quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - A fundação de Londrina

Histórias do Paraná - A fundação de Londrina

A fundação de Londrina
Olympio Luiz Westphalen

A Companhia de Terras Norte do Paraná, subsidiária da ‘Taraná Plantations", de Londres, após adquirir do Governo do Paraná cerca de 515 mil alqueires de terras na região norte do Estado e ter constatado a grande fertilidade das chamadas terras roxas, resolveu iniciar um processo de colonização, com um plano de vender pequenos lotes rurais, com núcleos urbanos de apoio, implantando um sistema que viria se tornar na mais vitoriosa reforma agrária já feita no Brasil.
Após uma primeira visita à região, dos diretores da Cia., Arthur Thomas e Willian Reid, foi organizada em Ourinhos uma expedição que tinha como objetivo iniciar o processo de povoamento, sob chefia do jovem (20 anos) funcionário George Craig Smith.
Partindo, em um caminhão, na madrugada do dia 20 de agosto de 1929, a caravana pioneira passou por Cambará e na tarde do mesmo dia chegou em Jatahy (Jataizinho), atravessando três rios: Cinzas, Laranjinhas e Congonhas.
Em Jatahy, a Cia. mandara construir dois grandes ranchos de palmito para alojamento e escritório de apoio.
Jatahy está às margens do Rio Tibagi e restavam 22 quilômetros para chegar até as terras da Cia. co-lonizadora.
Foram adquiridas mulas de carga e montaria, e alugadas canoas para travessia do rio e, na madrugada do dia 21 de agosto de 1929, partiu a caravana para a arrancada final. A travessia foi difícil e a viagem foi lenta, através do picadão no meio da fechada floresta.
Depois de muitas horas, na tarde do mesmo dia, o engenheiro russo Dr. Alexandre Rasgulaeff, consultando seus mapas, disse: "Chegamos na divisa das terras da Companhia". Logo em seguida o português Alberto Loureiro, empreiteiro contratado pela Cia., reuniu seus trabalhadores para abrir uma pequena clareira na densa floresta, onde construíram dois ranchos de palmito, existente em grande quantidade, que foram as duas primeiras habitações da futura cidade, localizadas onde hoje se encontram instalações da Gessi Lever (antiga Anderson Clayton). Ali existe marco comemorativo.
Além dos citados, participaram daquela caravana pioneira: Joaquim Benedito Barbosa, Spártaco Bambi, Erwin Froelich, Geraldo Pereira Maia e alguns trabalhadores braçais.
Seriam doze pessoas.
Assim, no dia 21 de agosto de 1929, foi fundada Londrina pela Companhia de Terras Norte do Paraná. O seu primeiro nome foi Patrimônio Três Bocas. A fundação foi consolidada com a construção do Hotel Campestre, para moradia dos funcionários, e da casa do engenheiro Alexandre Ragulaeff, autor do primeiro traçado urbano da cidade. O povoado progrediu rapidamente e a 10 de dezembro de 1934 foi instalado o Município de Londrina.

Olympio Luiz Westphalen, diretor do Museu Histórico de Londrina "Pe. Carlos Weiss", da Universidade Estadual de Londrina

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Os congressos do centenário

Histórias do Paraná - Os congressos do centenário

Os congressos do centenário
Tito Moreira Salles

Desembarquei em Curitiba, no dia 2 de janeiro de 1953. As festas de reveillon impediram-me de inaugurá-la no primeiro dia do ano.
Esta cidade estava em plena euforia das comemorações do primeiro centenário da emancipação política.
O governo mandava emitir uma espécie de selo, com dizeres alusivos e com um clichê retratando prédios e paisagens locais.
Hoje, uma folha dessas constitui raridade.
Lem-bro-me que um deles trazia o Hospital São Lucas. O remetente de qualquer carta colava um destes selos no verso do envelope e fazia, dessa maneira, uma propaganda eficaz e informativa.
Havia também os congressos.
Congressos de tudo, de jornalistas, de farmacêuticos, de folclore, de psicologia, de veterinária, etc.
Até parecia que os organizadores de todos os congressos realizados no Brasil, nesse ano, tinham escolhido Curitiba como sede.
Ora, a estudantada logo percebeu que todo congresso tinha seu dia de enceramento e, o melhor, ao final de cada sessão solene de encerramento sempre vinha uma "boca livre". Podia ser coisa simples, com salgadinhos e chope, para os congressos estudantis, ou um sofisticado bufet para os congressos de maior relevância.
Bastava, pois, seguir o noticiário dos eventos e, no último dia, envergar a fatiota para filar um coquetel.
Depois das primeiras doses sorvidas, o ambiente até se tornava de franca cordialidade.
Uma semana, em agosto, foi o Congresso dos Reitores.
Encerramento com toda pompa e circunstância no auditório do Colégio Estadual do Paraná, enorme prédio, novinho em folha.
Foi uma soleníssima sessão, que o governador Bento Munhoz da Rocha fechou com admirável discurso, grande orador que era, onde comparava o desenvolvimento do Norte do Paraná, com a época da expansão da Inglaterra no tempo da rainha Vitória.
Bento cativou público e reitores, foi aplaudidíssimo.
Terminada a cerimônia magnífica, passou-se à mesa do coquetel.
Os já tarimbados "perus" de congresso lá estavam, é claro.
Mas dessa vez ficaram meio acanhados de se aproximar de tão ilustres figuras.
Ao mesmo tempo, porém, o champanhe francês - champanhe francês mesmo! - e as finas iguarias traziam apelos irrecusáveis.
Na indecisão do acanhamen-to, porque os terninhos estavam surrados, a gravata puída e o lustre forçado do sapato pedindo aposentadoria, apareceu o governador em pessoa.
De relance, ele percebeu o que se passava.
Então num gesto de superior liberdade, convidou-nos e insistiu para que nos servíssemos.
Nunca um champanhe e acepipes couberam tão bem.

Tito Moreira Salies, médico.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Bolo de Noiva

Histórias do Paraná - Bolo de Noiva

Bolo de Noiva
Francisco Brito de Lacerda

Diva chegou contando que tinha novo namorado, um professor.
- Ele é desquitado ou divorciado, não sei bem.
Isso é chato.
As pessoas adoram invencionices.
Podem espalhar que eu tirei o professor da mulher.
- A separação deles foi agora, nestes dias?
- Faz mais de ano.
Briga velha.
Começou no dia do casamento.
Nem dormiram na mesma cama. A tarde, ele foi buscar o bolo de noiva numa padaria.
Demorou muito.
Voltou dizendo que tinha encontrado uma fulana na rua, parando para conversar. A noiva ficou louca da vida.
Pensou que ele estava namorando a fulana, armou um fuzuê. Acabaram de mal, veja só, antes de entrar na igreja.
- Que pazes? Claro que ele tentou agradar, como quem mostra bandeira branca.
Mas nem assim. A noiva bateu-lhe a porta. E o professor teimoso, foi dormir na cama-de-vento.
De manhã, eles se acertaram.
- Difícil acreditar nessa história.
Casado com uma donzela, o homem chora, sapateia, mas não se sujeita a dormir em cama-de-vento, inda mais na primeira noite.
- Acontece que virgem ela não era.
Durante o namoro, ficavam na salinha, fingindo que viam a novela. A mãe usava chinelo de feltro.
Uma noite, de mansinho, pegou os dois no sofá. O resto você adivinha.
Pouca vergonha! 0 senhor se aproveitou de minha filha menor! As coisas não vãoficar assim... Ele prometeu que casava.
Achou que a namorada estava esperando.
- Que nada! Só teve filho uns dois anos depois, quando o casamento tinha acabado, as portas frouxas de tanta batida.
- Daí veio o desquite?
- Veio.
Ele burrego, desistiu da casa em favor da mulher. E ainda paga uma pensão ao filho.
- Qual é o problema, então? Só casar, não acha?
- Não é bem assim.
Ainda não vi a papelada.
Quero uma garantia. O professor diz que ganha bem, que tem apartamento.
Promete muito, até automóvel.
Tenho medo é do falatório.
- Por que tanto cuidado?
- Eu o conheci solteiro.
Nunca fomos namorados. Só amigos, de dar tchau na rua. E se inventam que ele se divorciou por minha causa? Nesta cidade tudo acontece...
- Bobagem.
Se você for pensar assim...
- Depois, ele é ciumento. Não há igual. Já se mete na minha vida.
Está vendo este dentinho aqui embaixo? Ele acha que é meio escuro.
Me aconselha ir no dentista.
Chegou a perguntar, o safado, se eu lavo a cabeça todos os dias.
Então eu disse: Lavo três vezes por semana.
Você acha pouco?
- Um absurdo.
Logo com você, tão caprichosa...
- Daí ele passou a mão no meu rosto.
Cheirou a ponta dos dedos.
Disse que não gostava de base.
- Esse sujeito só pode ser professor de dança!
- Quando entrei no carrinho dele, para o primeiro passeio, desceu a lenha no meu short, que não é tão curtinho assim, fica mais ou menos por aqui. Não gosto de mulher pelada, ele disse.
- Que coisa!
- E ainda olha minhas unhas.
Exige esmalte natural.
Implica com o meu batom, Se faz de enjoado na hora de comer.
- Quer pratos especiais?
- Reclama muito, é mal-educado.
De tardezinha, domingo, servi café com leite em pó. Sabe o que ele disse? Não gosto de leite em pó. Prefiro leite natural.
Daí eu não me contive. O gato da casa estava em cima do caixão de lenha. A resposta veio na hora.
Se você quer leite de verdade, é só erguer o rabo do gato.
Erguer e apertar...

Francisco Brito de Lacerda, advogado

domingo, 28 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Cascatinha

Histórias do Paraná - Cascatinha

Cascatinha
Nilson Monteiro

A alma italiana falou mais alto quando os irmãos Pedro e Ogênio Trevisan tiveram que decidir entre comprar uma empresa
de transporte com seis ônibus, ou uma lasca de terra, com 48 mil metros quadrados, coberta de mato, nas margens
da Estrada do Cerne.
Eles tinham acabado de voltar, em 1946, da II Guerra Mundial, cujos desafios viveram, na Itália, por um ano e meio,
como expedicionários. O gosto de pisar no chão, senti-lo entre os dedos, rasgá-lo com vontade e até ternura, para plantar,
como ensinava o avô Félix, do Vêneto, os fizeram gastar seus 90 contos de réis na compra de um sítio da família Manosso.
Para lá se mudaram, à beira do rio Ivo, uma veia do Barigüi, que ali tinha (tem) uma queda d’água que chamava tanto a atenção
quanto a mata, os pequenos bichos, o cheiro da terra, a vida daquele pedaço de mundo italiano encravado nas barras de Curitiba.
A casa de madeira onde foram morar Ogênio e Alice, recém-casados, teve um quarto separado para servir de mercearia.
Ali a família vendia fubá de milho feito na roda d’água nos fundos do quintal.
E dona Alice servia sonhos, pastéis, empadas e sorvetes para quem vinha, aos domingos, refrescar-se na cascatinha.
O local virou ponto de encontro.
Em 1949, eles inauguraram o primeiro restaurante de Santa Felicidade.
Os agricultores Pedro e Ogênio sentiam na boca o gosto do comércio. A pequena casa atendia principalmente
caminhoneiros que vinham do Norte do Estado, transportando café para o porto de Paranaguá.
Mas, com seu "sortido" - radiche, risoto, frango e polenta fritos — começou a cativar também carroceiros, colonos
e empregados das inúmeras pedreiras vizinhas ao bairro.
Os Trevisan, contudo, continuaram plantando. O vinho das refeições era produzido de seu vinhedo.
As verduras, colhidas em sua terra.
Os frangos e porcos criados no sítio.
Pedro e Ogênio, filhos de Ângelo, criaram seus oito filhos no mesmo quintal, enquanto Santa Felicidade transformava-se
na capital gastronômica do Paraná, com restaurantes brotando aqui e ali, o bairro mudando sua pose, sem perder o tempero italiano.
A casa de madeira teve cinco mil flâmulas penduradas pelas paredes. O costume, contam Pedro e Ogênio, era uma mostra
do bem-querer dos clientes, que lhes davam as flâmulas. A estrada virou avenida.
A casa de madeira, que passou por sete reformas até 1972, foi substituída por um prédio em alvenaria de 1,4 mil metros quadrados.
Os filhos começaram a ajudar Pedro e Ogênio em seu negócio, enquanto dona Alice continuou enfiada na cozinha, fazendo o que mais sabe.
Ogênio mostra a mão de agricultor, apesar de os hábitos terem mudado:
a saúde pública não permite que se criem porcos e frangos no fundo do quintal; a carne vem de um abatedouro;
o vinho, de outros produtores; as 8 mil refeições servidas mensalmente no restaurante têm, obrigatoriamente, que ser produzidas em ritmo industrial.
E a marca do tempo, entendem os irmãos.
Altevir, sociólogo, filho de Ogênio, administra o Restaurante Cascatinha.
E Renato, filho de Pedro, é o responsável pelo Castello Trevizo, novo restaurante da família, construído na mesma lasca de terra e com capacidade para alimentar 1,2 mil pessoas de uma só vez.
Pioneiros, de olhos molhados ao reviver sua história, Pedro e Ogênio sentem o cheiro dos anos 40 no borbulhar das mesmas águas.
A cascatinha, saudade líquida, é a mesma. E a alma é a mesma, italiana.

