Histórias do Paraná - Gratidão decrescente
Gratidão decrescente
Flora C. Munhoz da Rocha
Sempre que a gente recontava aquele caso e todos gargalhavam, nosso tio ficava irritado;
- Que exagero! Não foi nada assim.
Querem saber mais que eu?
Ele ficava mais era com vergonha, pois sabia que estávamos contando bem direitinho como se passara.
Era uma vez uma tarde de calor.
Nosso tio Lindolfo Pessoa, que passava seu mês de férias de Deputado Federal na Ilha do Mel, resolveu dar um mergulho.
Mas a água estava tão boa que foi ficando, boiando de papo pro ar.
De repente foi ficar de pé e não tinha pé. Sem saber nadar, afobou, ficou nervosa Estava escurecendo.
Teve certeza de que iria se afogar se alguém não viesse com urgência ao seu socorro.
Então começou com os chamados e apelos desesperados de braços.
Nada, ninguém o estava vendo. O recurso era implorar ajuda do céu. E começaram as promessas: - "Juro que se alguém chegar a tempo de me salvar, este alguém receberá tudo que tenho.
Tudo. O dinheiro, a casa, a fazenda de café."
Chama novamente. A voz sai cada vez mais apertada.
Daí percebeu que a maré o estava afastando mais e mais.
Deixou-se levar pelas ondas e pela angústia da solidão, sentindo lágrimas escorrerem-lhe pelo rosto.
Foi naquele exato momento que exultou, alguém vinha em largas braçadas ao seu encalço. "Obrigado meu Deus, obrigado.
Amanhã mesmo entrego os oito milhões que tenho no Banco do Brasil."
O salvador forte e ágil já o segurava por um braço.
Tio Lindolfo pôde reparar que era um homem de cor.
Sem demora pensou que seria bobagem entregar-lhe os oito milhões.
Ridículo até. Negociava com a generosidade.
Um milhão ele ficará na maior felicidade.
Agora já pisava areia firme.
Juntou gente com fáceis sorrisos.
Exausto, ele também forçou um lento sorriso e o olhar fixo naquele gigante negro era de eterna gratidão.
Mas quando apertou-lhe a mão forte falando em gratificação, ouviu nitidamente um ‘‘Não se preocuPe. Sou salva-vidas. É minha profissão". Nosso tio insistiu:
- Por favor apareça ali naquela casa amarela.
Quando o mulato bateu à sua porta com os dentes à mostra de contentamento antecipado, o próprio tio Lindolfo veio abrí-la, de envelope já pronto no bolsinho da camisa.
Era um bonito envelope azul turquesa com 10 notas novinhas de 100 cruzeiros.
Flora C. Munboz da Rocha, ex-primeira dama do Estado e cronista
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