Histórias do Paraná - O raciocínio do caboclo
O raciocínio do caboclo
Flora C. Munhoz da Rocha
Esta é uma história muito antiga, contada de pai para filho e de filho para neto e bisneto.
Carlos Cavalcanti, já no fim de seu mandato de Presidente do Estado, tinha como seu candidato a sucessor Affonso Camargo, meu pai.
Naquela época, há mais de 80 anos, campanha política em tempo de transporte lento, era uma exaustão.
As poucas estradas, ora poeirentas, ora lamacentas, acompanhavam os declives das áreas acidentadas sem oferecer conforto.
Um pouco de trem, outro pouco de carroça, muito de trote de cavalo.
Mas os chefes políticos, coronéis e cabos eleitorais do litoral e interior precisavam ser procurados e orientados.
Não sei como eram processadas as viagens presidenciais, mas sei de um caso que papai nos contava com muito humor:
Certa vez, Presidente Carlos Cavalcanti e Affonso Camargo, cavalgavam de baixo de sol a pino, quando a sede começou a incomodar.
Galopeavam atentos a algum rancho de beira de estrada que lhes desse uma caneca de água de poço.
Num final de curva, avistaram um caboclo fumando seu pito no degrau de uma varandinha bem jeitosa.
Amorteceram o trote e apearam.
Disseram o por quê. Hospitaleiro, o homem foi até o quintal e, sem demora, retorna com uma cuia transbordando de água cristalina.
Encaminhou-se para meu pai que, de imediato, recusou segurar. ‘Tor obséquio, primeiro para ele". Presidente Cavalcanti declina: "Deixe de cerimônia e beba logo". "Era o que faltava", contestou Affonso Camargo respeitando a hierarquia.
Estabeleceu-se um diálogo de troca de cordialidade.
Um não queria beber antes do outro e o caboclo só estendendo a cuia de lá par cá até que desacorçoou.
Aquilo não estava fazendo sentido para seu simplório discernimento.
Pigarreou e, em tom categórico, solucionou o vai-não-vai.
- Mecês tão refugando. Não querem água coisa nenhuma.
Tomando iniciativa, esticou o braço e, num impulso certeiro, pinchou o conteúdo no meio do terreiro.
Ali no seu universo restrito, jamais imaginaria estar diante de um Presidente de Estado coberto de glórias. E muito menos entenderia de prioridade e deferências.
Para ele não passavam de dois homens da Capital, cheios de lero-lero.
Seguiu-se um silêncio de espanto e um cruzar de olhos desapontados ao verem a água preciosa encharcando a terra vermelha.
Não havia mais nada a fazer a não ser, sufocando o riso, voltar para o trote dos cavalos.
Sem alternativa, seguiram caminho de garganta seca e lábios sem saliva, mas de lição aprendida.
Na próxima parada, com certeza, não se repetiria o caso mal resolvido.
Flora C. Munhoz da Rocha, Ex-primeira dama do Estado, e cronista
sexta-feira, 31 de outubro de 2014
quinta-feira, 30 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Viva a diferença!
Histórias do Paraná - Viva a diferença!
Viva a diferença!
Ayrton Ricardo dos Santos
Há, na Avenida Cândido de Abreu, um terreno baldio, servindo, hoje, para estacionamento de automóveis.
Ali existia, até pouco tempo, um dos mais bonitos prédios da cidade: o Teatro do Trabalhador.
Construído no início dos anos 70, quando o engenheiro Mário de Mari presidia a Federação das Indústrias do Paraná. Projeto arquitetônico de Rubens Meister, garantia de beleza estética e funcionalidade.
Bastante recuado da rua, deixava espaço suficiente para os canteiros de um jardim com magníficas flores ornamentais e pátio amplo, para abrigar os carros dos freqüentadores.
A fachada principal, em vidro blindex, seguia-se espaçoso "hall" com piso de granito.
Entre as duas escadarias laterais em mármore branco, ficavam os sanitários com seus balcões e lavatórios também em mármore... Houve quem dissesse ser aquilo, um luxo a que os operários não se iriam adaptar... Ledo engano como Meister previa, ao argumentar com sabedoria e paciência:
- "Se não lhes dermos instalações convenientes, como irão aprender a usá-las?"
