quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Histórias do Paraná - Direito alternativo

Histórias do Paraná - Direito alternativo

Direito alternativo
Alfredo José Rattmann

Em fevereiro de 1971, o novo delegado de Polícia de Londrina, nem bem tomou posse, resolveu, ao invés de perseguir os criminosos, combater a contravenção, mandando prender e abrir inquéritos contra dois cidadãos que se dedicavam a fazer "palpites" para o conhecido "jogo do bicho".
Eram eles simples empregados do dono de um dos "pontos" da cidade, ganhando ambos salário-mínimo, ou melhor dizendo, "peixes-miúdos".
À época, existiam apenas duas Varas Criminais em Londrina e um dos processos instaurados fora encaminhado à 1a Vara, da qual era eu o titular.
Aproximando-se a fase principal (sentença), resolvi segurar o processo em face de ter início, pelos veículos de comunicação, ampla campanha dando conta da vontade política em instituir no Brasil a "zooteca", que nada mais é do que a oficialização do "jogo do bicho", explorada pelo Governo Federal e muito antes do advento dos atuais jogos: loto e sena.
Dada a situação especial do acusado (reincidente específico) iria ele, caso condenado, para a prisão. E que não existiam, à época, os institutos da Prisão Albergue, Aberta e
Semi-Aberta, que é como hoje, cumprem pena os autores de infrações penais de menor gravidade.
Na penitenciária, iria ele conviver com pessoas que cometem crimes mais graves, o que, por certo, afetaria negativamente seu caráter e sua personalidade.
Estas particularidades, que rodeavam o acusado, tocaram-me profundamente, e, pela primeira vez, na função de julgador, ficara inseguro e condoído pela situação do réu.
Sua situação era aflitiva, apesar de bem defendido por ilustre advogado.
Como é do conhecimento geral, a "zooteca", até hoje, não aconteceu e o processo estava pronto para ser sentenciado.
Não pensei mais de uma vez e não tive dúvidas: absolvi o acusado, contrariando a farta prova existente no processo.
Coloquei na sentença tudo o que entendia sobre a existência clandestina do citado jogo, terminando por afirmar que me sentia totalmente desconfortável e sem a mínima condição de mandar para a prisão um homem que, na ilegalidade, ganhara parcos cruzeiros para sustentar sua família.
Clamei pela oficialização da contravenção, dizendo que como jogo do povo, por excelência, ninguém conseguiria derrubá-lo e, como estava, somente se prestaria para enriquecer "banqueiros" (quem "banca" o jogo) e servir como meio de corrupção.
Não poderia condenar alguém que enxergava campear a impunidade com relação aos mesmos infratores (peixe graúdo, seus patrões) pelo simples fato de usufruírem eles de maior prestígio social, alguns até colunáveis.
Houve recurso para o Tribunal competente, que decidiu pela prescrição (decisão técnica motivada pelo recurso de tempo), sem adentrar no mérito da absolvição e encerrando o assunto.
Segundo meu entendimento, fez-se Justiça por linhas tortas num dos primeiros casos de aplicação do Direito Alternativo** que se tem notícias em Londrina, e a narrativa justifica-se mais pelo ineditismo da época.

Alfredo José Rattmann é Juiz de Direito aposentado

**A aplicação do Direito Alternativo - decisão judicial contrária à lei ou prova dos autos, sob pretexto de se fazer justiça - mesmo nos dias de boje é muito rara, sendo alvo de grande polêmicas.


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