Nilson Monteiro, jornalista

sábado, 27 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Duas histórias de cadeia

Histórias do Paraná - Duas histórias de cadeia

Duas histórias de cadeia
Cristóvão Cavalcante

1950. Surgia o "Patrimônio Kaloré", município de Apucarana.
Para lá foram centenas de trabalhadores rurais para as derrubadas de mato e formação dos cafezais.
Esses homens eram arregimentados por líderes conhecidos por "gatos". De todos, um se destacou pela seriedade na execução dos serviços, pela capacidade de aglutinar e pela disciplina que impunha aos seus comandados.
Pela cor da pele era conhecido por "Gato Preto" e assim se apresentava.
Era a figura mais popular da povoação nascente.
Empreendedor, logo montou uma "venda" para fornecer cachaça, fumo e comida para os trabalhadores.
Para evitar "a fuga" de divisas, montou a "Boite Gato Preto" onde, na prática, recebia de volta a sobra dos salários dos freqüentadores.
Não se conformava que a localidade não tivesse uma cadeia, onde deveriam ser recolhidos os bêbados e desordeiros que tumultuavam as noitadas da boite.
Havia um soldado da Polícia Militar, mas sem autoridade por não poder demonstrar seu poder, prendendo as pessoas.
Gato Preto, na cruzada cívica pela construção da cadeia, ficou desiludido com as negativas e as promessas das autoridades.
Homem de ação como sempre fora, resolveu, às suas expensas, em terreno de sua propriedade, construir o prédio para a cadeia, inaugurado com festiva entrega da chave ao Policial Militar, dando-lhe condições de "cumprir com seu dever".
As "bebemorações" pelo evento foram na boite.
Gato Preto, eufórico, abusou das doses e transformou-se em felino violento, ameaçando os convidados, armado com faca, baldados os esforços para contê-lo.
Trancafiá-lo na cadeia foi a única opção que restou ao soldado. Lá ficou até a manhã do dia seguinte, quando foi solto sob o riso da população.
No mesmo dia, aproveitando a ausência do policial, Gato Preto reuniu seus homens e, em poucas horas, demoliu o prédio que construíra com tanto entusiasmo e civismo.
Ficou na história do lugar como o homem que construiu, foi o único preso e demoliu a primeira cadeia de Kaloré.
Em 1954, a localidade de S. Pedro do Ivaí foi elevada à categoria de distrito.
João Furtado, um pioneiro, pacificador nato no meio de gente irrequieta, foi, por consenso geral, indicado para ser o primeiro Sub-Delegado de Polícia.
Os casos mais graves eram levados para a Delegacia da sede da Comarca, onde tramitavam os processos. O Sub-Delegado se limitava a interferir nas brigas entre vizinhos e nos pequenos casos que pudessem ser resolvidos por conciliação. O maior problema eram as bebedeiras de fim de semana, quando havia necessidade de tirar alguém de circulação "até o porre passar".
A cadeia era caixote reforçado construído debaixo de um galpão, com piso de chão batido, frio e úmido.
No povoado existia um tipo popular, Zulmira de tal, alcoólatra, que periodicamente era preciso prender para lhe curar as carrapanas.
Naquela noite, mais uma vez Zulmira fora "encaixotada". Era um sábado (sempre sábado!) de chuva e frio.
Um forasteiro, bêbado também, foi preso e colocado no mesmo cubículo.
Domingo foi dia de chuva o dia inteiro e só na segunda-feira o Sub-Delegado
soltou os dois, depois das recomendações de praxe.
Do preso, nunca mais se teve notícias.
Três meses depois, estavajoão Furtado em seu Gabinete quando, sem pedir licença, entrou Zulmira, desta vez sóbria mas furiosa, acusando o Sub-Delegado de responsável pelo filho que tinha nas entranhas, fruto daquela prisão correcional, em noites frias, junto com um homem que ela nunca vira antes, nem sabia que rumo havia tomado depois.
E aí, Sub-Delegado, como é que fica?

Cristóvão Cavalcante, advogado aposentado, pioneiro no Norte do Paraná

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Juiz Gramático

Histórias do Paraná - Juiz Gramático

Juiz Gramático
Oney Barbosa Borba

O bacharel baiano José de Sá Nunes foi, por algum tempo, juiz de direito da Comarca de Castro.
Sua judicatura possuía característica especial.
Nos despachos e sentenças sobressaía sua preocupação gramatical.
Em seu tempo de juiz não se usava máquina.
Os processos eram escritos manualmente. A caligrafia do juiz era graúda, de fácil leitura.
Ele escrevia arredondando as vírgulas, distinguindo com a devida inclinação o acento e até fazendo com capricho aquela ondinha do til.
Sá Nunes interrompeu cedo a carreira na magistratura. Não servia para o oficio.
Suas sentenças eram inexpressivas, mecânicas, sem vida.
Conseguira o emprego apenas com o diploma de "Bacharel do Norte" e fora nomeado para uma das comarcas mais frias de estado. O ganho era pouco e ele resolveu dar aula de português, em casa.
No inverno, em trajes menores, envolvia-se num cobertor e assim se apresentava para seus alunos particulares e recebia os funcionários da justiça.
A oportunidade de melhorar de vida surgiu com a publicação de editais do concurso para provimento da cadeira de português no antigo Ginásio Paranaense, em Curitiba. Sá Nunes se inscreveu e concorreu com outras duas celebridades lingüísticas da terra: o padre Eurípides Olímpio de Oliveira e Souza, mulato lapeano com vasta cultura geral e orador emérito, e o professor Fernando Moreira, auto-didata e pedagogo nato.
O concurso teve grande repercussão. A banca examinadora ficou totalmente confusa.
Os três candidatos eram gigantes na matéria.
Como decidir? Optaram sair pela tangente: possuir títulos... (velho recurso das emboloradas ordenações do reino)...
Na verdade, o bacharel Sá Nunes era um grande conhecedor de português.
Após o concurso, o Dr. Sá Nunes fixou residência em Curitiba, deixando a magistratura de lado para ser lente de português do Gymnásio Paranaense, como se escrevia então.
Os ex-alunos que não freqüentavam suas aulas particulares eram penalizados nas provas do ginásio.
Afirmavam abertamente que o lente baiano era mesquinho e perseguidor.
Posteriormente, Sá Nunes transferiu-se para o Rio, onde prelecionou português no Colégio Pedro II. E na antiga capital veio a falecer.
A preocupação com a gramática e a falta de equilíbrio no bom senso para julgar amarrava o estilo de Sá Nunes.
Escolhemos por acaso os autos de inventários dos bens deixados por Mariana da Luz, no cartório cível da comarca de Castro, processo no ano de 1920. Ali, às folhas cinco, Sá Nunes está em boa caligrafia despachando: "Passa-se mandado de citação, na forma da lei, para serem citados os herdeiros em sua residência, para, na audiência do dia 14 do corrente, dizerem sobre as declarações e para se louvarem em um arbitrador para proceder à avaliação e em um partidor para proceder à partilha dos bens do episódio da de cujus.
Castro, 7-VII-1920. Sá Nunes".
Em apenas oito linhas manuscritas, seguem-se os "para-para", numa enfadonhada seqüência do juiz filólogo.

Oney Barbosa Borba, escritor

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Um certo Senhor Figueiredo

Histórias do Paraná - Um certo Senhor Figueiredo

Um certo Senhor Figueiredo
Túlio Vargas

O historiador Vicente Nascimento Júnior, autor da expressão "paranista", (e não Romário Martins, como se apregoa) costumava contar aos seus contemporâneos insólito episódio ocorrido em Paranaguá, por volta de 1860, para comprovar que o mundo é dos espertos.
Desceu por lá, como inspetor da Alfândega, um senhor Figueiredo, malcriado e energúmeno, que supondo pisar terra conquistada, começou primeiro a maltratar os funcionários aduaneiros, seus subalternos, injustamente.
Chegava a exigir dos funcionários, quando os chamava ao gabinete, que se perfilassem marcialmente à sua frente curvados em reverência e recuando até desaparecerem por detrás do reposteiro.
O ridículo dessa exigência despertou a veia satírica dos parnanguaras, que começaram a criticá-lo.
Este, em represália, maltrarava os comerciantes e despachantes que se dirigiam à Alfândega.
Como não existia imprensa, circulavam em pasquim os versos irreverentes e maldosos de menoscabo e desapreço à sua presença na cidade.
Nascimento
Júnior publicou alguns desses epigramas carregados de mordacidade no seu livro "Histórias, Crônicas e Lendas".
O Inspetor não se livrou da poesia de cordel, nem da malquerença parnanguara, que incorporou ao seu anedotário de rua a sentença definitiva e anônima:

O Figueiredo supõe, estulto, que todos dele tem medo.
Ai Figueiredo! Ai Figueiredo! Pensas tú ser grande vulto, quando és simples badaneco;
Pois não passas de um boneco! Faíçe a trouxa e vai-te embora,
E que te leve o rei do Averno,
O fazendo em boa hora,
Para a Corte ou para o inferno!

Mesmo o desabafo popular não impediu que, em dia de grande gala, parece que num 7 de Setembro, ele se apresentasse à porta do teatro, pretendendo entrar sem ser convidado.
Com efeito, tendo a diretoria do Teatro Paranagüense convidado todas as autoridades, fez questão de esquecê-lo para significar que era indesejável.
O porteiro barrou-lhe a entrada.
Entro! — Não entra! — Sou o Inspetor da Alfândega! - Tenho ordens para impedir a sua entrada!
E desse bate-boca resultou o maior escândalo.
As famílias presentes se alarmaram, receosas de uma briga.
O presidente da Sociedade Teatral acudiu e declarou peremptoriamente que ali só entrava quem fosse convidado.
Quem não portasse convite que se resignasse e fosse dormir em paz.
Ampliou-se o conflito porque Figueiredo berrava a todo pulmão, bradando até obscenidades. O presidente já estava pensando em suspender a sessão e fechar o teatro, quando um moço, dos artistas que deviam representar, declarou que se negaria a desempenhar o papel se não fosse permitido o ingresso do Inspetor.
Estava, pois, entornado o caldo. Não havia outra alternativa.
Permitir a entrada ou evacuar o teatro, repleto de seleta platéia.
Por amor à ordem, o presidente cedeu à imposição do ator.
Figueiredo entrou, gloriosamente. O jovem artista que pleiteava, de há muito, emprego fixo, obteve a recompensa.
Uma semana depois estava nomeado na Alfândega...

