Histórias do Paraná - O presente impossível
O presente impossível
Alzeli Bassetti
Noite de inverno pertinaz e o sábio pediatra chega à casa das três pacientes cumprindo a terceira visita diária. Há exatos três dias vinha desempenhando o ritual que sua consciência exigia: a primeira visita antes das 7 horas, a segunda ao meio-dia e a terceira à noite.
Teimosamente, o vírus resistia nas pacientes maiores e havia preocupação quanto à recém-nata, preventivamente isolada no quarto da avó. O andar sincopado, a cabeça bandeando, os ombros um tanto curvados para a frente denotavam fadiga pelo trabalho ininterrupto no atendimento à angustia de cÜentes, pais e avós.
A exaustão, todavia, não interfere no exame meticuloso que dispensa às maiores, tampouco no carinho ao lidar com a caçula, cujo sono tranqüilo atesta a correção da prudência.
Com discrição, recusa o cafezinho e é sucinto na avaliação:
- A evolução do quadro clínico é normal.
Mantenham a medicação e os cuidados.
Manhã seguinte, nem bem batidas as 6 horas, está de volta à casa, incrivelmente reenergizado pelas poucas horas de sono. Há inclusive uma pitada de humor no acurado senso de observação:
-Já vi que nesta casa todos dormiram em pé.
Reexamina as crianças e faz as perguntas de rotina.
Constata que a febre retrocedeu e que já é outro o animus das pacientes.
Recomenda a continuidade da terapêutica e se despede das pequenas cidadãs estendendo-lhes a mão.
Ao chegar à menor, não esconde um leve sorriso:
- Nem tomou conhecimento da doença...
A visita do grande pediatra opera milagres. E outro o clima familiar quando ele, já na sala, diz que deseja notícias à noite, e agora sim aceita um cafezinho.
Era a dica de que vencera o vírus. À saída, toda gratidão, a mãe lhe abre o coração:
- Doutor, Deus lhe pague, porque não tenho como retribuir tanto carinho e atenção.
- Mas a senhora tem como agradecer...
Atônita e esperançosa, a mãe aguarda o pedido. E esta admirável figura humana paranaense, meio século de vivência médica irretocável, que atende pelo nome de Plínio de Mattos Pessoa, lança um repto irrespondível:
- E simples. Dê-me Valquíria, a menorzinha, de presente.
Alzeii Basseti, escritora e poeta
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