domingo, 22 de junho de 2014

Histórias do Paraná - O dono da roda

Histórias do Paraná - O dono da roda

O dono da roda
Maria Elvira Secco

Na década de 40, as famílias italianas deixavam as grandes fazendas de café de São Paulo para enfrentar as matas paranaenses.
Depois da imigração, essas famílias, com filhos brasileiros, trocavam o aconchego das casas e colônias paulistas pela sonhada prosperidade.
Vinham carregadas de esperança, de força de trabalho suficiente para abrir uma picada na mata - às vezes no meio da picada, construir a casa na terra recém adquirida.
Nessa esperança embarcou Dona Maria Secco, viúva aos 29 anos e sete filhos, quatro homens e três mulheres.
Colocou todo mundo num caminhão com a mudança escassa, onde três peças eram fundamentais: a máquina de costura "Elgin", o guarda-roupa de duas portas com espelho de cristal e a fotografia colorida à mão, emoldurada, ultima lembrança do marido morto.
No caminhão, mais pesado que a mudança, era o coração da Ziza, corroído por uma saudade de amor aos 16 anos.
Paulista de São Joaquim da Barra, o namorado não quis acompanhar a família na nova aventura.
Três dias de viagem, a emoção da chegada, a primeira parede da casa de madeira, as queimadas, nada foi suficiente para distrair o coração da
Ziza.
Chorou durante um mês inteirinho até não agüentar mais, abraçou a mãe e voltou para São Paulo.
Vinte anos depois, o irmão caçula acomodou, como pôde, a mãe, a mulher e os três filhos num jeep "Williams", 1960, branco, que no asfalto podia chegar até 90 quilômetros por hora.
Em dois dias chegou a São Joaquim da Barra, localizou a casa da Ziza num bairro pobre, com seis filhos e o marido alcoólatra.
Quando a mãe bateu na porta, estava meio escuro e Ziza não reconheceu a mulher de cabelos brancos, ainda anelados.
Mais tarde, respirando fundo depois das lágrimas do reencontro, sentou-se ao lado da mãe, porque não tinha mais coragem nem idade para o colo materno.
Olhou para o irmão caçula, homem feito, para a cunhada que nem conhecia, com a permanente nova, deixando a cabeça que era só rolinhos finos.
Parecia bem de vida.
Do irmão, duas lembranças. A primeira, ele mexendo sem parar na roda da máquina de costura e dizendo: "Sou o dono da roda, sou o dono da roda". Era mesmo, por que tinha promessa da mãe que, se um dia, a máquina quebrasse, a roda seria dele.
Ziza nem sabia que a "Elgin" permanecia na sala de jantar, intacta, quase nova, cobiçada pelas netas para dar um toque de nostalgia na decoração do apartamento. E a segunda lembrança era também do menino, deslumbrado com o primeiro sorvete, durante a viagem para o Paraná. Devia ter uns cinco ou seis anos e, na parada em Lençóis Paulistas, a mãe lhe deu o picolé de côco queimado.
Fez mal para o estômago, porque ele engoliu o sorvete como um desesperado depois da sopa quente.
Ziza olhou para os sobrinhos, imaginando que deviam ter sorvete à vontade. E pensou que a prosperidade vinha daquelas matas do Paraná. Com o sol vermelho, depois das queimadas, eram bonitas.
Talvez por falta de assuntos, fruto da longa saudade, perguntou:
- "Mãe, tem muita mata por lá ainda?"
- Não filha, aquilo tudo já é quase uma cidade só. Cambé está encontrando Londrina. A mata agora virou prédio, asfalto, automóvel.
Precisa ver que beleza".
- "Então, vocês trabalharam muito lá, né mãe?"
- "É..."
Maria Elvira Secco, professora em Londrina


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