quinta-feira, 10 de julho de 2014

Histórias do Paraná - A fuga do Juiz

Histórias do Paraná - A fuga do Juiz

A fuga do Juiz
Alceu A. Sperança

Ainda não era chegado o tempo do jaguncismo.
Primeira metade da década de 50, Bento Munhoz da Rocha Neto acabara de conceder a Cascavel a condição de Município, emancipando-o de Foz do Iguaçu.
Região pioneira, frente avançada na colonização do Paraná, Cascavel vivia o reinado econômico da madeira.
Era, contudo, uma "cidade" feíssima. A comarca fora criada à força, imposta pela Maripá, a companhia colonizadora toda-
Çoderosa que se estabelecera em oledo. E que a Assembléia Legislativa não criaria a Comarca de Toledo, em 1953, se a de Cascavel também não fosse criada.
As duas, afinal, foram autorizadas pelo Desembargador José Munhoz de Mello, presidente do Tribunal de Justiça do Estado, de forma salomônica.
Em Toledo tudo correu de acordo com o previsto.
Naquele dia 9 de julho de 1954, o juiz Cid Cordeiro Cimas assumiu o comando da Comarca sem um só incidente.
Mas em Cascavel tudo foi diferente.
A solenidade de instalação do Fórum estava prevista para as 14h. O juiz Inácio Pinto de Macedo, designado pelo Tribunal para assumir a direção da comarca, desembarcou do avião DC-3, da Real Aerovias, às 9h da manhã. Recebido com as honras devidas pelas autoridades municipais, a cidade ensaiava uma festa, com o tradicional churrasco das grandes ocasiões. O primeiro juiz cascavelense fez um giro rápido pela pequena cidade e sem hesitar ordenou o transporte de sua mala de volta para avião, cujo retorno a Curitiba estava previsto para as 14h daquele mesmo dia e horário determinado para sua posse.
Alegando que o clima era "muito pesado", Macedo embarcou e "fugiu", deixando para trás a festa e o churrasco.
Os temores de Macedo logo se confirmaram.
Um dos primeiros jagunços submetidos a julgamento ameaçou resolutamente de morte o juiz Aurélio Feijó, substituto de Macedo à frente da Comarca, sem poupar o promotor, o próprio advogado e jurados.
O clima era mesmo "pesado". Num dos mais freqüentados pontos de encontro, um agricultor ameaçou o inimigo de morte, "serviço" que seria completado bebendo o sangue do morto. A ameaça foi cumprida à risca, em público, e confirmada tranqüilamente pelo autor no curso do julgamento.
Por essa época, um jagunço encontrou o desafeto dentro da Igreja de Santo Antônio e o convidou a "morrer lá fora para o barulho não incomodar os santos."
A comerciante Lídia Luchesa, muito religiosa, colocava um crucifixo nas mãos de cada corpo que tombava a tiros nas ruas de Cascavel.
Seu estoque de crucifixo não durou muito.
Eu tinha pouco mais de dois anos quando o vereador Adelino Cattani caiu morto ao lado da minha mãe, que me conduzia pela mão, fuzilado por um inimigo.
Bem poucos, diante dos fatos que se seguiram, chamaram o Dr. Macedo de "covarde". Além dos mais, seus amigos afirmam que ele fora designado para a Comarca de Cerro Azul por um decreto de 2 de julho de 1954. Ou seja: mais de um mês antes da instalação da Comarca de Cascavel.
Assim, a "fuga" do juiz é um episódio que faz mais parte do denso folclore do nosso "faroeste" que da história heróica do Poder Judiciário paranaense.

Alceu A. Sperança, jornalista em Cascavel


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