segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Histórias do Paraná - Desfile inolvídável

Histórias do Paraná - Desfile inolvídável

Desfile inolvídável
Astrogildo de Freitas

Curitiba estava inteiramente voltada às comemorações do primeiro centenário da independência do país.
Os preparativos desenvolviam-se freneticamente. O arruamento mais perfeito, uma nova pintura nos prédios públicos, um retoque nos jardins e praças, tudo para assegurar o brilho da festa máxima do Brasil independente.
Corria o ano de 1922.
O conjunto de casarões e prédios em torno do quartel do 5o batalhão de Engenharia não fugia à regra.
A unidade militar fazia frente para a rua Visconde de Guarapuava, esquina da rua Nunes Machado e com outra frente para a rua Dr. Pedrosa. A metade da quadra, justamente onde hoje se encontra instalado o comando do Corpo de Bombeiros.
O Batalhão regorgitava com a aproximação do desfile cívi-co-miütar programado para o dia 7 de setembro.
Procedia-se, em ritmo acelerado, o adestramento da tropa.
Importava o aprimoramento da marcha, a perfeição quanto possível nos exercícios, a impecabilidade do uniforme, o alinhamento, o garbo, a disciplina, enfim, tudo em busca de uma apresentação inesquecível perante o povo em transe cívico.
O itinerário do desfile foi alterado.
Bem mais longo do que o usual nos anos anteriores. A concentração da tropa deu-se na rua 7 de Setembro, recentemente macada-mizada, parece que na gestão do prefeito Moreira Garcez. A parada militar serviria igualmente para inaugurar esse novo melhoramento urbano.
O Batalhão era o coronel Baeta de Faria, figura muito popular da época. Fôra dele o projeto do edifício da Universidade.
Ganhou renome por isso.
Seria inclusive deputado estadual.
Tipo liberal, amigo dos comandados, mas exigente ao máximo, não admitia falhas no comportamento dos soldados.
Os regulamentos militares deviam ser cumpridos à risca, custasse o que custasse.
Após percorrer, em ordem de marcha, diversas ruas, a tropa alcançou a rua 15 de Novembro, passarela maior do desfile. A população, aglomerada prorrompeu em aplausos.
Mas, os soldados estavam exaustos.
Despertos desde às quatro horas da madrugada, perfaziam mais de dez horas de atividade febril.
Agora suavam em bicas sob o sol escaldante.
A volta ao quartel deu-se pelo contorno da praça Osório, já sem a formação obrigatória do desfile.
Eram três horas da tarde. O retorno se fazia com alívio. A soldadesca fatigada, se ufanava contudo pelo brilho da apresentação.
Um deles, porém, "stressa-do", os calos doendo, o fuzil pesando-lhe em demasia, os passos quase trôpegos, não se conteve, num claro desabafo:
- "No próximo centenário eu não desfilo, nem que isso dê cadeia!" A tropa riu-se do inusitado protesto.
Pareceu ao sargento mais próximo, ítalo Macaggi, um ato de indisciplina, logo encarado com tolerância e compreensão.
Afinal, o próximo centenário distava dali um lapso de cem anos...

Astrogildo de Freitas, membro do Centro de Letras do Paraná


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