Histórias do Paraná - Guevara em Curitiba Paraná
Guevara em Curitiba Paraná
Velêncio Xavier
Já dá para contar, Che Guevara passou secretamente pelo Paraná em 1966, em plena ditadura militar, na sua travessia para a Bolívia em busca de seu destino de guerrilheiro. O fato está em documentos secretos da CIA — Central of Intelligence Agency — recentemente liberados.
Até o "Fantástico" deu, mas sem os detalhes que, aliás, a CIA também não tem.
Com a "revelação oficial" da vinda de Guevara a Curitiba, já posso contar o que sei, coisas que nem a CIA sabe — sabe que ele esteve aqui, só isso. Não revelarei nomes, datas, fatos e dados que possam identificar as pessoas envolvidas.
Faço assim porque nunca se sabe o dia de amanhã, e porque certos segredos, como este que poucas pessoas sabem, são para quatro paredes por toda a eternidade. O leitor me perdoe, mas só contarei o que quero contar, da maneira que quero contar, e nada mais.
1966, sete horas e meia de ônibus de São Paulo a Curitiba. O ônibus com Guevara chega meia hora atrasado na Rodoviária velha, na João Negrão.
Seu contato não o esperava na plataforma, conforme o combinado.
Nos ônibus só se podia fumar cigarros, pensando no que fazer Guevara acende um charuto cubano, com anel trocado para não denunciar sua origem.
Em pé, a maleta entre as pernas, esperou para ver se o contato aparecia.
De terno e gravata, óculos, sem barba, e com os cabelos tingidos esbranquiçados mais parecia um pacato burguês de meia idade do que o jovem e temido guerrilheiro.
Sem o endereço do contato, e sem saber onde procurá-lo, Guevara espera já preocupado.
Nisso alguém pára, olha-o e cfiz: "O que você está fazendo aqui, Guevara?" Antes que o "Che" se recuperasse do susto, o homem fala bem alto: "Você não devia estar em Cuba, Guevara?!" E um bêbado.
Rapidamente, Guevara procura analisar a situação e achar uma saída, mal pôde balbuciar uma negativa: "Mi nombre no es Guevara/" O homem corta: "Que cheiro bom, é charuto cubano, né?! Vou querer um."
Guevara não pode correr pois iria atrair a atenção dos guardas fardados que vigiam a rodoviária: "Isso que é charuto, não esses matarratos que vendem aqui."- Diz o bêbado.
Guevara pensa até em mostrar o passaporte falso: "Estás me tomando por outra persona." Sem escutar, o bêbado puxa Guevara pelo braço: "Vamos tomar uma pinga para comemorar. Há quanto tempo, eim Guevara!" E vai puxando o guerrilheiro para o bar. "No puedo senor, espero outra persona." O bêbado corta: "Deixa pra lá, ele acha a gente no bar." Guevara concorda, uma pinga até que acalmaria suas idéias, daria tempo de achar uma solução.
No bar da rodoviária, sentam na mesa onde está uma mulher, com todo o jeito das vadias da região: "Querida, este é o Guevara que te falei.
Tem a voz igual à do Lucho Gatica.
Canta pra mim o Sabor a Mi: Passaram mas de mil anos, mucho más." Guevara rebate: "No sé cantar, senor." A vadia ajuda: "Não ligue, ele está bêbado, é melhor o senhor cair fora antes que ele apronte alguma confusão."
Guevara aproveita a deixa para sair, se levanta e vê entrando no bar uma pessoa olhando para ele, nenhum dos dois precisa dizer nada, sabe que é seu contato que, finalmente, chegou. O bêbado insiste, soltando baforadas no charuto: "Canta, Guevara." Guevara dá uns passos em direção ao contato, mas volta-se e com sua bela voz canta: "Pero Allá como aqui em la boca llevará sabor a mi." Os dois soltam a fumaça de seus charutos cubanos, Guevara solta em círculos como só ele sabia fazer. O bêbado diz para a mulher: "Grande Guevara. Não disse que a voz dele era igual a do Lucho Gatica?" E Guevara segue para seu destino.
Um ano depois morreria na guerrilha da Bolívia.
Valendo Xavier, escritor e historiador
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