As escadas laterais davam para o auditório a cuja frente um palco enorme abrigava, inclusive, uma cancha poli-esportiva para torneios internos. O forro, de madeira nobre artisticamente trabalhada, permitia os espaços necessários para adequada iluminação indireta.
No auditório, amplo e arejado, dispunham-se poltronas estofadas, em couro vermelho.
Ao vê-las, alguém lembrou, apreensivo:
- "O Dr. Otávio Ferreira do Amaral Neto, quando exercia a Superintendência do Teatro Guaíra, confidenciou, certa vez, que precisava dispor de uma verba especial considerável para reparar estragos, cortes a canivete ou navalha nas poltronas do Guairinha, freqüentado pela fina flor da sociedade local..."
Durante seu funcionamento, até ser destruído por um incêndio, a 3 de junho de 1991, realizaram-se, no Teatro do Trabalhador, inúmeros e importantes eventos de toda a natureza; representações teatrais, encenações de peças infantis que faziam o deleite dos filhos de industriários, principalmente dos que freqüentavam os jardins de infância do Sesi; encontros de corais e de conjuntos musicais e os apreciadíssimos festivais de música popular brasileira, com o auditório sempre super lotado e o povão cantando e dançando na platéia as músicas executadas, no palco, pelos conjuntos musicais.
Um delírio!...
Em mais de 15 anos de atividade não houve registro de cortes, navalhadas ou danos intencionalmente causados nas poltronas, sanitários ou outras dependências do teatro...
E viva a diferença!...
Ayrton Ricardo dos Santos, Médico, foi superintendente do Sesi
Viva a diferença!
Ayrton Ricardo dos Santos
Há, na Avenida Cândido de Abreu, um terreno baldio, servindo, hoje, para estacionamento de automóveis.
Ali existia, até pouco tempo, um dos mais bonitos prédios da cidade: o Teatro do Trabalhador.
Construído no início dos anos 70, quando o engenheiro Mário de Mari presidia a Federação das Indústrias do Paraná. Projeto arquitetônico de Rubens Meister, garantia de beleza estética e funcionalidade.
Bastante recuado da rua, deixava espaço suficiente para os canteiros de um jardim com magníficas flores ornamentais e pátio amplo, para abrigar os carros dos freqüentadores.
A fachada principal, em vidro blindex, seguia-se espaçoso "hall" com piso de granito.
Entre as duas escadarias laterais em mármore branco, ficavam os sanitários com seus balcões e lavatórios também em mármore... Houve quem dissesse ser aquilo, um luxo a que os operários não se iriam adaptar... Ledo engano como Meister previa, ao argumentar com sabedoria e paciência:
- "Se não lhes dermos instalações convenientes, como irão aprender a usá-las?"
As escadas laterais davam para o auditório a cuja frente um palco enorme abrigava, inclusive, uma cancha poli-esportiva para torneios internos. O forro, de madeira nobre artisticamente trabalhada, permitia os espaços necessários para adequada iluminação indireta.
No auditório, amplo e arejado, dispunham-se poltronas estofadas, em couro vermelho.
Ao vê-las, alguém lembrou, apreensivo:
- "O Dr. Otávio Ferreira do Amaral Neto, quando exercia a Superintendência do Teatro Guaíra, confidenciou, certa vez, que precisava dispor de uma verba especial considerável para reparar estragos, cortes a canivete ou navalha nas poltronas do Guairinha, freqüentado pela fina flor da sociedade local..."
Durante seu funcionamento, até ser destruído por um incêndio, a 3 de junho de 1991, realizaram-se, no Teatro do Trabalhador, inúmeros e importantes eventos de toda a natureza; representações teatrais, encenações de peças infantis que faziam o deleite dos filhos de industriários, principalmente dos que freqüentavam os jardins de infância do Sesi; encontros de corais e de conjuntos musicais e os apreciadíssimos festivais de música popular brasileira, com o auditório sempre super lotado e o povão cantando e dançando na platéia as músicas executadas, no palco, pelos conjuntos musicais.
