, afastando quase todos da sede da Fortaleza.
Chamou um escravo de confiança e com ele colocou as bruacas (mala de couro) em cima da mula, enchendo-as com seus have-res de maior valor.
Ali colocou as barras de ouro, os diamantes, as pratas e as moedas, produto da venda de muitas mulas e gado, além de algumas alfaias.
Pegou seu cavalo e ferramentas de sapa e, com o escravo, saiu ao raiar da manhã, indo até um lugar onde havia um ribeirão.
Ai chegando, desviou-o de seu curso e enterrou as bruacas no seu leito, para depois retorná-lo ao curso normal.
Naquela cova não ficara só o tesouro.
Ficaram também o escravo e a mula, mortos a faca.
Manoel Ignácio , seu neto, a quem iria contar o local onde ficara enterrado o tesouro, só ficou sabendo parte do acontecido, pois era muito jovem e a mulher de José Felix conseguira seu intento de envenenar o marido antes que este confidenciasse toda a história ao menino.
Assim foi que o segredo morreu com ele.
Até hoje, seguidamente aparecem pessoas que sonharam ou tiveram avisos e dizem saber onde ele está. Por falta de procurar é que ele ainda não foi encontrado.
Se um dia será encontrado não sei, mas que está bem guardado isso está, ainda mais com o fantasma do escravo a lhe proteger, duvido que tão cedo remexam em sua cova.
Luiz Romaguera Neto, membro do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Paraná
O tesouro da Fortaleza
Luiz Romanguera Netto
A fazenda Fortaleza, hoje dividida em muitas outras fazendas, tem histórias contadas pelos seus antigos moradores que nos deixam perplexos.
Uma dessas divisões, a fazenda Três Meninas, fica no alto da chapada, de onde se descortina um dos panoramas mais bonitos do Paraná. Assim é que, para o seu lado sul, quase que em toda a extensão do horizonte, enxerga-se em primeiro plano a cidade de Tibagi e, em outra linha, o famoso "Canhão do Guartelá"; a leste, a serra das Fumas; ao norte, a cidade de Ventania; e, a oeste, a fazenda Monte Alegre, com seus intermináveis reflorestamentos. A vista alcança, em qualquer uma das direções, de 30 a 50 quilômetros.
E uma parte central do Estado, divisora entre o norte e o sul, onde poucas pessoas passam, a não ser aquelas que por lá vivem ou trabalham. Não é um lugar de passagem, se bem que a rodovia Transbrasiliana, já paga pelo governo federal (é o que dizem) e sem ter sido concluída, cruza o topo dessa chapada.
Nesse cenário maravilhoso, encontramos parte da história ainda por ser desvendada, de vez que até hoje, não se sabe o que aconteceu com o tesouro de José Félix da Silva, o senhor da Fortaleza.
Lá pelos idos do século XIX, mais ou menos em 1817, houve uma briga muito grande entre os índios que habitavam a região do Tibagi e os moradores da fazenda, saindo perdedores - é claro - os primeiros, ficando em uma restinga de campo para mais de cem mortos. O local, hoje denominado de "mortandade", ostenta muitas ossadas que, ocasionalmente, são desenterradas pelos tratores, em permanente trabalho de aração de terra.
Contam as histórias que José Félix, depois dessa investida e ainda mais por problemas pessoais com sua esposa Onistarda, que por diversas vezes tentara matá-lo, resolveu esconder o seu tesouro, reservando para mais tarde contar o local em que o enterrara.
Assim foi que um dia mandou seus capatazes, com uns peões e alguns escravos, fazer o rodeio do gado na Fazenda de Monte Alegre, afastando quase todos da sede da Fortaleza.
Chamou um escravo de confiança e com ele colocou as bruacas (mala de couro) em cima da mula, enchendo-as com seus have-res de maior valor.
Ali colocou as barras de ouro, os diamantes, as pratas e as moedas, produto da venda de muitas mulas e gado, além de algumas alfaias.
Pegou seu cavalo e ferramentas de sapa e, com o escravo, saiu ao raiar da manhã, indo até um lugar onde havia um ribeirão.
Ai chegando, desviou-o de seu curso e enterrou as bruacas no seu leito, para depois retorná-lo ao curso normal.
Naquela cova não ficara só o tesouro.
Ficaram também o escravo e a mula, mortos a faca.
Manoel Ignácio , seu neto, a quem iria contar o local onde ficara enterrado o tesouro, só ficou sabendo parte do acontecido, pois era muito jovem e a mulher de José Felix conseguira seu intento de envenenar o marido antes que este confidenciasse toda a história ao menino.
