terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Histórias do Paraná - As hortências do Coronel

Histórias do Paraná - As hortências do Coronel

As hortências do Coronel
Hélio Teixeira

Há quem diga que o episódio ajudou a distenção lenta e gradual promovida pelo General Ernesto Geisel, na presidência da República.
Mas tudo nasceu de uma pequena nota perdida numa edição de sábado do jornal "O Estado do Paraná", narrando uma conferência que deveria ser singela do Lions Clube de Ponta Grossa, proferida pelo então Coronel Tarcísio Ferreira, comandante do 13° BIB. Enquanto Geisel distendia, a imprensa tinha "contraturas musculares" no trato de questões políticas, controlada pela censura federal e pela auto-censura.
Mas o bravo coronel Tarcísio soltou a língua diante dos atônitos "leões" pontagrossenses, fazendo severas críticas ao regime militar e especificamente ao presidente da República.
Na época, 1978, eu chefiava a sucursal da revista "Veja", no Paraná, e telefonei ao coronel comandante do BIB.
- Coronel, o senhor confirma o teor da sua conferência no Lions?
- Sim, meu filho, por quê?
- E que a ‘Veja" teria interesse em obter uma entrevista sua.
- Estou às ordens.
Venha para cá e às 18 h conversamos em minha casa.
A esta altura, o jornalista Luis
Manfredini, do "Jornal do Brasil", em Curitiba, fizera o mesmo e, para economizar no transporte, partimos ele, eu e o fotógrafo do jornal carioca, Carlos Sdroyewski, em busca da acalentada entrevista.
O velho gravador "National" gastou duas fitas de 45 minutos em perguntas e respostas, narrando o que seria toda uma articulação militar, com tentáculos em todo o país, visando sua rápida democratização.
Logo, muito distante da tese da gradualidade proposta por Geisel.
Para completar a reportagem, marcamos que, no dia seguinte, o coronel Tarcísio, às 8 horas da manhã, estaria podando as frondosas hortências do seu jardim e, na esquina, munido de uma poderosa tele-objetiva, o lépido Carlinhos Sdroyewski o fotografaria.
Palavra dada, palavra cumprida. O coronel, as hortências, o farto material para redação.
Aliás, generosas latinhas de cerveja foram consumidas num apartamento do Hotel São Marcos, em Ponta Grossa, por mim e por Manfredini, na retirada das declarações gravadas. "Tenho a maior força de blindados da 5a Região.
Meus contatos estão tanto no III como no I, II e no IV Exércitos.
Veja aqui minhas passagens de avião para São Paulo, Recife, etc.." O detalhamento de suas atividades com severas críticas ao presidente da República e ao regime davam a garantia a mim e a Manfredini que tínhamos uma verdadeira bomba na mão. E põe bomba nisso.
No final de semana, a "Veja", "Jornal do Brasil" e ainda "O Estado de São Paulo", com suas respectivas agências de notícias, levavam ao país as considerações nada simpáticas do coronel Tarcísio.
Resultado: as hortências do coronel não foram mais podadas por ele.
Foi aberto um IPM pelo comando da 5a Região Militar contra o coronel, que acabou preso, foi reformado e posteriormente absolvido num julgamento em que servi de testemunha. O coronel Tarcísio Ferreira pode ter superdimensionado suas articulações e seus blindados.
De qualquer forma, sua postura de se abrir à imprensa contribuiu para o Brasil retornar o caminho da democracia.

Hélio Teixeira, jornalista


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