Túlio Vargas, ex-deputado, membro da Academia Paranaense de Letras

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Poloneses no norte do Paraná

Histórias do Paraná - Poloneses no norte do Paraná

Poloneses no norte do Paraná
Mariano Kawka

A responsável pela colonização de boa parte das terras norte-paranaenses foi a Companhia de Terras Norte do Paraná, subsidiária brasileira da Paraná Plantations Ltd., cuja formação decorreu da iniciativa de alguns fazendeiros paulistas, conhecedores da fertilidade da terra roxa, e desejosos de aproveitá-la para a cultura do café, e que conseguiram sensibilizar empresários ingleses, na pessoa de Simon Joseph Fraser (Lord Lovat), a aplicar na região o capital necessário para a colonização dessas terras.
A Paraná Plantations Ltd. foi criada em Londres, em 1925. Entre esse ano e 1927, sua subsidiária, a Companhia de Terras Norte do Paraná (mais tarde Companhia Melhoramentos Norte do Paraná) adquiriu um total de 1.246.300 hectares (12.463 km^) de terras devolutas, situadas à margem esquerdas do rio Paranapanema, entre os rios Tibagi e Ivaí, instalando um acampamento avançado a 22 quilômetros do rio Tibagi, onde surgiria depois a cidade de Londrina.
A colonização era feita pelo sistema da pequena propriedade e, na época, havia uma intensa propaganda para atrair colonos de diversas nacionalidades àquela região.
Um funcionário da Companhia, o engenheiro Inácio Szankowski, reservou uma área fértil, a 15 quilômetros de Londrina, para ser colonizada por poloneses.
Foi através de um desses prospectos de propaganda que em 1932, o polonês Edward Cebulski, agrimensor e proprietário de terras em Santa Catarina, tomou conhecimento dessa "terra da promissão" e resolveu conhecê-la.
Entusiasmado pelo que viu e ouviu, Cebulski convidou vários chefes de famílias residentes da colônia polonesa de Pinheiros, nas terras montanhosas de Santa Catarina, para que fossem conhecer o novo "Eldorado". Novos compradores foram chegando de várias localidades catarinenses, bem como o Rio Grande do Sul, do Sul do Paraná e do Estado de São Paulo.
Era preciso escolher um nome para a nova colônia.
Foi promovida uma reunião, a céu aberto, com os moradores sentados numa importante peroba recém-derrubada.
João Langowski, um dos presentes, sugeriu o nome de Warta, um rio da Polônia.
Sua sugestão, muito aplaudida, foi aceita de imediato, e assim foi batizado o "patrimônio" e futuro distrito.
Dentro desse mesmo esquema de colonização foi planejada a colônia Gleba Orle (que significa "pequena águia"), situada a 15 quilômetros de Arapongas.
Antes da chegada dos primeiros transportes de colonos poloneses e ucranianos da Europa, encontramos aí alguns pioneiros poloneses, que tinham vindo por conta própria.
Tratava-se de alguns rapazes solteiros, que trabalhavam geralmente na construção de estradas.
Eram eles os senhores Golas, Macur, Olszewski e Pochwatka.
Em 1937 várias famílias polonesas e ucranianas vindas da Europa estabeleceram-se na colônia.
Mais tarde vieram colonos poloneses do Sul do Paraná e de Santa Catarina. E de se notar que alguns aspectos do plano original de colonização não puderam ser executados, não por falha da Companhia colonizadora, mas porque a eclosão da Segunda Guerra Mundial interrompeu definitivamente o fluxo maciço de migrantes da Polônia para o Brasil.

Mariano Kawka, professor

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Matança no sertão

Histórias do Paraná - Matança no sertão

Matança no sertão
Ivo Nalce

Até o final dos anos 50, e até um pouco mais, a região de Tibagi, Reserva, vivia na sanha de bandidos aliados, ou gerados, de políticos. O banditismo campeava promovido pelos chefes da politicagem local.
Manhã de terça-feira, 6 de janeiro de 1930, Carlos Soebel abre o armazém de Orlando Soares & Cia, em Reserva. Vê a janela dos fundos arrombada, pegadas de muitas pessoas e cerca de seis contos de réis em mercadorias roubadas.
Quem foi, quem não foi? O menino Gabriel desvenda o mistério: foi o bando de seu patrão Gabriel Bueno da Cunha, chamado "o Lampião de nossos sertões". Para comprovar trouxe alguns objetos roubados e informa que o bando está escondido em Lajeado, a duas léguas da cidade.
O delegado Joaquim Carneiro não vai, mas manda o cabo Ângelo Fultert e o soldado José Santos (toda a força policial de Reserva) à cata dos bandidos.
De voluntário vai o civil Abílio Barbosa. O menino Gabriel segue junto para mostrar o esconderijo.
Sabendo que o bando é numeroso, o advogado Mario Santos vai a Ponta Grossa pedir reforços.
O tempo passa e nada dos caçadores de bandidos voltarem à cidade, cai a noite.
Na manhã de quarta-feira, o menino Gabriel volta e conta o que aconteceu: Quando chegaram perto^ do covil dos bandidos, o cabo Ângelo manda o menino ficar para trás esperando os reforços.
Dali a pouco, Gabriel escuta o tiroteio, conta mais de vinte tiros.
Se esconde no mato onde pernoita, de manhã espia e conta cinco cadáveres estirados no chão.
Os moradores de Reserva ficam horrorizados com o relato do menino.
Populares vão até Lajeado e o "Lampião" não deixa ninguém chegar perto e avisa que mata quem vier.
Os reforços policiais pedidos não aparecem, a polícia de Ponta Grossa queria pagar trezentos mil réis pelo transporte dos soldados, os motoristas queriam quinhentos para meterem seus caminhões numa estrada só de lama num dia de muita chuva.
Em Reserva, o farmacêutico José Andrade, vendo que não podiam contar com as forças da lei, reúne alguns moradores armados e decidem atacar o bando de Gabriel Bueno da Cunha.
Na frente vai o farmacêutico e mais dois homens com winchesters, logo atrás vem uns dez homens armados com revólveres.
Quando chegam no paiol onde estavam os bandidos, Gabriel Bueno da Cunha e mais três capangas se entregam sem resistência.
Dizem que o chefe foi outro bandido famoso da região, Salvador Major.
Salvador está morto na cama ainda como o 38 na mão, ao lado da mulher Colatina.
No potreiro, em frente ao paiol, na lama debaixo da chuva, os corpos do cabo Ângelo e do civil Abílio Barbosa. O corpo do soldado José Barbosa não é achado.
José Barbosa vai aparecer, mais tarde, com a história que fugira na hora do tiroteio.
Os reforços de Ponta Grossa finalmente chegam, 15 soldados.
Os cadáveres são levados para Reserva, amarrados no lombo de cavalos.
Feita a autópsia, constáta-se que o cabo e o civil foram mortos com tiros nas costas.
Na verdade, o que aconteceu durante o tiroteio? Ninguém sabe explicar.
Um mistério não resolvido, dos muitos mistérios duma região do Paraná onde imperava o banditismo protegido pela politicagem.

Ivo Nalce, historiador

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Preito a Câmara Leal

Histórias do Paraná - Preito a Câmara Leal

Preito a Câmara Leal
Rui Pinto

Antônio Luis da Câmara Leal foi filho ilustre de São Paulo.
Entre outros dotes foi jornalista, poeta, músico e orador de amplos recursos, mas, acima de tudo, foi jurista, por Unha de descendência paterna e profícua devoção ao Direto, produzindo obra extensa que lhe granjeou renome nacional.
Natural de Taubaté, em 1893, seu pai era advogado nomeado no Vale do Paraíba e seu avô, a par das contribuições que deixou para as letras jurídicas, foi o primeiro juiz de Curitiba, chefe de polícia e até vice-presidente da província.
Entre as muitas obras de Câmara Leal, vale lembrar seu Manual Elementar de Direito Civil, os Comentários ao Código Penal Brasileiro, a Teoria das Ações e o Código de Processo Civil e Comercial do Estado de São Paulo, além de sua Da Prescrição e Decadência, que, no dizer de Aguiar Dias, foi, na especialidade, a mais importante contribuição da doutrina nacional, além de outras mais.
Pois, pasmem de saber que, após tão rica atividade de escritor e jurista, de repente, ainda cinqüentão, Câmara Leal desponta em Apucarana, no Norte do Paraná, vindo sozinho, de trem, para se alojar numa modestíssima pensão, na Vila
Regina, atrás da estação ferroviária, onde passa a conviver e dormir em quarto comum com gente da mais humilde condição.
Foi aí, então, que o surpreendeu Elias Farah e o levou para participar de sua banca de advogado, ao mesmo tempo que acomodaram o jurista como professor suplementarista do ginásio local, para garantir-lhe algum ganho imediato.
Lamentavelmente, porém, Câmara Leal estava precocemente envelhecido, doente e quase cego.
A partir daí, quando correu a notícia do seu estado, mãos igualmente comparecidas, porém mais influentes, trouxeram-no para Curitiba, no final de 1953, nomeado promotor interino, à disposição da hoje Procuradoria-Geral de Justiça, onde, ao que consta, ainda deu um pouco de sua valiosa contribuição e viveu os parcos dias de vida que lhe restavam.
Doente, cego e esquecido, morreu enfim, em 1957, aos 63 anos de idade.
Coube ao Paraná, portanto, confortar os dias derradeiros do notável mestre paulista, embora na condição modesta de promotor interino.
De qualquer modo, porém, foi um gesto altamente generoso do nosso estado que, de um lado, retribuiu, indiretamente, o papel importante que seu avô teve na antiga província, e, de outro, rendeu uma homenagem justa e necessária ao insigne jurista de São Paulo, tão cedo ainda ferido cruelmente pelo destino e que, em outubro deste ano de 93, completaria seu centenário de nascimento.

Rui Pinto, Procurador de Justiça aposentado

domingo, 21 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Aos que perderam

Histórias do Paraná - Aos que perderam

Aos que perderam
Marcelo Oikawa

Quando arrancou a orelha do desafeto com um peso de balança, durante aquela briga dentro de sua vendinha, Pedro Venâncio não teve dúvidas.
Vendeu tudo e foi embora, não apareceu nunca mais na Boca de Onça.
Fazer o quê.
Foi assim que ele chegou a Londrina, fazendo as contas das pingas e dos sanduíches de mortadela que ia vender.
Montou o Bar Londrina e concluiu que ia ficar rico em dez anos, ficando no caminho dos colonos que subiam aos sábados para fazer as compras na cidade.
Logo viu que numa terra quente como aquela uma sorveteria era uma necessidade.
Em um mês, sua mulher Jupira e a filha e a filha Elza, com seis anos, estavam acordando de madrugada para bater o sorvete de groselha, limão e coco queimado.
Foi ali no Bar Londrina, gastando a barriga escorada no balcão, que ele viu, ano após ano, os velhos caminhões subirem pela Rua Guaranis na Vila Casone, carregados de café, rangendo a carroceria.
Na época das safras ia ficando cada vez mais impaciente, olhos brilhando, até começar a achar que dez anos era muito tempo naquela terra.
Os velhos caminhões carregados prosperavam seus donos, que na volta da entrega do café nas máquinas desciam com caminhões novinhos comprados ali pertinho, na revendedora Ford.
O costume era parar no seu Bar. O mais novo e feliz proprietário daquela maravilha verde e preta com cheiro de tinta fresca, pagava a rodada de cerveja, pinga, sanduíche e sorvete.
De tanto ver caminhão velho subir carregado de café e de tanto ver felizardos descerem de volta com caminhão novo e bolso cheio, Pedro vendeu o Bar e comprou um cafezinho.
Levou três anos para formar a plantação, contando cada dia, com ânsia no estômago, o dia de sua primeira safra e seu primeiro caminhão.
Seria em 1953. Mas em 53 o Norte do Paraná conheceu a sua primeira geada negra.
Na primeira manhã do acontecimento teve gente que enlouqueceu.
Gente que passeava nas boléias dos caminhões novos, com o nariz empinado, agora se via vagando ensandecida pelas ruas, rindo e chorando.
Na primeira semana do acontecimento, teve gente que se matou.
Pedro Venâncio, descaroçou. Perdeu o cafezal.
Desinchou. Não se matou.
Nem enlouqueceu. Mas desiludiu-se.
Nunca disse a ninguém o que havia acontecido dentro dele.
Somente trinta e cinco anos depois, sentado na cozinha da filha Jacira, numa tarde de confissões, ele admitiu: naquela geada ele tinha queimado suas esperanças.
Morreu cinco anos depois, em 92, vendendo garapa e paçoca, fazendo jogo do bicho na rua Maranhão.
Como ele, milhares desapareceram na poeira vermelha do tempo.