Assim foi que o segredo morreu com ele.
Até hoje, seguidamente aparecem pessoas que sonharam ou tiveram avisos e dizem saber onde ele está. Por falta de procurar é que ele ainda não foi encontrado.
Se um dia será encontrado não sei, mas que está bem guardado isso está, ainda mais com o fantasma do escravo a lhe proteger, duvido que tão cedo remexam em sua cova.
Luiz Romaguera Neto, membro do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Paraná
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - As hortências do Coronel
Histórias do Paraná - As hortências do Coronel
As hortências do Coronel
Hélio Teixeira
Há quem diga que o episódio ajudou a distenção lenta e gradual promovida pelo General Ernesto Geisel, na presidência da República.
Mas tudo nasceu de uma pequena nota perdida numa edição de sábado do jornal "O Estado do Paraná", narrando uma conferência que deveria ser singela do Lions Clube de Ponta Grossa, proferida pelo então Coronel Tarcísio Ferreira, comandante do 13° BIB. Enquanto Geisel distendia, a imprensa tinha "contraturas musculares" no trato de questões políticas, controlada pela censura federal e pela auto-censura.
Mas o bravo coronel Tarcísio soltou a língua diante dos atônitos "leões" pontagrossenses, fazendo severas críticas ao regime militar e especificamente ao presidente da República.
Na época, 1978, eu chefiava a sucursal da revista "Veja", no Paraná, e telefonei ao coronel comandante do BIB.
- Coronel, o senhor confirma o teor da sua conferência no Lions?
- Sim, meu filho, por quê?
- E que a ‘Veja" teria interesse em obter uma entrevista sua.
- Estou às ordens.
Venha para cá e às 18 h conversamos em minha casa.
A esta altura, o jornalista Luis
Manfredini, do "Jornal do Brasil", em Curitiba, fizera o mesmo e, para economizar no transporte, partimos ele, eu e o fotógrafo do jornal carioca, Carlos Sdroyewski, em busca da acalentada entrevista.
O velho gravador "National" gastou duas fitas de 45 minutos em perguntas e respostas, narrando o que seria toda uma articulação militar, com tentáculos em todo o país, visando sua rápida democratização.
Logo, muito distante da tese da gradualidade proposta por Geisel.
Para completar a reportagem, marcamos que, no dia seguinte, o coronel Tarcísio, às 8 horas da manhã, estaria podando as frondosas hortências do seu jardim e, na esquina, munido de uma poderosa tele-objetiva, o lépido Carlinhos Sdroyewski o fotografaria.
Palavra dada, palavra cumprida. O coronel, as hortências, o farto material para redação.
Aliás, generosas latinhas de cerveja foram consumidas num apartamento do Hotel São Marcos, em Ponta Grossa, por mim e por Manfredini, na retirada das declarações gravadas. "Tenho a maior força de blindados da 5a Região.
Meus contatos estão tanto no III como no I, II e no IV Exércitos.
Veja aqui minhas passagens de avião para São Paulo, Recife, etc.." O detalhamento de suas atividades com severas críticas ao presidente da República e ao regime davam a garantia a mim e a Manfredini que tínhamos uma verdadeira bomba na mão. E põe bomba nisso.
No final de semana, a "Veja", "Jornal do Brasil" e ainda "O Estado de São Paulo", com suas respectivas agências de notícias, levavam ao país as considerações nada simpáticas do coronel Tarcísio.
Resultado: as hortências do coronel não foram mais podadas por ele.
Foi aberto um IPM pelo comando da 5a Região Militar contra o coronel, que acabou preso, foi reformado e posteriormente absolvido num julgamento em que servi de testemunha. O coronel Tarcísio Ferreira pode ter superdimensionado suas articulações e seus blindados.
De qualquer forma, sua postura de se abrir à imprensa contribuiu para o Brasil retornar o caminho da democracia.
Hélio Teixeira, jornalista
As hortências do Coronel
Hélio Teixeira
Há quem diga que o episódio ajudou a distenção lenta e gradual promovida pelo General Ernesto Geisel, na presidência da República.
Mas tudo nasceu de uma pequena nota perdida numa edição de sábado do jornal "O Estado do Paraná", narrando uma conferência que deveria ser singela do Lions Clube de Ponta Grossa, proferida pelo então Coronel Tarcísio Ferreira, comandante do 13° BIB. Enquanto Geisel distendia, a imprensa tinha "contraturas musculares" no trato de questões políticas, controlada pela censura federal e pela auto-censura.
Mas o bravo coronel Tarcísio soltou a língua diante dos atônitos "leões" pontagrossenses, fazendo severas críticas ao regime militar e especificamente ao presidente da República.
