terça-feira, 10 de junho de 2014

Histórias do Paraná - O último suicida

Histórias do Paraná - O último suicida

O último suicida
Wellington J. Machado

O brigadeiro Eduardo Gomes, ex-tenente de 1922, era no dizer do professor Darcy Ribeiro, "solteirão, beato, triste, casto e calado". Era também sincero, o que quase eqüivale a um pecado mortal para quem se quer político.
Foi assim que, candidato à presidência em 1945, na redemocratização do país pós-dita-dura de Getúlio, o brigadeiro se declarou abertamente contrário a qualquer tipo de jogatina. E mais: anunciou que fecharia os cassinos e acabaria com o jogo do bicho se eleito fosse.
Pode não ter sido apenas por isso, mas o caso é que o brigadeiro perdeu a eleição para o general Eurico Gaspar Dutra - este se mantinha calado sobre o jogo e, assim era abertamente apoiado pelos sindicatos das casas de diversão e empregados em cassinos de todo o país. O resto da história todo mundo conhece: poucos meses depois da posse, no dia 30 de abril de 1946, uma terça-feira, Dutra reuniu o ministério e baixou um decreto proibindo todo e qualquer tipo de jogo no país, exceto, é claro, a loteria federal.
A notícia do fechamento dos cassinos causou alvoroço no Brasil todo, infestado que estava o país de cassinos. A rigor, eles só poderiam ser abertos, conforme determinava a lei, na capital federal e nas estações hidroterápicas, balneárias e climáticas.
Mas bastava ter um mísero olho de água levemente mineral para que qualquer lugarejo reclamasse a condição de "estação hidroterápica". No bairro do Ahú, em Curitiba, havia um olho d’água desses, justificando a existência no local de um cassino, apropriadamente conhecido como o "Cassino do Ahú".
Era uma bela casa noturna, incomparável àquelas espeluncas da fronteira paraguaia que os turistas brasileiros tratam por cassinos. E bem verdade que levou à ruína muitos e fez a desgraça total de outros.
Mas nunca, depois dele, Curitiba teve uma casa de espetáculos à altura para receber, como então, as maiores estrelas do "show biz" nacional, e algumas até internacionais, sem contar os fregueses especiais.
Numa noite de 1941, por exemplo, quem lá esteve espairecendo foi ninguém menos que Walt Disney, que estava a caminho de São Paulo, vindo de Buenos Aires, quando seu avião teve de fazer um pouso forçado em Curitiba.
Fechado, o prédio e a linda chácara do Cassino Ahú teriam o destino mais insuspeito; foram transformados num convento de religiosas.
Quem sabe, assim se acalmariam as almas dos suicidas por dívidas de jogo que, segundo a crença popular, insistiam e penar pelos jardins do cassino.
O último desses suicidas, nos dá conta um cordel publicado na época e assinado por um J.P. Veiga, teria sido um rico madeireiro, dono de várias propriedades na região dos Campos Gerais.
Homem de cinqüenta e poucos anos, ele freqüentava quase que diariamente o cassino, ora perdendo, ora ganhando.
Na última noite de jogo, perdeu uma pequena fortuna, nada porém que comprometesse suas finanças. O fechamento do cassino, levou-lhe mais que o dinheiro, levou-lhe o sonho de tentar recuperá-lo.
Isso, lamuriava-se ele com os amigos, era pior que perder até o último centavo. A abertura de uma que outra casa clandestina de jogo não lhe servia de consolo — o que o madeireiro queria era poder tentar recuperar o dinheiro onde havia perdido.
Capricho, sim, mas o que o general Dutra tinha com isso?
Ao final de três meses, numa madrugada, profundamente deprimido — nos diz o velho cordel — o homem disparou um tiro na boca.

Wellington J. Machado é administrador aposentado.


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