Marcelo Oikawa, jornalista

sábado, 20 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - O herói e o vilão

Histórias do Paraná - O herói e o vilão

O herói e o vilão
Luiz Romaguera Netto

Era o presidente da província quem concedia títulos de naturalização de cidadão brasileiro aos imigrantes que assim o desejassem. O francês Jorge Leprevost, no dia 18 de janeiro de 1879, prestou juramento de fidelidade à Constituição e às leis do Brasil, tornando-se um brasileiro naturalizado. O juramento solene foi feito na presença do presidente do Paraná, Dr. Rodrigo Otávio de Oliveira, sendo o ato secretariado pelo Sr. Ernesto de Moura Brito.
O Sr. Jorge Leprevost foi morar em Tijucas, onde, anos mais tarde, quando da Revolução Federalista, já comissionado Capitão, o encontramos entrincheirado, defendendo os poderes constituídos do país que tão bem soubera lhe acolher.
Tinha ele, entre os muitos empregados, um de sua inteira confiança: seu afilhado de nome Tibúrcio.
Dias antes do início das hostilidades, em janeiro de 1894, teve notícia de que uma de suas vendas, logo ali perto, havia sido saqueada e que Tibúrcio era o saqueador. Não podendo acreditar, pois este lhe pedira licença para atender a mãe enferma, aguardou sua volta para saber dele próprio.
Quando chegou, negou tudo.
As testemunhas o desmentiram e ele foi preso.
Em seguida, conseguiu escapar e juntou-se às tropas federalistas, das quais era informante.
Já com Tijucas capitulada, entra na praça com o pomposo título de Major e afronta seu antigo protetor. Não se conformando com as ofensas a ele dirigidas, Leprevost parte com seu bastão desferindo-lhe forte golPe. Recebe, em revide, um tiro no peito, indo direto para o hospital, conseguindo escapar com vida.
Alguns dias mais tarde, entra pela porta do hospital um soldado desconhecido que, apontando sua arma para a cabeça do Capitão, acaba com sua vida.
Soube-se depois que o mandante fora Tibúrcio que, acobertado por Henrique Doria, irmão do governador dos federalistas, foge.
Quando pego pelos republicanos, teve morte horrível.
O Capitão Leprevost jurou e cumpriu sua fidelidade ao Brasil.
Morreu com honra.
Poucos dias atrás, em uma minissérie da televisão, todo o Brasil conheceu a história da vinda de alguns italianos, anarquistas, formando a célebre Colônia Cecília, ali na Palmeira. O que não sabem é como ela terminou.
Colombo Leoni, imigrante, querendo hostilizar o governo brasileiro, que o trouxera e recebera de braços abertos, organizou um batalhão ítalo-brasileiro, composto pelos anarquistas.
Reuniu, então, toda a Colônia onde os homens formavam grupos de salteadores e bandidos, atuando na cidade de Palmeira e em outras colônias vizinhas. A força, tudo dilapidavam. O batalhão tornou-se a vanguarda das tropas de Aparício Saraiva (federalista).
Com esta atitude, Colombo Leoni prestou um grande serviço àquelas comunidades, pois quando esse batalhão, em fuga para o Rio Grande do Sul, caiu nas mãos do General Pinheiro Machado, este os destroçou, não escapando nenhum homem com vida.
Não houve notícia de que alguém tenha voltado à Colônia Cecília que, assim, desapareceu.
Dois homens — Jorge Leprevost e Colombo Leoni -tiveram destinos bem diferentes. A história encarregou-se de contar quem foi o herói e quem foi o vilão.

Luiz Romaguera Netto, advogado e membro da Associação dos Amigos do Arquivo Público do Paraná.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Cinza e frustração

Histórias do Paraná - Cinza e frustração

Cinza e frustração
Moacyr de Moura Cordeiro

O movimento político que visava eleger Getúlio Vargas e João Pessoa a presidente e vice-presidente da República, denominado "Aliança Liberal", teve no ano seguinte à sua formação, em 1930, um crescimento surpreendente em Prudentópolis.
De Patos-Velhos e Erval, só se falava nos candidatos da Aliança.
Caboclos mal informados de Rio Patinhos e do Matão travavam diálogos estapafúrdios como este:
- Nho Mané, quem é que vancê acha que vai ganha as inleição?
- Uai, só pode se o Getuio Gaspá.
- Hem, home de Deus.
Vancê ta loco.
Nho Gaspá é aqui dos Patos. O candidato é Getuio Vargas.
Dizem que é do Sur.
-Ah!...
A expansão da Aliança Liberal devia-se à família Pereira da Cunha, ao agrimensor Calió, a Teodoro Rocha Nenê e a tanto outros próceres, e bem mais do que a todos eles, ao Dr. Sagy Naked, político sagaz, casado com a Dra. Walkyria Moreira da Silva Naked, ambos advogados.
Preocupado com o alastramento da oposição, tratou o Governo do Estado de deter os passos de Sagy Naked.
Para tanto nomeou a Pedro Pierre de Oliveira como delegado de polícia de Prudentópolis.
Pierre era considerado um indivíduo mau e prepotente.
Logo depois da posse de Pierre, Sagy sofreu ameaças.
Também foi notificado de que estava proibido de adentrar na Delegacia.
Mas Sagy Naked não era homem que se assustasse com a carranca do delegado.
Nem ele nem Teodoro Rocha Nenê. Ambos continuaram a propagar o nome de Getúlio Vargas.
O dia primeiro de março, dia das eleições, foi de terror para os oposicionistas de Prudentópolis.
Como a legislação não previa o uso de uma, o eleitor era obrigado a dar o seu voto diante dos olhos ameaçadores de Pierre e de seus soldados.
Apesar da braveza do delegado, havia eleitores brincalhões e provocantes.
Um deles, o jovem Jorge Grus, do interior de um caminhão de João Techy, dirigido pelo proprietário, no instante em que o veículo passava pela frente do prédio onde estavam instaladas as seções eleitorais, levantando-se no estribo e paralama, gritou com toda a força: - "Viva Getúlio Vargas!"
Uns soldados enrubesceram, outros se tornaram pálidos, mas quando resolveram reagir, era tarde. O caminhão já estava longe.
A derrota de Júlio Prestes e de seu companheiro de chapa Vital Soares, significaria o malogro dos esforços de Pierre. E era isso o que todos os presentes estavam prevendo.
Lá pelas quinze horas, Pierre não se conteve.
Irritado, mandou incinerar o material de votação.
Atônita, a população viu os soldados
Queimarem em praça pública as olhas de votação, livros e atas.
Da eleição, nada restaria senão cinzas e frustração.

Moacyr de Moura Cordeiro, advogado e professor de História em Prudentópolis

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Pato Branco bravio

Histórias do Paraná - Pato Branco bravio

Pato Branco bravio
Fátima Maria Bortot

Ano de 1949. Pato Branco, Sudoeste do Paraná, não tinha mais de mil habitantes.
Levas de migrantes chegavam de muito lugares, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, principalmente.
Uma nova fronteira estava se abrindo.
Pouca bagagem, muito sonhos.
Foi o que aconteceu com duas famílias, procedentes de Porto União.
Casais ainda jovens, instalaram-se numa chácara, afastada do centro do povoado.
De outras bandas, também aportaram em Pato Branco um rapaz que trabalhava numa serraria, na então chamada Vila Bonita.
Suas histórias iriam se cruzar de modo dramático. E sangrento.
Naquele dia, ele saiu do trabalho e foi até a chácara.
Ao voltar para casa, deixa dois cadáveres em seu rastro: uma mulher e o chefe da outra família.
"Seu" Ormazinho Viganó, não se sabe como, desconfiou. O autor do bárbaro crime seria o rapaz.
Naquela noite, Viganó, o delegado Chico Deus e Abel Bortot, que possuía um Dodge 46, e mais os dois policiais lotados na delegacia, seguiram em expedições para a serraria. O rapaz dormia.
Quando foi acordado, num barraco, recebeu voz de prisão do delegado.
Com ele foram encontrados objetos e roupas de propriedade das vítimas.
Amarrado com corda nos pulsos e nas pernas, foi levado para a delegacia. O dia estava amanhecendo e as manchas do Sol pareciam, em premonição, banhar de sangue o horizonte.
Dia claro, todo mundo na pequena cidade sabia do ocorrido e onde estava rapaz.
Na cadeia, no mesmo local onde hoje está instalado o Hotel Bedim, a tensão crescia.
Inconformada com o duplo homicídio, a turba foi falar com o delegado Chico Deus.
Queriam justiça.
Com as próprias mãos. Não tiveram sucesso.
Voltaram para casa, mas a revolta persistia, fermentava.
Horas mais tarde, retornaram à delegacia.
Foram informados por Chico Deus que o rapaz seria transferido para a cadeia de Clevelândia, sede da Comarca, que oferecia mais segurança.
Como hoje, faltava estrutura para a polícia. O delegado recorreu a um "carro de praça". No carro seguiram o motorista, um dos policiais e o preso, algemado.
Mas, a 400 metros da delegacia, perto de onde está hoje o predio do Branco do Brasil, na Avenida Tupi, um grupo de pessoas esperava.
Eram muitos, brandindo paus, facas e armas de fogo. O preso foi arrancado do táxi e linchado.
Um fotografo registrou toda a cena.
Na linha de frente, na foto, aparecem antigos moradores daquela Pato Branco bravia, quase sem lei e sem alma.
Se todos participaram do linchamento, não se sabe, mas posaram para o fotógrafo diversos pioneiros, hoje chefes de ilustres famílias da cidade.
- Esta orelha vou levar de lembrança, chegara a comentar, após o golpe de facão, o irmão da mulher assassinada.
Dois meses depois, surge um caminhão na cidade, apinhado de soldados da Policia Militar, sob o comando do delegado-tenente Lapa, deslocado de Curitiba.
Começaram as investigações, a partir da foto.
Interrogatórios.
Depõem, um por um, os integrantes da fotografia.
Os que diziam a verdade, afinal explícita na foto, eram liberados.
Os que negavam a participação, levavam uma "tunda de laço" antes de serem colocados em liberdade.
Ninguém prestou contas a justiça.
Toda a população, ao final do inquérito, foi desarmada. E, conta-se até hoje, os policiais retornaram a Curitiba com um segundo caminhão, carregado de armas.
Numa oficina, os policiais apreenderam alguns dos muitos revólveres.
Foi o único linchamento na cidade que se tem registro na memória dos antigos moradores, como "seu" Domingos Bortot, que viu uma cidade nascer no meio do sertão, onde, de fato, viver era perigoso.

Fátima Mirian Bortot, jornalista

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Café

Histórias do Paraná - Café

Café
Nilson Monteiro

"Japonês Calabrês, foi o diabo que te fez!"
Seus olhos rasgados e molhados, engoliram o preconceito.
Cantado pela molecada, antes e depois da II Guerra Mundial.
Ou descarregado, durante o ardor do bombardeiro lá na Ásia, aqui, em Londrina, em chutes contra seu velho rádio Philips.
Japonês nada. Brasileiro, isto sim.
Primeiro nissei do Paraná, nascido em Ribeirão Claro, três dias antes do Natal de 1914, um ano depois de seus pais terem desembarcando em Santos, vindo da província de Koski-Ken, ao Sul do Japão.
Pensava tudo.
Mas nada dizia.
Se vê no rosto: filho ou neto de japoneses, tudo japonês, raça que não se confunde, fazer o quê?
Por que o diabo que fez? Ri pequeno, ajeita-se na poltrona, as pernas sobram no ar.
Massao quer dizer coragem nos direitos.
Massa significa "direitos" e O, "coragem". Suas mãos, próximas dos 80 anos, são grossas.
As unhas estão sempre de luto, cheias de terra. A testa tem a marca do chapéu, usado desde os primeiros anos para se proteger do sol na roça.
Massao e seus cinco irmão, filhos de Goichi, que procurou o Brasil para ficar rico, como fazem hoje os dekasseguis que buscam o Japão, deram duro.
Primeiro em Olavo Bilac, no estado de São Paulo; depois em Londrina.
Goichi e sua família tinha direito a uma lata de 20 litros de arroz por mês, na fazenda onde trabalhavam em Olavo Bilac.
Mas, queriam mais.
Pediram para plantar em um lugar que só dava formigas. O administrador da fazenda não se importou.
Goichi e seus filhos plantaram, espantaram as formigas e colheram 25 sacos e cascas.
Nunca mais faltou arroz na fazenda.
Por que as crianças misturam japonês com calabrês em sua sátira? Confusão da guerra? Rima com pobre?
Rica era a grudenta lama de Londrina, para onde a família mudou-se, depois de ter vendido 40 alqueires em Olavo Bilac, por 120 contos.
Massao aperta os olhos miúdos de recordações para falar da mata de perobas, do mar verde, dos bichos e do trabalho. "Minha vida é o café. Eu e meus irmãos, todo mundo trabalhava com o café. Até morrer, vou continuar plantando café. A geada mata, mas sou teimoso." Goichi, que teimava em assinar cheques com grafia japonesa, para não perder os costumes e tradições de seu país, foi enterrado em Londrina.
Permanece vivo, em uma aquarela pendurada na sala da casa de Massao.
Por que o diabo que fez? Massao espreme os olhos e não consegue explicar.
Nem entender. A Guerra, isto ele sabe, apimentou o preconceito.
Antes dela, não se exigia que descendes de japoneses tivessem nomes brasileiros.
Depois dela, era obrigação.
Tanto que os dois primeiros filhos de Massao chama-se Hiroshi e Siduka.
Os outros seis tem nomes "brasileiros" - Luiza, Maria, Tereza, Amélia, Arthur e Irene. O que interessa, ele repete, é que esta terra roxa, grudenta, vulcânica e rica é a sua terra.
Onde ele plantou suas raízes. E café. Atravessando todas as histórias de geadas, cotações, quebra, falências, replantio, pragas, queimas etc.
Traga fundo o cheiro da bebida e, entre risadinhas quebradiças, a sorve em goles assoprados. "Gosto muito de café. Japonês toma mais chá. Mas, eu sou mesmo é brasileiro. E cafeicultor".

