sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Histórias do Paraná - Rio do Mello

Histórias do Paraná - Rio do Mello

Rio do Mello
Luiz Romaguera Neto

Quase um século nos separa dos dias fraticidas, no dizer do Marechal Bormann, em "Dias Fraticidas", vividos por nossos ascendentes no decorrer de Revolução Federalista.
Alguns historiadores escreveram sobre o assunto. Há livros, não muito lidos, que relatam os fatos vividos.
Entre as histórias que se contam, conto uma.
Como a resistência imposta à tropa federalista na Lapa, correu em União da Vitória a notícia que o Oficial da Marinha Pio Toreli ali vivia para levar os vapores para Rio Negro, preparando, assim, a fuga do General Piragibe para o sul.
Aquele oficial voltara a Rio Negro, mas seus companheiros, bandidos desqualificados, praticaram atos atrozes.
No vapor que os conduziu pelo rio Iguaçu, iam presos o polaco Bernardino Kokrane e os brasileiros Fernando Marques, o velho octogenário de nome Portes, Lícinio de Mello e Isidoro José Barbosa, legalistas.
Ao velho Portes, morador do sítio Roseira e tido como homem rico, foi proposto resgatar sua vida por dez contos de réis. O preso declarou não ter essa quantia.
Então lhe disseram que seria liquidado, ao que estoicamente respondeu: - "O homem nasceu para morrer." A faca sicária entrou em ação. O velho, espadanando-se, salpicou com seu sangue para sempre a consciência de seus assassinos.
Anacleto era o nome do carrasco; e, com este, já eram 48 as suas vítimas.
Os outros presos, vendo que suas vidas nada prestavam naquela situação, recorreram ao Sr. Joaquim Luiz Gomes dos Santos (Nhoca), que também fazia parte do grupo, e que, homem bom e generoso, não concordava com a barbaridade que acabara de presenciar.
No dia seguinte, o cidadão Abel Caim de Souza e Lima lavrou enérgico protesto contra o miserável crime.
Pagou com sua própria vida.
Nessas condições, lembrando-se do prometido aos outros presos pelo Nhoca, Lavrador, chefe revolucionário ali presente, pôs fim às barbaridades, deu um basta aos si-cários.
Essa gente não queria protesto; só aceitava silêncio ou francos aplausos.
Os protestos provocaram suspeitas; estas, as degolas.
Pouco depois daqueles crimes cometidos e com os presos já entregues, voltavam os assassinos a bordo do navio Potinga, quando foram interceptados pelo tenente Francisco Bacelar.
Este meteu a pique o vapor que os conduzia e varou o peito de Anacleto à bala.
Fez justiça.
Curioso o que ocorreu com Licínio Mello.
Vinha de Itapetininga para o Paraná e, ao ser perseguido pelos revoltosos, pensou tratar-se de outras pessoas com as quais já tinha rixa e que o procuravam.
Disse cha-mar-se Lícinio de Oliveira Dias.
Essa mudança ocorreu de combinação com seus irmãos.
Quando vinha de São Paulo, na travessia de um rio que tinha o nome de rio do Melo ou do Mello, trataram entre si que, se fossem interpelados, dariam esse sobrenome para não serem reconhecidos.
Por certo, apavorado com os acontecimentos, não hesitou em dar o nome trocado, que acabou usando para toda vida, passando também a seus descendentes.
Hoje, ao lembrarmos os anacletos daqueles tempos, ficamos a pensar em quanto é curta a nossa memória e quão pouco sabemos da nossa história, mesmo aquela ocorrida nos arredores de nossa cidade.

Luiz Romaguera Neto, membro do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico do Paraná


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