Um delírio!...
Em mais de 15 anos de atividade não houve registro de cortes, navalhadas ou danos intencionalmente causados nas poltronas, sanitários ou outras dependências do teatro...
E viva a diferença!...
Ayrton Ricardo dos Santos, Médico, foi superintendente do Sesi
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Um bilhete
Histórias do Paraná - Um bilhete
Um bilhete
Murilo Walter Teixeira
Um jovem moreno, blusão vermelho desbotado cujas mangas escondiam as mãos, entregou-me ali no canto da praça, próximo à Casa Paroquial, um bilhete rabiscado numa folha de papel almaço, dupla.
Escreveu nas páginas internas.
A medida que me deslocava pelo passeio do muro dos Padres, abrindo-o cuidadosamente, um cachorro com seus latidos estridentes me sobressalta deixando cair a folha de papel que teimava em seguir o vento, alojando-se no meio-fio.
Apanhei-a e vejam o que continha: "O manto divino lhe proteja e guie seus passos.
Estamos em apuros. O comportamento de meu pai está se tornando, além de ridículo, agressivo e incômodo. Não que ele venha a brigar ou injuriar quem quer que seja, mas, a maneira como se apresenta em público.
Veja. Trasanteontem, saiu de casa com meias de cores diferentes: vermelha e branca.
Sapatos, idem. No pé direito um tênis.
No esquerdo, sapato preto.
Guarda chuva aberto para se proteger do sol.
Luvas de couro. Ambas sem o dedo indicador e este envolvido com mercúrio.
Ridículo, pois quando cumprimentou uma vizinha, esta ficou estarrecida com aquele dedo "sangrando".
Ele riu, gostosamente. Mas, o pior.
Saiu com o calção de meu irmão do time lá da fábrica.
Aquelas pernas finas, brancas e compridas, além da indumentária esquisita, serviu de chacota e risos no bairro.
Porém, o impossível aconteceu domingo à tarde, próximo à Igreja, perto da cancha feita pela Prefeitura.
Havia um jogo de Voley com uma respeitável assistência.
Papai apareceu com mais três amigos e todos vestidos da mesma forma bizarra e esdrúxula.
Agora, conduzia uma sombrinha, chapéu de boiadeiro e chinelos diferentes.
Como deve imaginar, o alvoroço foi inevitável, atrapalhando a competição nos seus momentos mais decisivos.
Em casa permanece o dia todo assobiando a mesma música. Não dá, ninguém agüenta.
Quando não, aparece com um papagaio, tentando ensinar-lhe o Hino Nacional.
Diz ser para o desfile de sete de setembro.
Rogo-lhe suas orações e bênçãos.
Obrigada.
Desculpe a letra.
Maria".
Acho que houve um engano.
Era para o Padre, mas, acredito que pouco podia fazer, senão rezar.
Murilo Walter Teixeira, dentista em Guarapuava
Um bilhete
Murilo Walter Teixeira
Um jovem moreno, blusão vermelho desbotado cujas mangas escondiam as mãos, entregou-me ali no canto da praça, próximo à Casa Paroquial, um bilhete rabiscado numa folha de papel almaço, dupla.
Escreveu nas páginas internas.
A medida que me deslocava pelo passeio do muro dos Padres, abrindo-o cuidadosamente, um cachorro com seus latidos estridentes me sobressalta deixando cair a folha de papel que teimava em seguir o vento, alojando-se no meio-fio.
Apanhei-a e vejam o que continha: "O manto divino lhe proteja e guie seus passos.
Estamos em apuros. O comportamento de meu pai está se tornando, além de ridículo, agressivo e incômodo. Não que ele venha a brigar ou injuriar quem quer que seja, mas, a maneira como se apresenta em público.
Veja. Trasanteontem, saiu de casa com meias de cores diferentes: vermelha e branca.
Sapatos, idem. No pé direito um tênis.
No esquerdo, sapato preto.
Guarda chuva aberto para se proteger do sol.