Nilson Monteiro, londrinense, jornalista

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - A biblioteca do ano de 2000

Histórias do Paraná - A biblioteca do ano de 2000

A biblioteca do ano de 2000
Olga Maria Soares da Costa

1953...é iniciada a construção do prédio da Biblioteca Pública do Paraná, uma das obras do govemo Bento Munhoz da Rocha Netto, especialmente programada para os festejos do centenário da emancipação política do Estado.
Ninguém melhor que esse govemo para festejar o grande evento.
Trata-se de figura de tradição na política paranaense, professor universitário e um dos intelectuais mais bem identificados com a história e a cultura do Paraná.
Para o acervo atual, o espaço é privilegiado e enche de orgulho todos os paranaenses pois, desde a sua criação em 1857, a Biblioteca do Paraná já havia estado, provisoriamente, em vários prédios.
No Liceu Curitibano até 1873, no Instituto Paranaense até 1886 e no Museu Paranaense até 1932, quando foi incorporada ao Ginásio Paranaense.
Em 1937, foi transferida para o Município de Curitiba, passando a funcionar entre a rua Riachuelo e a Praça Tiradentes.
Ficou sob a jurisdição da Prefeitura até 1952, quando passou novamente para o Estado.
1993... paredes demolidas, fios arrancados, livros encaixotados, estantes desmontadas, salas de leitura fechadas... 6.000 usuários que circulam diariamente pela biblioteca estão perplexos. O que esta acontecendo? Um novo Fahrenheit 451?
No lugar das velhas, antigas e espremidas instalações, está surgindo a nova Biblioteca Pública do Paraná.
Mezaninos em construção, espaços em expansão, informação em profusão...
E no próximo ano, quando tudo voltar ao normal, um novo personagem fará parte deste cenário. O computador.
Duas bases de dados, gerenciadas pelo software Microisis da UNESCO, então possibilitando, a partir deste mês, o cadastramento dos 370.000 volumes que compõem o acervo e dos 40.000 usuários inscritos.
Os livros estão recebendo etiquetas com códigos de barra e as novas carteiras são entregues, também, com código de barras já impresso. O sistema vai possibilitar a leitura ótica destes códigos para registrar os 2.000 empréstimos/dia.
Todos os controles dos serviços de empréstimos, devolução, renovação e reserva de livros serão agilizados, eliminando as enormes filas que se formam diariamente.
Também o exaustivo trabalho dos funcionários será minimizado, pois não precisarão mais fazer mil anotações para apresentar seus relatórios, nem infinitas pesquisas para comunicar-se com os leitores inadimplentes.
Quem não tem muita paciência para consultar o Catálogo Geral composto de aproximadamente 1.500.000 fichas, poderá pesquisar autores, títulos e assuntos diariamente num terminal de computador.
Quarenta anos depois, quando em todo o Brasil se comemora a Semana Nacional do Livro e da Biblioteca, os paranaenses podem, como em 1953, encher-se novamente de orgulho. A biblioteca do ano 2000 está nascendo.

Olga Maria Soares da Costa, Bibliotecária da CELEPAR

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - A Boneca do Iguaçu

Histórias do Paraná - A Boneca do Iguaçu

A Boneca do Iguaçu
Apollo Taborda França

Harry Feeken era o seu nome.
Casado com Dona Eva Putziger Feeken e filha menor Marly. Lá pela década de 1950, entusiasta da vida e negociante que era, resolveu estabelecer-se na divisa Curitiba/São José os Pinhais, lado do rio Iguaçu, com um ambiente de restaurante e lazer para as famílias das duas cidades.
Estava criada a "Boneca do Iguaçu", pelos idos de 1956. Ficava defronte ao Armazém de Ernesto Schmitt.
Em 1958, progredindo, inaugurou aprazível Parque Infantil com honrosa presença do seu amigo Governador Moysés Lupion e Dna.
Hermínia, e mais o Prefeito Itiberê de Mattos, Deputado Erondy Silvério e convidados.
Harry, até mais que negociante, era apaixonado pela música, tocando contra-baixo e outros instrumentos.
Fez parte da inesquecível Orquestra Trianon, ao lado de outros "ases" como Pirolito (Harmin Habit). Durante longo tempo a Boneca do Iguaçu se constituiu num ponto de turismo e de atração da Cidade Sorriso.
Todo mundo ia lá. Foi local para tantas recepções políticas, sociais e artísticas, com presenças de Embaixadores, Cônsules,
Deputados, autoridades em geral, sociedade e inúmeros artistas de fama como Emilinha Borba, Silvino Neto, Dupla Ouro e Prata, etc.
Durante anos, a atração da noite era o famoso Cláudio Todisco, acordenista internacional que, após a 2* Grande Guerra, veio da Itália para o Brasil e radicou-se nesta Capital.
De certa feita, quando de uma de suas vindas a Curitiba, para lecionar música e piano, o então Professor e Maestro Guilherme Fontainha (da Escola Nacional de Música/Rio), foi obsequiado por meu pai Heitor Stockler e irmã Marita com lauto jantar na Boneca do Iguaçu.
Momentos de alegria e descontraçao que o prof. Fontainha apreciou com entusiasmo. O show da noite a cargo de Cláudio Todisco e outros figurantes.
Destes, sobressaiu-se uma dupla simpática formada por Jorge Montalban (que por muitos meses pontificou por aqui) e uma cantora que não recordo o nome.
Com grande desenvoltura no canto e dança a dupla brilhou com sucesso com Vanidad (de Armando Gonzalez) e Flor de Manacá (de Juvenal Fernandes, se não me engano). Ao final, o Maestro Fontainha expressou-se que pela noitada tão artística e acolhedora (foi homenageado) levava de Curitiba, da requintada Boneca do Iguaçu, de Harry Feeken, Todisco e dos demais, lembranças das mais agradáveis e inesquecíveis.
Mais tarde, 1965, Harry Feeken, por motivos de saúde, vendeu a propriedade ao Sr. Arthur Urban, vizinho e proprietário do Frigorífico Urban.
Hoje, a fisionomia da área onde se localizava a Boneca do Iguaçu está toda mudada, descaracterizada. O tempo passou, mas muitos ainda se lembram dessa época dourada de Curitiba. E o nome de Harry Feeken, com justiça, marcou para a posteridade, E que a vetusta estrada de terra-batida junto à Boneca, e que indo pela esquerda em frente, ligava o estabelecimento às adjacências do Grupo Escolar de Afonso Pena, à cooperativa de Laticínios e à parte lateral do Aeroporto, agora está toda afastada e a região habitada.
Essa movimentada avenida de 1,8 km, por honra ao mérito, leva o nome de Harry Feeken, um homem de visão!

Apollo Taborda França, jornalista e membro da Academia Paranaense de Letras.

domingo, 14 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Paulino faz 100 anos

Histórias do Paraná - Paulino faz 100 anos

Paulino faz 100 anos
George Roberto Washington Abrão

Campo Novo, Curitiba. 10h30 do dia 14 de novembro de 1893. O lar de Pedro Gonçalves da Silva e Izabel da Luz e Silva mais uma vez está em festa, com o nascimento de um filho, o quinto do casal.
Seu nome: Paulino Gonçalves da Silva, conforme registro n° 4.983, às folhas 166, livro n° 13 do Cartório do Io Ofício de Curitiba, confirmado pelo seu batismo, ministrado por Monsenhor Celso no dia 24 de fevereiro de 1884, na Igreja Matriz, atual Catedral Basílica de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba.
Vila do Pirahy, atual cidade de Piraí do Sul, em 09 de agosto de 1914. O jovem Paulino, agora com 21 anos de idade, desembarca do trem na pequena estação, vindo em visita a sua irmã residente no local.
Pirahy era um pequeno aglomerado de exatas 178 residências (conforme registros do próprio Paulino) sem luz elétrica, água encanada.
Porém, a beleza natural do lugar, encravado na Serra das Furnas, encantou o jovem recém-chegado. A visita, que duraria alguns dias, transformou-se em meses, os meses em anos e Paulinho nunca mais tomou o trem de retomo.
Conheceu uma jovem no local, Cacilda Wolmann, apaixonaram-se, e em 02 de outubro de 1920, casaram. A união duraria 60 anos, até o Senhor chamar Cacilda de retorno a sua morada.
No início de sua vida em Piraí do Sul, Paulino trabalhou como sapateiro até seu casamento, quando deixou o oficio, montando uma pequena industria de gasosa: "Primavera". De excelente qualidade, logo conquistou grande clientela.
Porém, como a garrafa utilizada possuía um sistema alemão de fechamento, contendo uma bolinha de vidro no gargalo, os meninos quebravam as garrafas para jogar gude com as bolinhas.
Quase quebram, também, a pequena empresa, pois as garrafas eram caras e difíceis de adquirir.
Paulino resolveu então mudar seu ramo de negócios.
Montou uma casa de frutas, comprou uma pequena carroça, com a qual também comerciava na zona rural, comprando lenha e revendendo para a rede ferroviária.
Tempos depois foi nomeado para a função de auxiliar de tesouraria na Prefeitura Municipal, aposentando-se como escriturário em 1996.
Na vida política, Paulino foi vereador por 32 anos, de 1951 a 1983, atuando ativamente desde o primeiro até o oitavo mandato para o qual foi reeleito, marcando profundamente os anais da Câmara de Vereadores piraienses pela sua honestidade, atuação profícua e vigor.
Depois de aposentado e afastado da vida pública pensam que ele se acomodou? Que nada! Pelo gosto de andar, ver amigos, conversar, Paulino assumiu a distribuição de jornais, os quais entregava de porta em porta.
Tinha então 90 anos.
Aos 95 ainda continuava na lide, quando foi motivo de reportagem de televisão.
Hoje, já bisavô de Larissa e Felipe, Paulino continua fazendo o que mais gosta: caminhar diariamente pelas ruas de sua querida Piraí, cumprimentando a todos, sempre disposto a uma boa prosa. Não há na cidade quem não o conheça e estime.
Invejável Paulino! Nesta data memorável, 14 de novembro de 1993, um século o saúda e o povo piraiense o reverencia.

George Roberto Washington Abrão, economiário residente em Piraí do Sul

sábado, 13 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Visita médica

Histórias do Paraná - Visita médica

Visita médica
João Carlos Calvo

Esta é uma história da minha Paranaguá, que não conta nenhum caso de apelido.
Foi-me narrada pelo meu falecido pai, faz muito tempo.
Deve ter ocorrido lá por 1935.
A cidade era pequena e pacata.
Todos ou quase todos se conheciam.
Como era natural, havia grupos compostos por pessoas com mais afinidades entre si.
Por isto, se reuniam quase todos os dias, sempre à mesma hora e no mesmo local. Não tinha muitas coisas para fazer e precisavam "inventar".
Já naqueles tempos tentavam salvar o Brasil...
Um dos grupos se reunia no café do Pedro, ali na rua XV, em frente à loja do "Alberto Veiga".
Sentavam-se às mesinhas, no tempo em que o cafezinho ainda era servido às pessoas que ao redor delas se aboletavam.
Certo dia estava ali, "batendo o melhor papo", quando um morador da ilha dos Valadares, naquele tempo nominado como "caboclo", se aproximou deles e se dirigiu ao Dr. Roque Vernalha, médico extremamente humanitário, símbolo maior, até pelo "volume", do saudoso tipo do "médico de
família".
- Dr. Roque, o senhor poderia ir ver minha patroa que não está passando bem?
- O que ela tem?
- Não sei, por isso estou aqui.
- Onde ela esta?
- Em casa, nas Valadares.
O bondoso e pachorrento medico, na melhor da conversa, se levantou, pediu licença, e lá se foi, junto com o marido da doente.
Eram mais ou menos 18 horas.
Ia atravessar o rio Itiberê de canoa. E voltar também! Não seria nada fácil acomodar todo aquele corpanzil numa pequena embarcação.
Dois ou três dias depois deste fato, o grupo estava reunido, como de praxe, comentando a vida e filosofando...
- Dr. Roque.
Quando o médico se virou e "deu" com o marido da mulher que fora atender dias atrás, preocupado perguntou:
- O que há com sua mulher? Não está bem outra vez?
- Está doutor, está.
- Você tem algum outro problema?
- Não doutor, não.
Eu só vim até aqui prá perguntar para o senhor se eu posso tirar o remédio de baixo
do braço da patrôa...
Pois é.
O bonachão Dr. Roque, após examinar a doente, começara de prosa com os familiares dela e depois retomara a Paranaguá.
Havia, porém, esquecido o termômetro... no "sovaco" da doente!

