Histórias do Paraná - Lembrança amarga
Lembrança amarga
Valério Hoerner Júnior
O caminho aponta puxar o fio da História para uma rodada em tomo de infeliz bajoujice ocorrida às margens do Rio íapó, em passado distante já 204 anos.
Reavivar o assunto, porém, jamais significará de minha parte libelo contra a cidade ou contra os briosos e pacíficos castrenses, que na verdade, nada tiveram a ver com o fato. Têm a ver, sim, áulicos reverentes desejosos de homenagear um dos mais nefastos ministros portugueses da época do Brasil-colônia.
Os fatos: quando ainda freguesia, em 1769, a atual cidade de Castro foi transferida do Capão Alto para as margens do Rio Iapó. Conta Ermelino de Leão que o poderoso Marquês de Pombal havia instruído seus prepostos no Brasil para criar novas povoações.
Coube ao ouvidor-geral de Paranaguá, Francisco Leandro de Toledo Rondon, por ordem de D. Luís de Sousa Mourão, o Morgado de Mateus, instalar a vila com a denominação CASTRO. O evento deu-se em 20 de janeiro de 1789 e a homenagem estava dirigida ao secretário dos Negócios Ultrama-rinhos do Reino de Portugal, Martinho de Melo e Castro.
Mas, o caráter e a personalidade do homenageado estavam remotos e ainda subordinados ao grande Marquês, assombro de genialidade e patriotismo.
Face a Portugal.
É conhecida a acentuada discórdia existente na época entre portugueses e brasileiros. O antagonismo chegava às raias do ódio.
Ciente disso e avaliando a questão com merecido cuidado, Pombal adotou engenhosa política harmonizadora, distinguindo os brasileiros e até nomeando-os para cargos públicos.
Entretanto, cai Pombal de repente do posto de pleno poder e nele é investido justamente o ministro homenageado, Martinho de Melo e Castro.
Deixa expandir, então, com a pressa de quem tem coisas engatadas na goela, a antipatia e a ojeriza guardadas pelos brasileiros, suprimindo a política de confraternização e inspirando dona Maria I — a Louca
— a ordenar aos mandatários da Colônia dAlém-mar que imprimissem toda sorte de opressões e afrontas ao pobre e desamparado povo.
Nessa época mandou-se fechar todas as fábricas e manufaturas no Brasil. A liberdade ficou reduzida a zero. E a conjuração mineira então que o diga! Com mesa de repasto do ministro português: a ele se deve o rigor das penas impostas aos inconfidentes e principalmente os requintes no espostejamento de Tiradentes. E coisas ainda do arco da velha, que este espaço me impede de contar.
E a cidade reverencia, certamente sem conhecer a verdade, a Martinho de Melo e Castro!
Admito que seja tarde para tomada de qualquer posição nesse sentido.
Nem é nem seria intenção deste modesto escriba sublevar o bom e progressista povo castrense depois de 204 anos de hábito continuo.
Entretanto, a meu ver, nenhum mal existe no fato de lembrar, como quem não quer nada, a posição marcante de Euclides Bandeira. "Pai do Jornalismo Paranaense", sobre o assunto, quando diz alto e bom som: "É preciso que do eterno poste, em cujo ápice Tiradentes teve a cabeça espetada, os olhos sonhadores do mártir não dividissem em nosso Estado uma cidade cujo nome é homenagem a Martinho de Melo e Castro.
Tiradentes tem direito a integral reparação histórica".
Valério Hoerner Júnior, da Academia Paranaense de letras.
* texto publicado em agosto de 1993.
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