Luvas de couro. Ambas sem o dedo indicador e este envolvido com mercúrio.
Ridículo, pois quando cumprimentou uma vizinha, esta ficou estarrecida com aquele dedo "sangrando".
Ele riu, gostosamente. Mas, o pior.
Saiu com o calção de meu irmão do time lá da fábrica.
Aquelas pernas finas, brancas e compridas, além da indumentária esquisita, serviu de chacota e risos no bairro.
Porém, o impossível aconteceu domingo à tarde, próximo à Igreja, perto da cancha feita pela Prefeitura.
Havia um jogo de Voley com uma respeitável assistência.
Papai apareceu com mais três amigos e todos vestidos da mesma forma bizarra e esdrúxula.
Agora, conduzia uma sombrinha, chapéu de boiadeiro e chinelos diferentes.
Como deve imaginar, o alvoroço foi inevitável, atrapalhando a competição nos seus momentos mais decisivos.
Em casa permanece o dia todo assobiando a mesma música. Não dá, ninguém agüenta.
Quando não, aparece com um papagaio, tentando ensinar-lhe o Hino Nacional.
Diz ser para o desfile de sete de setembro.
Rogo-lhe suas orações e bênçãos.
Obrigada.
Desculpe a letra.
Maria".
Acho que houve um engano.
Era para o Padre, mas, acredito que pouco podia fazer, senão rezar.
Murilo Walter Teixeira, dentista em Guarapuava
terça-feira, 28 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - O espelho da Comendador
Histórias do Paraná - O espelho da Comendador
O espelho da Comendador
Suzi Mariano Gubert
Na década de quarenta, as duas primas freqüentavam as aulas do curso ginasial no Instituto de Educação do Paraná.
Moravam no Batei e seu caminho para a escola era a Rua Comendador Araújo.
Uma alta, bonita, cabelos longos, pele alva e pernas bem feitas. A outra, magrela, cabelos ralos, sem graça.
Porém, nada disso tinha importância para as duas estudantes.
Iam alegres e descuidadas, curtindo sua juventude, sem problemas, que de tudo achavam graça.
Desciam a rua saltitantes, competindo com muito cuidado, para não pisar nas pedras pretas dos pinhões e pinheiros desenhados no petit-pavet semi-novo das largas calçadas daquela rua. O movimento era muito pequeno e elas podiam vislumbrar de longe esses desenhos, tão paranaenses.
Iam devagar, correndo o risco de chegar atrasadas na aula.
Mas não havia pressa.
Mesmo sob a garoa gelada tão conhecida das pequenas curitibanas, ou sob o sol forte batendo em seus rostos, continuavam felizes e brincalhonas.
Uma paradinha aqui para roubar uma flor e levar para a professora, outra parada ali afim de olhar os pássaros que pulavam nos jardins dos grandes ca-sarões daquela rua.
Quando chegassem no colégio, com certeza teriam que enfrentar o olhar murcho e recriminante de Mr.
Higgnes, professor de inglês, tão velho que quase nada ouvia.
Ou pedir licença ao Dr. Eloy, professor de francês, paixão de todas as alunas, e que tinha o sorriso mais lindo da época.
Mas o que dizer do seu Osvaldo Lopes que dava aula de artes? Meu Deus, o homem era quase um Cristo.
Barba castanha bem tratada, dentes perfeitos, muito calmo, pele clara, e atrás de tudo isso aqueles profundos alhos azuis.
Seria ele o Cristo?
Entretanto, a aula mais animada, e na qual a gente tinha plena liberdade, era a de D. Josefa e D. Soledade, irmãs muito unidas que até davam aulas de música juntas.
Ali aprendemos todos os hinos que existem, e que até hoje não esqueci, apesar das aulas serem muito tumultuadas, por que elas não tinham muita autoridade com as alunas. A gente podia dar uma chegadinha na janela e até dar umas saidinhas da sala que as duas não viam.
O nosso caminho ficava mais importante quando chegávamos na esquina da Rua Visconde do Rio Branco, ali estava o momento mágico do trajeto.