João Carlos Calvo, engenheiro civil

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - A mística de Tenório

Histórias do Paraná - A mística de Tenório

A mística de Tenório
Do Carmo Fortes

Candidato a prefeito municipal de Peabirú, PR, em 1957, em desvantagem nas pesquisas, Eleutério Galdino de Andrade concebeu um projeto de impacto para reverter esse quadro negativo.
Consciente de que a maioria do eleitorado compunha-se de nordestinos, concluiu que só venceria o pleito se contasse com essa massa de migrantes em seu apoio.
Aquela época, Tenório Cavalcanti, meu pai, em pleno apogeu da carreira política, encarnava todas as virtudes do homem sofrido e valente do sertão nordestino, cujas lendas adornavam-lhe o perfil de cabra macho, de "corpo fechado", sem medo, capaz de redimir os injustiçados e perseguidos.
Recorreu, então, Eleutério aos préstimos do saudoso deputado federal e presidente da UDN regional, Newton Carneiro, para interceder junto ao líder nordestino no sentido do seu comparecimento ao comício final da campanha.
Era por aí o caminho da virada eleitoral.
Além disso, residia em Peabirú um alagoano que se dizia aparentado de Tenório, o que reforçava a possibilidade da sua presença.
Para surpresa geral, Tenório aceitou o convite, acostumado a fazer sacrifícios pelos seus coestaduanos, embora sem nenhuma responsabilidade na política paranaense.
Na data aprazada, tudo combinado Newton Carneiro esperou por ele em Maringá, de onde partiram num apertado avião monomotor até Peabirú. Logo que o avião tomou a improvisada pista de terra vermelha irrompeu o bombardeiro de rojões.
Era ensurdecedor o foguetório.
Uma incalculável multidão comprimia-se na praça.
Parecia que o norte do Paraná inteiro regorgitava na cidade eufórica.
Os discursos foram longos e inflamados. O povo mostrava-se pasmo com o que via, a presença — ao vivo — do herói de tantas batalhas políticas.
Alguns chegavam até a tocá-lo para se certificarem se era verdade. O homem da capa preta em carne e osso.
O piloto do avião encontrava-se impaciente com a demora do comício, pois escurecia e o retorno a Maringá poderia oferecer sérios riscos. O sol já se havia posto quando se procedeu a decolagem.
Tenório ao lado do piloto, Bueno Neto, os guarda-costas e Newton Carneiro perceberam a temeridade do vôo, às cegas. O piloto guiava-se pelo instinto.
Os passageiros trocavam olhares assustados. Não se vislumbrava uma fogueira, um farol de carro, nada.
Depois de alguns sobressaltos, graças a experiência de Bueno Neto, foi possível descer em Maringá em meio a densa escuridão.
Um dos guarda-costas ao desembarcar, lívido e trêmulo, beijou o solo e repetiu várias vezes: "santa terrinha, nunca senti tanta falta de ti..." Tenório, visivelmente constrangido com aquela cena, indagava se o sacrifício valeria a pena.
Dias depois chegava-lhe o resultado do pleito.
Seu carisma havia funcionado.
Eleutério estava eleito.

Do Carmo Cavalcanti Fortes, escritora e artista plástica.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - O degolado 495

Histórias do Paraná - O degolado 495

O degolado 495
Valêncio Xavier

A Revolução Federalista foi a mais sangrenta que o Brasil conheceu, nela morreu mais gente do que em todas as outras que o país já teve até hoje.
Além das mortes em combate, muita gente morreu degolada.
Os maragatos de Gumercindo Saraiva não faziam prisioneiros, degolavam os vencidos.
Quando as tropas federais retornaram ao Paraná também cortaram alguns pescoços, não tantos quanto os federalistas, mas cortaram.
O degolador maragato mais habilidoso e famoso foi o Nego Adão, com não sei quantas cabeças cortadas nas costas.
No final de 1893, os federalistas invadiram o Paraná. Em janeiro de 1894, sitiaram a cidade da Lapa, o governador Vicente Machado e o general Pêgo Junior, comandante das tropas governamentais, debandaram deixando o Paraná entregue a sua própria sorte.
Os maragatos entraram em Curitiba sem disparar um só tiro, o general Gomes Carneiro ficou sem ajuda para sua obstinada resistência na Lapa. O Paraná virou terra de ninguém, com os federalistas arrebanhando gado, cavalo, comida, armas e "voluntários" para suas tropas.
Nesse clima de "Deus dará", aconteceu, em Ponta Grossa, um caso digno de filme de bangue-bangue, ou de fita de samurai, envolvendo o Nego Adão.
Munido do necessário salvo-conduto, o coronel (titulo honorífico) Souza Araújo saiu de Ponta Grossa num carroção para buscar mantimentos em sua fazenda.
Estava carregando as mantas de charque, quando chegaram uns vinte cavaleiros armados de mosquetões e espadas.
Eram os maragatos. O coronel corre para dentro da casa da fazenda e volta com sua Winchester.
Pare homem! Largue a arma senão morre, grita o comandante do bando, avançando de espada em punho. O coronel aponta e dá no gatilho, mas é laçado pelo pescoço e o tiro se perde no ar.
Começa o roubo do charque, enquanto o coronel é desarmado e amarrado.
Feita a limpeza, o bando parte a galope, puxando o coronel a pé, correndo atrás dos cavalos para não ser enforcado pela corda que tem no pescoço.
Na corrida, tropeça, cai e é arrastado pelo chão, mas consegue segurar na corda, impedindo seu enforcamento.
Quando não está mais agüentando, o bando pára na beira dum capão de mato para churrasquear.
Enquanto preparam o fogo, Nego Adão perguntava: Comandante, posso charquear o bicho? A resposta é positiva e Nego Adão ordena: Dasatem, não gosto de matá gente amarrada.
Puxa uma sebenta caderneta do bolso e vai anotando com seus garranchos o numero 495. O coronel vai ser o degolado 495. Tirem a roupa dele, o casaco tá todo rasgado, mas a camisa ainda dá pra usá. E vai afiando o facão na palma da mão: tenha medo, não coronel, a bichinha tá boa de corte.
Vendo-se perdido, o coronel tenta o último recurso, quando estão puxando sua camisa pela cabeça, segura-a, o homem que puxava faz mais força, ele larga a camisa e o homem cai no chão. O coronel aproveita a confusão e pula dentro do mato e sai correndo, se rasgando nos espinhos.
Alcança um riacho, atravessa e some.
Quando o bando chega na beira do riacho, o coronel já estava longe.
Alta noite, debaixo de chuva, seminú, corpo escoriado, rasgado por espinhos, o coronel chega a Ponta Grossa, tremendo de frio, mas com a cabeça no lugar.

Valêncio Xavier, escritor e historiador

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - As mãos do Governador

Histórias do Paraná - As mãos do Governador

As mãos do Governador
Elizabeth M de Azevedo

As batalhas travadas entre os governos estaduais e os professores sempre foram memoráveis no Paraná. Greves, manifestações, caravanas e acampamentos em frente ao Palácio Iguaçu pontuam a história das reivindicações salariais.
Ao longo dos anos, foram crescendo mágoas de ambos os lados, assim como surgiu também o reconhecimento das partes pelas dificuldades e problemas que cada qual lado enfrentou, o governo estadual às voltas com um período recessivo da economia e os professores sem ter como sustentar suas famílias.
Ninguém saiu ileso, é verdade.
Hoje, numa situação mais tranqüila, é possível até mesmo recordar fatos hilariantes.
Durante o governo de José Richa, num desses embates inesquecíveis, as lideranças anunciaram a realização de uma greve geral com data marcada. O governo reagiu, dizendo que poderiam fazer a greve pelo tempo que quisessem, que o Estado não iria atender as reivindicações. E mostrou-se irredutível, recusando-se até mesmo a receber a comissão de representantes.
Um grupo de 13 professores, vindo de várias cidades, juntou-se e decidiu esperar o governador no aeroporto, único local acessível para uma conversa.
Horas e horas de espera e nada de Richa.
Dezenas de cafezinhos, conversas, o discurso que deveria ser feito para o governador na ponta da língua, repetindo como o bê-a-bá.
Lá pelas tantas, quando todo mundo já estava prestes a desistir, eis que chegava Richa.
Ar cansado, seguranças dando pressa, assessores querendo impedir o grupo dos 13 de se aproximar para não irritar mais o homem.
José Richa, em meio ao tumulto do pequeno grupo que, inesperadamente, o cercou, começou a dar a mão para cada professor, afável, mas rápido, sem dar tempo para conversar.
Tudo ia bem, até Richa dar de cara com um antigo ativista da categoria, Luiz Teodoro Garcia, de Londrina, conhecido por suas posições moderadas nas assembléias, sempre tranqüilo e dispostos a resolver mais problemas técnicos das manifestações do que propriamente ideológicos.
Jamais fora visto com os chamados "incendiários".
Garcia, para surpresa de seguranças, assessores e, principalmente, dos próprios colegas, agarrou a mão do governador com toda a força e disse:
- "Agora, o senhor vai ouvir tudo o que os professores tem para lhe dizer".
Richa tentou puxar a mão e Garcia veio junto.
Ficaram frente a frente. O discurso começou.
Reivindicações, penúria dos professores, manifestações e greves.
Richa ouvindo, ora olhando para Garcia, ora para os seguranças, ora para os professores. E as duas mãos lá, coladas.
Garcia sentia o suor escorrendo entre os dedos, sentia puxões de vez em quando, cochichos dos seguranças, mas não desistiu.
Falou tudo o que pretendia e só então soltou, finalmente, a mão do governador.
Richa, meio constrangido, meio aliviado, disse que ia pensar.
Se pudesse atenderia as reivindicações. E foi embora.
Garcia, abraçado pelos colegas, se transformou no herói daquela noite.
Para ele, enfrentar uma autoridade daquela forma, fora uma atitude mais pessoal do que coletiva.
Era preciso salvar a dignidade do grupo que, depois de tão longa espera, não poderia ir embora de boca calada.
Dois dias depois, o governador José Richa atendeu às reivindicações dos professores e a greve, marcada e anunciada como a maior de todos os tempos, foi cancelada.

Elizabeth M. de Azevedo, professora secundarista estadual

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - A maioridade da mulher paranaense

Histórias do Paraná - A maioridade da mulher paranaense

A maioridade da mulher paranaense
Alzeli Bassetti

Se o primeiro brado pelas "Diretas Já", em 1984, se constituiu num momento de amadurecimento político do PR, foi também ele que detonou o grande salto para a organização e integração das mulheres paranaenses.
Até então, havia a bravura isolada das pioneiras, mais voltadas ao social que propriamente à condição feminina. O movimento pelo voto universal à presidência da República foi o agente integrador entre as associações já existentes e o engajamento político feminino.
Recém-chegadas à militância partidária, oriundas da campanha de 82 ao Palácio Iguaçu — em que deram mostras de grande potencial - as mulheres perceberam o momento propício à participação no processo político.
Para tanto, revitalizaram o departamento específico do PMDB, inseriram-se nas zonais e organizam-se nas grandes cidades do interior.
Conquistaram representatividade no Diretório Regional e elegeram, pela via direta, a 1a representante na Executiva.
Aparando divergências circunstanciais, formularam estatuto próprio, cuja Carta de Princípios definia posicionamentos relativos à política nacional e expressava objetivos referentes à condição feminina na política estadual.
As Diretas Já foram a plataforma para semear PR adentro essas diretrizes, fomentado o surgimento de lideranças e espraiando as reivindicações, que, mais tarde, seriam levadas à Constituinte.
Havia ainda que interiorizar o Conselho Estadual e vinculá-lo com o nacional.
Uma tarefa maiúscula!
Assim floresceu a politização das mulheres e a primeira inserção delas num movimento de alcance nacional.
Bravas e determinadas, tiveram voz e vez em todos os palanques, através de representantes previamente eleitas por lideranças femininas de cada região paranaense.
Entretanto barreiras, algumas neófitas na arte de falar em público, fizeram ecoar o grito pela democracia e pelos direitos da mulher-cidadã inclusive em Brasília.
Um fato inusitado e ilustrador do contexto ocorreu num vôo Curitiba— São Paulo-Brasília, que levava paranaenses ao grande encontro de
5.000 mulheres brasileiras no Congresso. O piloto clamou pelas Diretas e deu-se um minicomício a bordo, com a então deputada Beth Mendes falando pelas mulheres.
Terra e ar exalavam o sentimento democrático.
Essa participação com identidade própria num dos mais bravos momentos brasileiros, serviu de modelo inspirador para outra conquista, como a Delegacia da Mulher e a Polícia Feminina, extrapolando as fronteiras partidárias, inspirou ou revitalizou associações e entidades femininas hoje relevantes na sociedade: a Associação de Mulheres de Carreira Jurídica, a Boca Rouge e o Banco da Mulher, entre tantas outras, que diariamente registram, a pena de ouro, a presença feminina no livro histórico do Paraná.

