Histórias do Paraná - Uma heroína no cerco da Lapa
Uma heroína no cerco da Lapa
Sydney Dittrich Zappa
Em fins de fevereiro de 1894, portanto já decorridos cem anos, mortos Carneiro, Dulcídio e Aminthas,
e terminado o cerco da Lapa, após longa e heróica resistência, durante a qual o troar dos canhões foi uma constante, os federalistas, sob o comando de Gumercindo Saraiva, tomando conta da cidade, que, já sem meios para prosseguir na luta, afinal capitulara.
Os revolucionários, que haviam entrado na cidade legendária, passaram, então, dispersados e em grupos, a dedicar-se ao saque e a execuções sumárias.
Um desses grupos acercou-se de um estabelecimento situado nas proximidades da antiga estação ferroviária, ainda fechado naquele dia, pertencente a Ângelo Vercesi, tronco de tradicional família curitibana.
Aproveitando-se da ausência do dono, os membros do referido agrupamento arrombaram a porta da casa comercial e passaram a retirar mercadorias.
Nesse preciso momento chegou o dono que, vendo o ataque ao seu patrimônio e possuído de justificável e incontida ira, mas sem a menor prudência diante das circunstâncias, investiu contra os ladrões.
Estes, de início surpresos com a investida, demoraram um pouco para reagir, pois na qualidade de vencedores e ocupantes da praça vencida, não poderiam acreditar que apenas um homem desarmado tivesse a ousadia de enfrentá-los.
Mas essa estupefação durou pouco.
Refeitos da surpresa, agarraram Ângelo e já se preparavam para degolá-lo (essa era a forma usual de eliminar os adversários vencidos) quando interveio uma mulher bastante jovem, pouco mais de vinte anos.
Essa mulher, Carolina Forigo Morganti, uma italiana de Mantova, cidade do norte da península e um dos berços do Renascimento, que ao casar com João Zappa, adotara o nome da família deste, juntamente com seus filhos menores, assistira aquela cena de sua casa, situada ali em frente, através de um buraco numa das paredes produzido por um impacto de artilharia durante o cerco.
Por isso, entre as alternativas de permanecer em casa, em segurança, apenas torcendo por desfecho favorável e intervir para salvar seu vizinho, o sangue quente peninsular falou mais alto.
Carolina saiu em disparada e, sozinha, enfrentou os soldados.
Primeiro, invocando os bons sentimentos destes, tentou dissuadi-los do assassinato do vizinho daquele modo primitivo e cruel.
Frustrada a tentativa, diante da determinação dos quase assassinos, teve idéia avassaladora: disse-lhes que Ângelo era doente da cabeça, um doido, acompanhando suas palavras com um gesto circular com a mão em torno da própria cabeça.
Diante dessa "informação", que a despeito de inverídica tinha forma de verossimilhança, em face do modo afoito e temerário com que o comerciante investira, os soldados, após alguma relutância, convenceram-se da invocada loucura.
Por isso, libertaram Ângelo, carregaram o produto do roubo e se retiraram do local, provavelmente para outros atos de violência.
A circunstância de Carolina ter presenciado a cena, sua decisão de intervir prontamente e o seu raciocínio rápido em momento de tensão, salvaram o vizinho e amigo de fim tão terrível como inglório.
A História da Revolução Federalista, nestes cem anos, tem glorificado, com justa razão, os heróis do cerco, por seus atos de bravura.
Mas heróis não são apenas os grandes guerreiros, mas também todos aqueles que, por suas virtudes e realizações, se elevaram acima do comum das pessoas.
Louve-se, pois, também essa heroína, essa mulher extraordinária, que depois de enfrentar e sofrer os perigos e as agruras do cerco e a quase destruição da sua casa e de sua família, teve ânimo e determinação, com risco pessoal, para resolver da melhor maneira tal situação.
Carolina Forigo Morganti Zappa é minha avó paterna.
Sydney Dittrich Zappa, Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná
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