Na época, 1978, eu chefiava a sucursal da revista "Veja", no Paraná, e telefonei ao coronel comandante do BIB.
- Coronel, o senhor confirma o teor da sua conferência no Lions?
- Sim, meu filho, por quê?
- E que a ‘Veja" teria interesse em obter uma entrevista sua.
- Estou às ordens.
Venha para cá e às 18 h conversamos em minha casa.
A esta altura, o jornalista Luis
Manfredini, do "Jornal do Brasil", em Curitiba, fizera o mesmo e, para economizar no transporte, partimos ele, eu e o fotógrafo do jornal carioca, Carlos Sdroyewski, em busca da acalentada entrevista.
O velho gravador "National" gastou duas fitas de 45 minutos em perguntas e respostas, narrando o que seria toda uma articulação militar, com tentáculos em todo o país, visando sua rápida democratização.
Logo, muito distante da tese da gradualidade proposta por Geisel.
Para completar a reportagem, marcamos que, no dia seguinte, o coronel Tarcísio, às 8 horas da manhã, estaria podando as frondosas hortências do seu jardim e, na esquina, munido de uma poderosa tele-objetiva, o lépido Carlinhos Sdroyewski o fotografaria.
Palavra dada, palavra cumprida. O coronel, as hortências, o farto material para redação.
Aliás, generosas latinhas de cerveja foram consumidas num apartamento do Hotel São Marcos, em Ponta Grossa, por mim e por Manfredini, na retirada das declarações gravadas. "Tenho a maior força de blindados da 5a Região.
Meus contatos estão tanto no III como no I, II e no IV Exércitos.
Veja aqui minhas passagens de avião para São Paulo, Recife, etc.." O detalhamento de suas atividades com severas críticas ao presidente da República e ao regime davam a garantia a mim e a Manfredini que tínhamos uma verdadeira bomba na mão. E põe bomba nisso.
No final de semana, a "Veja", "Jornal do Brasil" e ainda "O Estado de São Paulo", com suas respectivas agências de notícias, levavam ao país as considerações nada simpáticas do coronel Tarcísio.
Resultado: as hortências do coronel não foram mais podadas por ele.
Foi aberto um IPM pelo comando da 5a Região Militar contra o coronel, que acabou preso, foi reformado e posteriormente absolvido num julgamento em que servi de testemunha. O coronel Tarcísio Ferreira pode ter superdimensionado suas articulações e seus blindados.
De qualquer forma, sua postura de se abrir à imprensa contribuiu para o Brasil retornar o caminho da democracia.
Hélio Teixeira, jornalista
segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
Histórias do Paraná - Tudo ou nada na Jeca
Histórias do Paraná - Tudo ou nada na Jeca
Tudo ou nada na "Jeca"
Murilo Walter Teixeira
Cena concebida em Guarapuava nos anos quarenta.
Um piá, meio debochado, com seus onze anos bem vividos, chega próximo à turma e vai logo convidando para um jogo de "búrico".
Calça curta.
No bolso do lado esquerdo uma boa quantidade de bolas de gude. Pés no chão. O de-dão esfolado de algum tropicão. A poeira impregnada com resíduos de sangue localiza-se no canto da unha do dedão.
Na canela, uma linha transversal provocada por algum espinho.
Ainda se vê um pingo de sangue coagulado que principiava a escorrer.
No joelho da perna direita sinal de algum ferimento provocado por algum tombo; a "casca" da ferida em cicatrização destoava de sua pele clara.
- Querem jogar no "turco"ou na "nela"? — disse o guri.
No turco, cada parceiro, dois ou mais, colocam (caseiam) a bola em linha reta.
De uma certa distância procura-se atingir a primeira bola.
Aquele que o fizer, terá direito em prosseguir no jogo.
Ganha se acertar em mais de uma. O adversário "caseia" outra bola.
A "nela" é uma cavidade feita no solo (panela), arredondada com o calcanhar.
Haviam aqueles exímios nesse trabalho.
Joga-se de uma certa distância nesse buraco tentando introduzi-lo ou mesmo afastando a bola do adversário para dificultá-lo na ação de acertara a "nela". Era o tudo ou nada na "jeca". Esta "jeca" era a jogadeira de cada um.
Aquele que primeiro pronunciasse esta frase estaria livre do assédio do adversário e permitia, se possível, atingir a jogadeira do adversário, afastando o mais longe do palco da disputa.
Além das bolas normais com os mais diversos coloridos, havia aquelas especiais: pioquinho ou piolhinho.