Era aquele espelho na vitrine da Casa Glaser.
Alí paráva-mos para ver nossas imagens refletidas, imagens essas que quando nos íamos, elas vinham.
Nossas caras ficavam retorcidas, as cabeças e pernas tortas.
Isso para nós era o máximo.
Esquecíamos o horário das aulas, e quem passava não entendia o que as duas meninas estavam fazendo, rindo até as lágrimas, a ponto de não se importar com o belo pito que levariam de D. Laura, inspetora de alunas rigorosa e durona, de quem morriam de medo.
A loja ainda hoje lá está, mas o espelho não.
Suzi Marino Gubert, professora aposentada
O espelho da Comendador
Suzi Mariano Gubert
Na década de quarenta, as duas primas freqüentavam as aulas do curso ginasial no Instituto de Educação do Paraná.
Moravam no Batei e seu caminho para a escola era a Rua Comendador Araújo.
Uma alta, bonita, cabelos longos, pele alva e pernas bem feitas. A outra, magrela, cabelos ralos, sem graça.
Porém, nada disso tinha importância para as duas estudantes.
Iam alegres e descuidadas, curtindo sua juventude, sem problemas, que de tudo achavam graça.
Desciam a rua saltitantes, competindo com muito cuidado, para não pisar nas pedras pretas dos pinhões e pinheiros desenhados no petit-pavet semi-novo das largas calçadas daquela rua. O movimento era muito pequeno e elas podiam vislumbrar de longe esses desenhos, tão paranaenses.
Iam devagar, correndo o risco de chegar atrasadas na aula.
Mas não havia pressa.
Mesmo sob a garoa gelada tão conhecida das pequenas curitibanas, ou sob o sol forte batendo em seus rostos, continuavam felizes e brincalhonas.
Uma paradinha aqui para roubar uma flor e levar para a professora, outra parada ali afim de olhar os pássaros que pulavam nos jardins dos grandes ca-sarões daquela rua.
Quando chegassem no colégio, com certeza teriam que enfrentar o olhar murcho e recriminante de Mr.
Higgnes, professor de inglês, tão velho que quase nada ouvia.
Ou pedir licença ao Dr. Eloy, professor de francês, paixão de todas as alunas, e que tinha o sorriso mais lindo da época.
Mas o que dizer do seu Osvaldo Lopes que dava aula de artes? Meu Deus, o homem era quase um Cristo.
Barba castanha bem tratada, dentes perfeitos, muito calmo, pele clara, e atrás de tudo isso aqueles profundos alhos azuis.
Seria ele o Cristo?
Entretanto, a aula mais animada, e na qual a gente tinha plena liberdade, era a de D. Josefa e D. Soledade, irmãs muito unidas que até davam aulas de música juntas.
Ali aprendemos todos os hinos que existem, e que até hoje não esqueci, apesar das aulas serem muito tumultuadas, por que elas não tinham muita autoridade com as alunas. A gente podia dar uma chegadinha na janela e até dar umas saidinhas da sala que as duas não viam.
O nosso caminho ficava mais importante quando chegávamos na esquina da Rua Visconde do Rio Branco, ali estava o momento mágico do trajeto.
Era aquele espelho na vitrine da Casa Glaser.
Alí paráva-mos para ver nossas imagens refletidas, imagens essas que quando nos íamos, elas vinham.
Nossas caras ficavam retorcidas, as cabeças e pernas tortas.
Isso para nós era o máximo.
Esquecíamos o horário das aulas, e quem passava não entendia o que as duas meninas estavam fazendo, rindo até as lágrimas, a ponto de não se importar com o belo pito que levariam de D. Laura, inspetora de alunas rigorosa e durona, de quem morriam de medo.
A loja ainda hoje lá está, mas o espelho não.
Suzi Marino Gubert, professora aposentada
segunda-feira, 27 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - O problema era a comida
Histórias do Paraná - O problema era a comida
O problema era a comida
Cláudia Regina Kawka
Em 1937, chegaram à Colônia Gleba Orle, hoje situada no município de Arapongas, Norte do Paraná, várias famílias de imigrantes eslavos.