Alzeli Bassetti, escritora e tradutora

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Rosas de Curitiba

Histórias do Paraná - Rosas de Curitiba

Rosas de Curitiba
Beatriz de Quadros Ribas

Eles estavam de passagem.
Eram jovens saudáveis, vindos de Estados do sul em plena crista da revolução da Aliança Liberal.
Corria o ano de 1930. Ficaram aquartelados na Sociedade Juventude à rua Carlos de Carvalho.
No garbo de seus uniformes oficiais, gozavam do prestígio da farda, e sua postura ereta e da hierarquia superior de seus postos.
Era época do brilho social dos tenentes e aspirantes.
As moças da vizinhança, florões de beleza e juventude, se entusiasmaram e vinham para a calçada conversar e rir com os jovens oficiais.
Como nunca, a quadra da rua Carlos de Carvalho teve o seu toque de alegria e elegância.
Por uns dias, só se ouvia falar dos oficiais e suas proezas.
Eram as moças do grupo dos 16 e 18 anos.
Eu pertencia à turma dos 10 e 11 anos, que ficava de espreita vendo o outro grupo se movimentar.
Chegou o dia da partida.
Os preparativos começaram no dia anterior.
Nossa casa, como todas as casas da época, tinha um jardim na frente e outro lateral. A predileção de meu pai era pelas roseiras, que cultivava com carinho.
Eram roseiras de diversas espécies, tamanhos e cores: Rainha Elizabeth, Charlotte, Príncipe Negro, Bisqui, Durski, esta de cor branca e rosa, e outras, cujo nome não recordo.
O jardim na oportunidade estava lindo e florido.
As moças indo e vindo alvoroçadas.
Os oficiais preparando seus comandados em grupos, para marcha, que seria a pé até a estação ferroviária.
Todos os moradores sairam de suas casas para assistir a partida.
As jovens casadoiras, na calçada, aplaudindo diziam: "Palmas aos heróis, palmas aos heróis". Parece que estou a ver a cena novamente.
Em grupo, as jovens se aproximaram para falar com papai: pedir-lhe rosas para oferecer aos oficiais.
Foi solicitada uma tesoura. Lá fui eu buscá-la.
As rosas todas foram cortadas com carinho e entregues às mocas, cujos olhos brilhavam de alegria.
Das mãos das belas jovens foram as rosas para as mãos dos oficiais, que as colocaram no cano dos fuzis.
Eles fizeram continência.
Deram ordem de partida.
As moças bateram mais palmas.
Todos na calçada as acompanharam e os pelotões seguiram, levando em seus fuzis rosas de Curitiba.
Naquele momento, as rosas simbolizavam a alegria, a juventude, a esperança e o adeus de jovens curitibanas.

Beatriz de Quadros Ribas, professora aposentada e membro do Centro Paranaense Feminino de Cultura.

domingo, 7 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - O goleiro argentino

Histórias do Paraná - O goleiro argentino

O goleiro argentino
Luiz Groff

Todos os meninos da rua imaginavam ser jogadores de futebol.
No caminho da escola, matavam a bola no peito, driblavam o gol entre as árvores e saltavam comemorando.
Eram todos craques no campo dos sonhos.
Vi pelo rádio o Ademir, dentro da área, levantar com a direita, bater de esquerda e derrotar o Botafogo no último jogo do supercampeonato de 46. No Rio, fiquei Fluminense para sempre.
Mas muitos anos antes, em Curitiba, a escolha estava definida.
As brincas, na calçada, ora era o Neno, do Coritiba, ora o Caju, do Atlético.
Ferreira do Ferroviário, nunca, era negro.
Um dia apareci de joelheiras, um pulôver velho de mangas compridas, era o Sandro, goleiro argentino do Coritiba.
Escolha definitiva.
Como Sandro, com saltos felinos, ralava meus cotovelos nas pedras da calçada, engolindo a dor, goleiro argentino não chora nem com bolada no saco.
Isto deve ter sido por volta de 1943, só alguns anos mais tarde fui ao meu primeiro jogo.
No Joaquim Américo, com chuva forte, o Coritiba perdeu para o Atlético, por 4x2.
O goleiro era o Eduil Zanicotti, baixinho, não tinha um metro e sessenta, mesmo saltando tudo, mal tocava no travessão. O Eduil foi o menor goleiro do mundo.
Eduil, atroz decepção, não por ser baixinho, já que eu nem sabia que goleiros eram altos, mas por ser meu vizinho.
Que graça tinha vestir o uniforme e se matar nas pedras, para ver um sujeito que morava ali na Rua Sete, virando a esquina?
"The girl next door" é uma mentira do cinema, a garota da nossa rua nunca fez sucesso, e se fez, sabe-se de que jeito, deixando-se bolinar na sombra do portão...
ívíitos moram longe, goleiros da Rua Sete de Setembro, um ova, Sandro era da Calle Florida.
Anos mais tarde, reunidos no Clube do Copinho do Malu, do Canal 12, esportistas de algibeira duelavam trocando conhecimentos, para impressionar a platéia. O Mazza citou Perez, Lalo e Zequinha, linha média do Juventus. O Réginis Prochmann a linha do Palestra Itália: Formiga, Bastinhos, Bonato, Mário e Valdomiro.
Para não perder, botei o Sandro na conversa.
- Sandro? Que Sandro? Este cara não existe!
Consultamos vários coxas enciclopédicos, chegou-se ao Belo que deu uma porrada no Cireno, ao Bino que foi para o Corinthians, o Ari do Botafogo e da seleção, mas não se encontrou nenhum Sandro, o goleiro do Coritiba.
Aroldo Fedato lembrou-se vagamente de um goleiro argentino, muito acrobático, que arrombou nos treinos, jogou uma única vez, contra o Atlético, cercou alguns frangos e foi mandado embora, com fama de vendido.
O que é o imaginário, virei Coritiba, com todas as insônias e angústias de direito, por causa de um Sandro inexistente, um miserável, com nome de veado (O Coxa perdeu ontem...) Vai ver, quem nem era argentino...

Luiz Groff, engenheiro e cronista

sábado, 6 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Rua XV, ou Um aprendizado

Histórias do Paraná - Rua XV, ou Um aprendizado

Rua XV, ou Um aprendizado
Rubem César Keinert

Pela Rua XV fazia-se a travessia curitibana para o mundo adulto.
Ah, rua onde passei minha adolescência e passeavam as adolescências da cidade em flor.
Final dos anos 50, Curitiba ganhando corpo, o Centro Cívico, a Biblioteca Pública, os primeiros arranha-céus.
Acabavam-se os bondes, começavam a aparecer-nos letreiros dos ônibus e lotações — nomes de bairros que não se sabia onde ficavam.
Santa Quitéria.
Santa Cândida.
Pinheirinho. A cidade espichava, adolescentemente.
Na Rua XV ouviam-se e discutiam-se assuntos "adultos": adultérios reais ou presumidos, sobretudo presumidos, acertos e desacertos do governo (fosse qual fosse), o que tinha feito o Dr. Bento, o que deixava de fazer, a volta do lupionismo, a ascensão do braguismo, a roubalheira, as mamatas.
Reais ou presumidas.
Falava-se. Cochichava-se. Inventava-se.
A cidade fervia.
Muito dinheiro correndo com a construção de estradas e obras públicas, com a venda de terras no Norte, com a serraria e exportação de madeiras, com café; algum dinheiro, ainda, com gado, com mate. E esse dinheiro passava pela Rua XV. Nos carrões, nas roupas e bugigangas importadas, nas jóias e penteados das senhoras e mocinhas, nas compras da família (as famílias iam às compras na Rua XV nos horários adequados; e depois tomavam lanche na Schaffer, na Confeitaria das próprias, nas Lojas Americanas.
Como hoje? Olhares gulosos, cobiçosos. E comentários jocosos.
Maldosos.
Alguém escreveu sobre a maledicência curitibana como entrave ao desenvolvimento local.
Delícia.
Todos falavam, todos ouviam.
Estava lá o imenso repertório de informações, mexericos, opiniões comuns ou desencontradas de cada momento, o corpo de conhecimento que tornava cada um em cidadão curitibano. O diz-que-diz da cidade como moeda de troca para o ingresso na vida adulta. E como matéria para discussão que se estendiam pela noite e obrigavam a chegar tarde em casa.
Inesquecíveis noites frias de luar em Curitiba.
Os pais não sabiam que elas existiam e como eram incríveis apreciadas das ruínas do Alto de S. Francisco.
Rua XV. Da Boca, na Avenida ao Alvoradinha, perto do Correio velho.
Que mundo, que tipos: Bataclã, gentleman e propagandista de rua; o outro propagandista (que fim levaram os propagandistas?) que andavam sobre imensas pernas-de-pau e quando em trajes civis levava sempre um guarda-chuva fechado e apontando para cima, compenetrado como quem carrega um círio em procissão; o Esmaga, honorável funcionário público e vagabundo convicto; a Maria Marcha Lenta, sempre com um sorriso para a recusa de compra dos seus bilhetes e com uma história triste para contar; o dono da casa lotérica do "fim" da rua que um dia saiu distribuindo dinheiro a quem encontrasse, talvez cansado de ver tantas esperanças frustradas passando pelo seu balcão.
Rua XV dos tipos falantes, onipresentes em todas as rodas, atiçando as discussões.
Polemizando, sempre dispostos a conseguir adeptos para a causa do dia ou de todos os dias.
Rua XV: primeira lição de humanidade.

Ruben César Keinert, sociólogo pela UFPR, professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da FGV

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - As botas das moedas de ouro

Histórias do Paraná - As botas das moedas de ouro

As botas das moedas de ouro
Túlio Vargas

Não se trata de um conto de Grimm, nem de Andersen, mas de uma história realmente verdadeira. E sabido que os antigos não confiavam nos brancos para depositar dinheiro.
Usavam dos mais ardilosos artifícios para esconder as economias, longe dos olhos cobiçosos dos estranhos.
Conta o livro "Tenório — o homem e o mito", de Do Carmo Fortes, que o coronel Felino Tenório, parente e protetor do seu pai, costumava guardar a pecúnia em grandes baús, no porão da sede da fazenda, autênticos cofres-fortes vigiados por fiéis serviçais, armados até os dentes.
Aconteceu, certa vez, que a insalubridade do porão fez apodrecer o dinheiro em papel e as moedas perderam o valor, já fora de circulação.
Era assim que funcionava o sistema financeiro particular da época, apesar desses descuidos e prejuízos.
Era a rotina do sertão nordestino.
Havia outros ricos, todavia.
Desses exemplos, conta-nos Ermelino de Leão a morte de José Luiz Gomes, em Antonina.
Português trabalhador, bafejado pela fortuna, conquistou logo posição de relevo no comércio e na incipiente indústria do litoral.
Encontrava-se entre os homens mais ricos da
Província do Paraná.
Apesar de toda abastança era infeliz. Não gozou a ventura da paternidade e sofreu o desgosto de perder a esposa ainda jovem.
Direcionou todo seu afeto pela família restante.
Amparou o velho pai e a madrasta, mesmo quando viúva.
Preocupava-lhe o vulto dos seus haveres, entretanto.
Quase sozinho, sabia que despertava a inveja e a ambição dos que lhe cercavam.
Servia-lhe de cofre uma bota cheia de moedas de ouro.
Percebia os olhos compridos e atentos da criadagem.
Resolveu precaver-se.
Ocultou a bota, encravada em grossa parede, rebocada de novo.
Era esconderijo seguro.
Assim pensava.
Passaram-se os dias e semanas.
Certo domingo, ausente da fazenda os familiares, José Luiz praticamente só, aconteceu o assalto.
Os escravos assassinaram-no e fugiram depois do saque, levando tudo.
Desapareceu a poupança acumulada durante anos e anos.
Descoberto o crime, dona Dorothéia, a sogra, providenciou que, ao encalço dos criminosos, seguissem escoltas. E prometeu vultuoso prêmio a quem lhe trouxesse as cabeças.
O bandido homicida foi encontrado na ilha do Goulart.
Cercado, não resistiu.
Procedeu-se, então, a execução sumária.
Os cadáveres foram conduzidos para Antonina e depois para a fazenda de José Luiz.
Esquartejados e expostos em postes, como lição.
O desditoso lusitano deixou testamento, legando aos pobres parte de suas propriedades. O sítio do Pinheiros, com os engenhos, ao seu sobrinho e afilhado Francisco Cordeiro Gomes.
Esse crime, que abalou a população litorânea, modificou por algum tempo os hábitos em voga de guardar dinheiro em casa.

