segunda-feira, 23 de junho de 2014

Histórias do Paraná - Bento cego

Histórias do Paraná - Bento cego

Bento cego
Valênáo Xavier

Bento Cordeiro nasceu no Registro, em Antonina, lá por 1821. Nasceu cego e pobre, filho de caboclos do nosso litoral.
Logo perde o pai, a sua mãe, Ana Maria, tem de manter o barraco da família e cuidar do filho cego.
Mocinho, Bento foi numa festança, onde os caboclos dançavam fandango batendo pé com os tamancos chumbados de chocalhos. Lá estava Chico Folião, o Rouxinol da Faisqueira, cantador de muita fama.
Chico Folião já tinha derrotado todos outros repentistas da noite.
Cada quatro porfias ganhas davam direito ao prêmio: um galho de arruda na viola e a admiração das moças.
As moças assanham Bento para desafiar o campeão, afinal ele era dono da mais bela voz do coral da igreja.
Arranjam uma viola para Bento e começa seu primeiro combate.
Chico Folião parte para o ataque.
"Nem namorar você pode porque vista não tem vive só sem ser amado sem olhar não se quer bem".
Bento cego contra-ataca: "Sem olhar também se ama a mulher que estima a gente os olhos são traidores quando o coração
não sente". A porfia segue braba e, por fim, Chico Folião se confessa derrotado.
Cabelão comprido, moço bonito logo enfrenta outro cantador famoso.
A peleja termina com os dois chorando com os versos de Bento:
"Não posso dizer se tal coisa é feia ou bonita porque me vejo no abismo da escuridão infinita. "
Antonina fica pequena para ele, Bento Cego se despede da mãe e sai pelo mundo afora vencendo desafios.
Sente fraqueza nos pulmões e vai para Lapa se curar. Lá enfrenta
o invicto Manoel Viola e diz o que pensa da mulher: "Tem amor tem distinção ralhaefala mas não deixa de escutar teu coração".
Manuel Viola alerta: "Pois então se é assim estás de todo perdido. Hás de ver teu coração cair bem logo vencido". Bento reflete "Bem vindo que seja ele/ pela graça da mulher/ antes ela nos vença/ do que a mão de Lúcifer". Vencer mais esta porfia.
Sente-se curado e segue seu caminho.
Fica em Santa Catarina, numa casinha dum fazendeiro seu fã. Encontra o amor: é Catarina, uma bela jovem órfã que trabalha na roça.
Ela cuida dele e tudo vai bem, mas Bento Cego quer mais: "Só quisera ter a dita de filha te enxergar que a vida eu não gomaria/ diante de teu olhar". Ela sorri para Bento, os dois se amam: ‘Não há dúvida que tens/ muita candura no amor/ mas eu quisera senhora/ ver-te sorrir com fulgor". Vivem felizes.
Um dia, ele acorda e não sente mais o doce cheiro do corpo de Catarina.
Sem aviso, ela foi embora.
Seu mundo fica mais escuro.
Sem poder suportar a solidão, Bento parte.
Talvez um dia, reencontre Catarina, o amor.
Um dia aparece em Sorocaba, amargo, cansado e com os pulmões doentes.
Mesmo fraco, aceita enfrentar ao mesmo tempo 3 cantadores. A porfia segue por 3 dias e 3 noites.
Caindo de cansaço, Bento Cego ainda canta: "Hei de morrer cantando/ Cantando me hei de enterrar/ Cantando irei para o céu/ Cantando conta hei de dar". Diz-se que, nesse momento, levantou os olhos ao fundo da sala, onde havia uma imagem da Virgem.
Diz-se que, nesse momento, viu a imagem da Virgem.
Ninguém sabe.
Nesse momento, ele caiu morto, deitando sangue pela boca.
Ninguém sabe, mas acho que, nesse momento, ele não viu a imagem da Virgem, viu novamente o amor, viu Catarina.

Valêncio Xavier é escritor e historiador.


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