sábado, 12 de julho de 2014

Histórias do Paraná - O rei da Boca Maledetta

Histórias do Paraná - O rei da Boca Maledetta

O rei da Boca Maledetta
Roberto José da Silva

Cabelos brancos, 68 anos, a barriga encostada no balcão meio gasto do Bar do Ari Túlio, Germano Franceschini toma mais um gole de vinho, fecha os olhos e começa a contar mais uma história da "sua" Santa Felicidade.
Ali na "Boca Maledetta" ele é rei.
Melhor: presidente.
No tradicional bairro italiano de Curitiba não há ninguém que não o conheça.
Modéstia, por isso, não é seu forte: "Sou mais famoso que o Roberto Carlos aqui por estas bandas", se gaba.
Duvidar como? Criador e organizador da Festa do Vinho, Germano ajudou, literalmente, a construir aquele bairro onde seus pais, vindos das montanhas do Vêneto, se instalaram.
Empreiteiro particular, ergueu muitas das casas que hoje encantam os turistas que para lá se dirigem em busca de uma boa polenta ou lingüiça de porco.
O crescimento do bairro, contudo, não o agradou muita Ele olha o trânsito da avenida Manoel Ribas, reclama da fumaça, da correria das pessoas. "Está todo mundo estressado", conclui.
Bons tempos aqueles onde por ali só se falava italiano e só os ricos iam estudar na cidade.
Germano estudou até o quarto ano primário, mas fez o curso superior da vida na roça, nas ruas, nas casas da Sua Santa Felicidade.
Até os 18 anos pegava firme na enxada para ajudar a família.
Rezava sempre para que pelo menos um dia da semana chovesse. O motivo era a gaita do vizinho José Miola. "O baile atravessava o dia e só acabava quando os mais velhos lembravam que no dia seguinte o sol poderia surgir novamente", recorda.
O sotaque italiano é marca inconfundível deste brasileiro. E com ele que conta um aperto na época da baixa do exército. Época de guerra, teve que aportuguesar o sobrenome nos documentos, mas se traiu na hora de assinar a papelada.
Tascou lá um "ch" original e o capitão comandante o engaiolou por mais 60 dias no quartel. "Eles pensavam que eu era quinta coluna".
Quinta coluna? O Germano? Ele termina sua história e os amigos de copo e balcão caem na risada.
Depois, arrastam-no para mais uma rodada de "morra". O homem que é mais conhecido que o "Rei" em Santa Felicidade cumpre esta rotina diária como o mais doce dos prazeres da vida.
Sempre falando, quase sem parar. "Se eu não entrar para história do bairro assim, pelo menos as pessoas vão saber das casas que construí. E essas vão ficar de pé".

Roberto José da Silva, jornalista


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