Túlio Vargas, ex-deputado, membro da Academia Paranaense de Letras.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - São Tomé andou por aqui

Histórias do Paraná - São Tomé andou por aqui

São Tomé andou por aqui
Marina Martins Gouveia
Isso mesmo. São Tomé, o apóstolo que num primeiro momento duvidou da ressurreição de Cristo, andou por aqui.
Aqui mesmo, no Paraná. E em vida.
No século XVII, nenhum cristão vivente por estas plagas ousaria duvidar disso.
Afinal, foram os próprios pregadores jesuítas que se encarregaram de difundir a informação, logo transformada em verdade de fé. Os Padres até descreviam em detalhes o roteiro seguido pelo santo no território que hoje é o Paraná, as florestas que venceu, a caverna onde descansou, o rio em que saciou sua sede.
O jesuíta José Cataldino, por exemplo, numa narrativa de 1613, nos conta que São Tomé deixou seu rastro nas cabeceiras do Rio Piquiri, e também andou pela região de Guaíra e na foz do Iguaçu, onde pregava aos índios (o que pregava ele não diz), postado no penhasco mais alto das cataratas.
Isto, vale ressaltar, há quase dois mil anos, quinze séculos antes, portanto, do descobrimento do Brasil pelos portugueses.
Como o santo viajou da Palestina, onde vivia, até aqui foi um mistério por muitos e muitos anos.
Ele poderia ter se transportado milagrosa e instantaneamente, afinal era santo.
Mais recentemente, porém, o folclorista e crente Heitor Moniz dedicou-se a traçar os possíveis itinerários do santo desde o oriente até esta Terra de Santa Cruz.
Seriam três os possíveis caminhos, sustenta Moniz.
Os dois primeiros, atravessando o Atlântico, incluem uma passagem pela misteriosa Atlântida, o continente desaparecido. O terceiro, um roteiro do ocidente para o oriente, inclui passagens pela Ásia, Sibéria, estreito de Behring, Alasca, América do Norte e Central e, finalmente, o Brasil.
Qualquer que tenha sido o caminho, garante Moniz, "o reide do discípulo de Jesus terá sido o maior que se registra na história da humanidade."
Obviamente, São Tomé não esteve apenas no Paraná em sua passagem por terras brasileiras.
No nordeste se acredita que o santo também andou por lá, e em Pernambuco há marcas em pedra reverenciadas como pegadas indeléveis do santo.
Mas foi aqui, no Paraná, segundo pregavam os jesuítas, que lhe estava reservada uma missão vital.
Teria sido São Tomé quem apontou aos índios guaranis as propriedades nutricionais da erva-mate, ou "caá-Icira", bem como ensinou o seu modo de preparo.
Daí porque até hoje São Tomé é o protetor da erva-mate, que sustentou o primeiro grande ciclo econômico do estado.
E, sem dúvida, uma bela história essa que os jesuítas contavam.
Na verdade, soube-se tempos depois, os padres apenas se apropriaram de uma lenda indígena com o intuito de mais facilmente evangelizar os guaranis.
Pela lenda original, foi um enviado do próprio Tupã, chamado Zumé, quem ensinou aos índios o preparo e consumo do mate.
Zumé virou Tomé, o enviado do novo Tupã que os jesuítas vinham anunciar. A adaptação funcionou.
Apesar de nada original.

Marina Martins Gouveia, de Toledo, professora aposentada e pesquisadora

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Tragos

Histórias do Paraná - Tragos

Tragos
Nilson Monteiro

I
Bico do umbigo no balcão, ele não gasta saliva à toa. A língua, navalha para os inimigos e seda para os amigos.
Papo aceso, fácil, enfia-se pelas brechas do mundo, competente, garimpando
informação e batucando as teclas, viciado em notícias. E o mesmo a qualquer hora do dia: puro jornalista.
Com ou sem gelo.
Biritinha aparece na Redação da "Folha" às 8 da matina. E convida: "Vamos numa?" A essa hora, Biritinha??? A resposta é filosófica: "Cana não é remédio". Eu suspiro: as grades não são, realmente, solução.
Biritinha esfria: "Não tem hora para ser tomada". E, saltando de dois em dois degraus, vai pro balcão do Lema.

II
Doutor Vergara, louco de bueno, tchê! Foi, durante anos e anos, editor de notícias internacionais da "Folha de Londrina". Fanático torcedor do Internacional, sempre com uma camisa rubra dos pampas sob qualquer outra (aliás, outras sempre puídas nos punhos), o advogado Vergara ensinou a gerações da "Folha" os mistérios, segredos e o mais puro dia-a-dia do jornalismo.
De uma simplicidade aguda, não economizava emoções ao falar da dignidade da profissão, dos quilômetros de telex que devorava todo dia, das qualidades de seu velho Gordini, das mãos sujas do trabalho, também diário, em uma horta que supria a todos na Redação, do pomar cultivado em sua chácara...Falava alto, explosivo e amistoso.
Com todos nós, inclusive com seu filho, Vergarinha, que não sei se ainda trabalha na Revisão do jornal.
Tinha lá suas manias.
Uma delas: preparar a caipirinha que, sem modéstia, chamava de "a melhor do mundo". Depois de fechar sua página e deixar algum plantão escalado, nas tardes de sábado, juntava o bando na chácara onde morava. A receita: conversa das boas, pinga da melhor qualidade, açúcar, e limão.
Limão, aliás, colhido em plena sala de sua casa.
De um limoeiro que foi plantado, cresceu e aproveitou-se de enorme e descuidado buraco no piso para reinar na sala do doutor Vergara.
Garanto que era uma flor.

III
Tenente só trabalhava turbinado.
Na cidade ou na estrada, calibrava com a branquinha, separando, religiosamente, o gole do santo.
Na "Folha", onde ele trabalhou muitos anos, todos sabiam de seus tragos, mas poucos ligavam.
Atencioso, dirigia bem, respeitando as mais elementares leis do trânsito.
Era, sim, querido pelos repórteres: milongueiro, interessado e interessante, pleno de histórias, verdadeiras, inventadas, língua solta estalando.
Na boléia do fuscão, corria chão, costurando roteiros pelos botecos.
Pontual, não perdia compromisso. O jornal tinha que estar a tal hora em Paranavaí? Lá estava. O repórter tinha que chegar quase junto das notícias em Foz? Chegava. O fotógrafo tinha que se antecipar aos fatos em Maringá? Antecipava-se.
Tomava uminha antes, no bar ao lado da garagem da "Folha", e outras pelo caminho.
Mas, não cometia loucuras além dessa.
Naquela madrugada, lotou o Fusca de jornais (na década de 70, a "Folha" entregava os jornais pelo Estado com seus próprios carros) e, para espanto da turma da Circulação, não aceitou tomar a purinha.
Nenhuma.
Para espanto ainda maior dos botequeiros, velhos conhecidos, não parou em nenhum dos bares no mapa Londrina/Curitiba.
Na serra antes de Campo Largo, quase dia nascido, encostou o Fusca na proteção lateral da estrada.
Desligou o motor do carro. E o seu.

Nilson Monteiro, jornalista

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Papai Noel x Vovô índio

Histórias do Paraná - Papai Noel x Vovô índio

Papai Noel x Vovô índio
Ruy C. Wachomcz

No final do século XIX e início do XX, eram bastante acentuados os conflitos aculturativos detectados na sociedade curitibana.
Os estrangeiros com seus descendentes formavam um contingente respeitável na formação da população.
Em tais circunstâncias, eram inevitáveis as trocas e influências etno-culturais existentes.
Procurando minimizar essa aculturação, alguns elementos de origem luso-brasileira, que se consideravam "patriotas" e "nacionalistas", começavam a criticar as influências que os imigrantes já começavam a exercer.
Esse comportamento detectava-se inclusive nas festas e nas tradições natalinas comemoradas de formas variadas pelos diversos grupos.
No Paraná, os luso-brasileiros praticamente não possuíam tradições natalinas.
No máximo era uma ceia, o comparecimento à tradicional "missa do galo" e bailes onde destacava-se uma "caboclinha no jeito", uma "chimarrita" e o violeiro no fundo do salão, cercado de inúmeros admiradores.
A partir da segunda metade do século XIX, nas colônias ao derredor da capital surgem as figuras do "presepe", do "pinheirinho" e pouco mais tarde o chamativo Papai
Noel. O presépio foi melhor aceito pelos luso-brasileiros: afinal já existia o culto do "Menino Jesus" oriundo de Portugal.
Com relação ao "pinheirinho" e à figura do Papai Noel, as reações foram mais fortes.
Os "pinheirinhos" cobertos de pedaços de algodão, imitando a neve e enfeitados com objetos reluzentes (considerados quinquilharias desgraciosas), eram costumes introduzidos na cidade pelos alemães e poloneses. O algodão imitando a neve era visto como costume anti-brasileiro, deformador da mente infantil, já que em dezembro não havia neve e a temperatura podia chegar a 30°C.
Foi o Papai Noel a figura que recebeu mais críticas.
Essa tradição, oriunda do folclore nórdico, foi introduzida no Brasil, sob a versão francesa, e divulgado no mundo pelo capitalismo protestante.
Alguns em Curitiba viam-no sob a ótica do ridículo, vestido de "capotes siberianos" e peles "groelândicas", andando de trenó, e tendo seus cabelos, barba e rebuço salpicados de flocos de neve: exotismo caricato.
Era assim que "eles" (os imigrantes) comemoravam o nascimento do Menino Jesus.
Logo após a Revolução de 30, com o nacionalismo à flor da pele, cariocas, paulistas e paranaenses tentaram substituir essa figura escandinava por uma outra, "tupiniquim", mais brasileira.
Criaram a figura do "Vovô índio", substituto artificial da figura do Papai Noel.
Pensavam seus criadores que estavam dando o primeiro passo para "abrasileirar o Brasil".

Ruy C. Wachomcz historiador e professor da UFPR

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Beau Gest frustrado

Histórias do Paraná - Beau Gest frustrado

Beau Gest frustrado
Haroldo Frota

O ano de 1963 transcorria calmo e tórrido.
Calmo para nós, jovens de 18 anos, que ainda não nos dávamos conta das inquietações políticas que culminaram na revolução de 64, e tórrido no sentido literal, mercê de uma estiagem prolongada e dos imensos incêndios florestais que assolavam o Estado, tornando Curitiba ainda mais cinzenta.
Piolli, como eu, era recruta na saudosa 5" Companhia do Quartel General, sediada no velho quartel da Rui Barbosa, hoje misto de terminal de ônibus e mercado persa.
De família abastada, era do tipo folgazão e um tanto avesso a rigorismos de conduta, muito embora fosse uma pessoa boa e responsável, fato que me levou a elegê-lo como amigo.
Eu, por meu turno, tinha algumas manias não muito condizentes com a idade.
Atravessava a rua na faixa, gostava de música clássica, não pisava na grama e não jogava lixo no chão, dentre outras coisas.
Findo o Treinamento Militar, e logo após o Rancho (almoço), nossa missão era nos deslocarmos ao Quartel General da 5* Região Militar, que na época ocupava o prédio hoje conhecido como O Solar do Barão, onde desempenhávamos atividades diversas.
Piolli era motorista e eu funcionava como revisor do Boletim Diário editado pelo QG, fazendo as vezes de um Sub-Tenente cujo nome já esqueci.
Um certo dia, recebemos tangerinas como sobremesa do almoço, e imediatamente iniciamos a caminhada até o Quartel, onde nosso expediente começava meia hora depois.
Fui descascando minha fruta e guardando as cascas na mão, para jogá-las na primeira lata de lixo que encontrasse.
Piolli, como sempre irreverente, ia jogando cascas pra tudo quanto é canto, deixando um rastro na calçada, o que naturalmente mereceu minha censura, já que nossa amizade me permitia essa liberdade.
Quando chegamos na Rua XV de Novembro, e Piolli já tinha jogado no chão todas as suas cascas, indiferente aos meus reclamos, avistei uma daquelas latinhas de lixo suspensas em poste de luz, que então eram feitas de lata.
Era exatamente o que eu precisava.
Orgulhoso do meu "Beau Gest", e ávido por dar um bom exemplo ao meu "porcolino" amigo, aproximei-me da lata de lixo e, teatralmente, ali depositei as cascas que mantinha na mão.
O efeito não poderia ter sido mais desastroso. A maldita lata de lixo, enferrujada, estava já sem fundo e as cascas, obviamente, espalharam-se todas pela calçada, fazendo meu companheiro se contorcer de tanta risada.

Haroldo Frota, bacharel em Direito