Uma bola minúscula de uma cor forte com frisos de cores diversas. O carretão era grande, chegando ao tamanho de uma bola de ping-pong.
Para não escorregar nos dedos, os jogadores provocavam pequenas fraturas no vidro, dando mais segurança e facilidade em acertar a dos adversários.
Alguns, com força e maestria, rachavam ao meio a bola atingida, causando dissabor e humilhação, mormente ao ver sua "preciosa" jogadeira nesse estado.
O terreno nesse pequeno espaço ficava limpo, permitindo que os jogadores apresentassem as suas façanhas de craque.
Após algum tempo de peleja, até que alguém estivesse "liso", sobrando, às vezes, somente a jogadeira, desciam as ladeiras para algumas braçadas nos inúmeros "pocinhos" dos riachos que circundavam a cidade de Guarapuava.
Num colégio religioso do município de Prudentópolis, as freiras, não permitindo esse tipo de lazer, constantemente tomavam dos jovens as bolas de gude e introduziam por uma fresta no assoalho da casa, na esperança de acabar de vez com tal divertimento.
Mas algum jovem astucioso e audaz embrenhava-se pelo pequeno espaço do porão e, com certa dificuldade, recuperava seus "búricos". Curiosas, as freiras não atinavam como aqueles alunos adquiriam continuamente ditas bolas, num círculo interminável.
Murilo Walter Teixeira, dentista em Guarapuava
Tudo ou nada na "Jeca"
Murilo Walter Teixeira
Cena concebida em Guarapuava nos anos quarenta.
Um piá, meio debochado, com seus onze anos bem vividos, chega próximo à turma e vai logo convidando para um jogo de "búrico".
Calça curta.
No bolso do lado esquerdo uma boa quantidade de bolas de gude. Pés no chão. O de-dão esfolado de algum tropicão. A poeira impregnada com resíduos de sangue localiza-se no canto da unha do dedão.
Na canela, uma linha transversal provocada por algum espinho.
Ainda se vê um pingo de sangue coagulado que principiava a escorrer.
No joelho da perna direita sinal de algum ferimento provocado por algum tombo; a "casca" da ferida em cicatrização destoava de sua pele clara.
- Querem jogar no "turco"ou na "nela"? — disse o guri.
No turco, cada parceiro, dois ou mais, colocam (caseiam) a bola em linha reta.
De uma certa distância procura-se atingir a primeira bola.
Aquele que o fizer, terá direito em prosseguir no jogo.
Ganha se acertar em mais de uma. O adversário "caseia" outra bola.
A "nela" é uma cavidade feita no solo (panela), arredondada com o calcanhar.
Haviam aqueles exímios nesse trabalho.
Joga-se de uma certa distância nesse buraco tentando introduzi-lo ou mesmo afastando a bola do adversário para dificultá-lo na ação de acertara a "nela". Era o tudo ou nada na "jeca". Esta "jeca" era a jogadeira de cada um.
Aquele que primeiro pronunciasse esta frase estaria livre do assédio do adversário e permitia, se possível, atingir a jogadeira do adversário, afastando o mais longe do palco da disputa.
Além das bolas normais com os mais diversos coloridos, havia aquelas especiais: pioquinho ou piolhinho.
Uma bola minúscula de uma cor forte com frisos de cores diversas. O carretão era grande, chegando ao tamanho de uma bola de ping-pong.
Para não escorregar nos dedos, os jogadores provocavam pequenas fraturas no vidro, dando mais segurança e facilidade em acertar a dos adversários.
Alguns, com força e maestria, rachavam ao meio a bola atingida, causando dissabor e humilhação, mormente ao ver sua "preciosa" jogadeira nesse estado.
O terreno nesse pequeno espaço ficava limpo, permitindo que os jogadores apresentassem as suas façanhas de craque.
Após algum tempo de peleja, até que alguém estivesse "liso", sobrando, às vezes, somente a jogadeira, desciam as ladeiras para algumas braçadas nos inúmeros "pocinhos" dos riachos que circundavam a cidade de Guarapuava.
Num colégio religioso do município de Prudentópolis, as freiras, não permitindo esse tipo de lazer, constantemente tomavam dos jovens as bolas de gude e introduziam por uma fresta no assoalho da casa, na esperança de acabar de vez com tal divertimento.
Mas algum jovem astucioso e audaz embrenhava-se pelo pequeno espaço do porão e, com certa dificuldade, recuperava seus "búricos". Curiosas, as freiras não atinavam como aqueles alunos adquiriam continuamente ditas bolas, num círculo interminável.
Murilo Walter Teixeira, dentista em Guarapuava
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