Eram poloneses e ucranianos que vinham para o Brasil em busca de terras e de uma vida melhor.
Vinham cheios de esperança, incentivados pela propaganda que era feita na Europa pela Paraná Plantations Ltda., depois Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, que era colonizadora de uma vasta região do Norte do Estado.
Aqui, os imigrantes poloneses achavam tudo bastante estranho.
Os costumes eram diferentes, o mato também, as comidas nem se fala.
Logo que desembarcaram do navio, ainda em Santos, foram levados para um hotel, onde a mesa já estava posta.
Os imigrantes olhavam para aquelas comidas brasileiras e ficavam espantados.
Como o cheiro era diferente! Todos continuavam de pé, ninguém se encorajava para sentar e comer.
Entre os pratos de comida havia várias garrafas com um líquido transparente.
Finalmente um dos imigrantes resolveu experimentar a tal bebida, crente que fosse pinga.
Pegou o copo, encheu e tomou tudo de um gole só, como se fazia na Polônia.
- Urgh! — exclamou — é água!
Tamanho espanto se explicava pelo fato de que na Polônia não se costuma beber água nas refeições.
Ou então quando foram experimentar caqui:
- Mas que tomate brasileiro ruim! Nem tem gosto de tomate!
E tomates eles também não comiam.
Eva Kawka, minha avó uma das imigrantes polonesas, não deixava que seus filhos comessem tomates, dizia que não prestava.
Isso porque na Polônia não era costume comê-los.
Os poloneses plantavam tomates, mas estes, quando maduri-nhos, serviam para enfeitar as janelas.
Por isso preferiam aquilo que comiam na Polônia, como por exemplo pierogui, barszcz (sopa de beterraba), etc.
Mas comiam também arroz, feijão, quirera de milho cozida, uma espécie de bolinho feito de feijão, etc.
Mas tarde quando começaram a criar porcos, a situação ficou mais fácil.
Quando alguém matava um porco, juntavam duas, três famílias e repartiam-no, cada qual comprando determinada parte.
Para conservar a carne, os poloneses fritavam os diversos pedaços junto com a banha e depois colocavam numa lata.
Assim ela se conservava por muito tempo, e eles iam retirando os pedaços conforme necessitassem.
Também compravam algumas vacas, quando era possível, para ter leite em casa.
Quando Estanislau Kawka, meu avô, foi comprar sua primeira vaca, descobriu que o proprietário estava indo embora para São Paulo e que estava vendendo também o seu sítio de cinco alqueires. O curioso era que o preço do sítio era praticamente o mesmo da vaca.
Então Estanislau voltou para casa e disse para sua esposa e filhos que não ia mais comprar a vaca, e sim o sítio.
Mas eles não concordaram de jeito nenhum:
- Onde já se viu comprar terra ao invés da vaca? Por acaso nos vamos comer terra?...
Como a maioria foi contra, ele acabou comprando a vaca mesmo!
Hoje, quantas vacas compraria com o valor de cinco alqueires das melhores terras do país??
Cláudia Regina Kawka, acadêmica de Historia da UFPR
O problema era a comida
Cláudia Regina Kawka
Em 1937, chegaram à Colônia Gleba Orle, hoje situada no município de Arapongas, Norte do Paraná, várias famílias de imigrantes eslavos.
Eram poloneses e ucranianos que vinham para o Brasil em busca de terras e de uma vida melhor.
Vinham cheios de esperança, incentivados pela propaganda que era feita na Europa pela Paraná Plantations Ltda., depois Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, que era colonizadora de uma vasta região do Norte do Estado.
Aqui, os imigrantes poloneses achavam tudo bastante estranho.
Os costumes eram diferentes, o mato também, as comidas nem se fala.
Logo que desembarcaram do navio, ainda em Santos, foram levados para um hotel, onde a mesa já estava posta.
Os imigrantes olhavam para aquelas comidas brasileiras e ficavam espantados.
Como o cheiro era diferente! Todos continuavam de pé, ninguém se encorajava para sentar e comer.
Entre os pratos de comida havia várias garrafas com um líquido transparente.
