sábado, 27 de agosto de 2016

Histórias do Paraná - Duas histórias de cadeia

Histórias do Paraná - Duas histórias de cadeia

Duas histórias de cadeia
Cristóvão Cavalcante

1950. Surgia o "Patrimônio Kaloré", município de Apucarana.
Para lá foram centenas de trabalhadores rurais para as derrubadas de mato e formação dos cafezais.
Esses homens eram arregimentados por líderes conhecidos por "gatos". De todos, um se destacou pela seriedade na execução dos serviços, pela capacidade de aglutinar e pela disciplina que impunha aos seus comandados.
Pela cor da pele era conhecido por "Gato Preto" e assim se apresentava.
Era a figura mais popular da povoação nascente.
Empreendedor, logo montou uma "venda" para fornecer cachaça, fumo e comida para os trabalhadores.
Para evitar "a fuga" de divisas, montou a "Boite Gato Preto" onde, na prática, recebia de volta a sobra dos salários dos freqüentadores.
Não se conformava que a localidade não tivesse uma cadeia, onde deveriam ser recolhidos os bêbados e desordeiros que tumultuavam as noitadas da boite.
Havia um soldado da Polícia Militar, mas sem autoridade por não poder demonstrar seu poder, prendendo as pessoas.
Gato Preto, na cruzada cívica pela construção da cadeia, ficou desiludido com as negativas e as promessas das autoridades.
Homem de ação como sempre fora, resolveu, às suas expensas, em terreno de sua propriedade, construir o prédio para a cadeia, inaugurado com festiva entrega da chave ao Policial Militar, dando-lhe condições de "cumprir com seu dever".
As "bebemorações" pelo evento foram na boite.
Gato Preto, eufórico, abusou das doses e transformou-se em felino violento, ameaçando os convidados, armado com faca, baldados os esforços para contê-lo.
Trancafiá-lo na cadeia foi a única opção que restou ao soldado. Lá ficou até a manhã do dia seguinte, quando foi solto sob o riso da população.
No mesmo dia, aproveitando a ausência do policial, Gato Preto reuniu seus homens e, em poucas horas, demoliu o prédio que construíra com tanto entusiasmo e civismo.
Ficou na história do lugar como o homem que construiu, foi o único preso e demoliu a primeira cadeia de Kaloré.
Em 1954, a localidade de S. Pedro do Ivaí foi elevada à categoria de distrito.
João Furtado, um pioneiro, pacificador nato no meio de gente irrequieta, foi, por consenso geral, indicado para ser o primeiro Sub-Delegado de Polícia.
Os casos mais graves eram levados para a Delegacia da sede da Comarca, onde tramitavam os processos. O Sub-Delegado se limitava a interferir nas brigas entre vizinhos e nos pequenos casos que pudessem ser resolvidos por conciliação. O maior problema eram as bebedeiras de fim de semana, quando havia necessidade de tirar alguém de circulação "até o porre passar".
A cadeia era caixote reforçado construído debaixo de um galpão, com piso de chão batido, frio e úmido.
No povoado existia um tipo popular, Zulmira de tal, alcoólatra, que periodicamente era preciso prender para lhe curar as carrapanas.
Naquela noite, mais uma vez Zulmira fora "encaixotada". Era um sábado (sempre sábado!) de chuva e frio.
Um forasteiro, bêbado também, foi preso e colocado no mesmo cubículo.
Domingo foi dia de chuva o dia inteiro e só na segunda-feira o Sub-Delegado
soltou os dois, depois das recomendações de praxe.
Do preso, nunca mais se teve notícias.
Três meses depois, estavajoão Furtado em seu Gabinete quando, sem pedir licença, entrou Zulmira, desta vez sóbria mas furiosa, acusando o Sub-Delegado de responsável pelo filho que tinha nas entranhas, fruto daquela prisão correcional, em noites frias, junto com um homem que ela nunca vira antes, nem sabia que rumo havia tomado depois.
E aí, Sub-Delegado, como é que fica?

Cristóvão Cavalcante, advogado aposentado, pioneiro no Norte do Paraná


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