Finalmente um dos imigrantes resolveu experimentar a tal bebida, crente que fosse pinga.
Pegou o copo, encheu e tomou tudo de um gole só, como se fazia na Polônia.
- Urgh! — exclamou — é água!
Tamanho espanto se explicava pelo fato de que na Polônia não se costuma beber água nas refeições.
Ou então quando foram experimentar caqui:
- Mas que tomate brasileiro ruim! Nem tem gosto de tomate!
E tomates eles também não comiam.
Eva Kawka, minha avó uma das imigrantes polonesas, não deixava que seus filhos comessem tomates, dizia que não prestava.
Isso porque na Polônia não era costume comê-los.
Os poloneses plantavam tomates, mas estes, quando maduri-nhos, serviam para enfeitar as janelas.
Por isso preferiam aquilo que comiam na Polônia, como por exemplo pierogui, barszcz (sopa de beterraba), etc.
Mas comiam também arroz, feijão, quirera de milho cozida, uma espécie de bolinho feito de feijão, etc.
Mas tarde quando começaram a criar porcos, a situação ficou mais fácil.
Quando alguém matava um porco, juntavam duas, três famílias e repartiam-no, cada qual comprando determinada parte.
Para conservar a carne, os poloneses fritavam os diversos pedaços junto com a banha e depois colocavam numa lata.
Assim ela se conservava por muito tempo, e eles iam retirando os pedaços conforme necessitassem.
Também compravam algumas vacas, quando era possível, para ter leite em casa.
Quando Estanislau Kawka, meu avô, foi comprar sua primeira vaca, descobriu que o proprietário estava indo embora para São Paulo e que estava vendendo também o seu sítio de cinco alqueires. O curioso era que o preço do sítio era praticamente o mesmo da vaca.
Então Estanislau voltou para casa e disse para sua esposa e filhos que não ia mais comprar a vaca, e sim o sítio.
Mas eles não concordaram de jeito nenhum:
- Onde já se viu comprar terra ao invés da vaca? Por acaso nos vamos comer terra?...
Como a maioria foi contra, ele acabou comprando a vaca mesmo!
Hoje, quantas vacas compraria com o valor de cinco alqueires das melhores terras do país??
Cláudia Regina Kawka, acadêmica de Historia da UFPR
domingo, 26 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Perdidos na escuridão
Histórias do Paraná - Perdidos na escuridão
Perdidos na escuridão
Adil Calomeno
No início da década de 60, algumas empresas de ônibus faziam o transporte de passageiros entre as principais cidades do Paraná em veículos que venciam grandes distâncias por estradas sem pavimentação, envoltos em densas nuvens de poeira, ou enfrentando o frio e a lama quando chovia.
O avião, em bom ou mau tempo, possibilitava o deslocamento de pessoas com maior rapidez.
Operavam os Táxis-aéreos, BOA, RETA, TASUL, VICENTE, AMERICANO e outros que, com pequenos aviões monomotores, cruzavam sem cessar os céus do Paraná, atingindo os mais longínquos e precários campos de pouso.
As Empresas Aéreas que possuíam aviões bi-mo-tores, SADIA, VARIG, AEROVIAS BRASIL e REAL, mantinham linhas regulares entre as principais Cidades.
Sobrevoando o território paranaense com destino a Londrina, um Douglas DC-3 deveria lá pousar no final da tarde, se tudo transcorresse normalmente. O tempo estava bom e o vôo tranqüilo, apesar da previsão de trovoadas isoladas na rota.
Grandes nuvens cúmulos, parecendo enormes bolas de sorvete, proporcionavam um espetáculo de rara beleza.
No horizonte, bem distante, via-se uma imensa nuvem cúmulos-nimbos (CB), cuja base escura varria as extremidades num balé macabro e assustador.
Desviando pela esquerda — procedimento usual no hemisfério sul — acompanhando a direção dos ventos, o pesado avião entrou numa região de severa turbulência, com fortes ventos de rajadas.
Subia, descia e sacudia sem cessar.
Os comandos não obedeciam, parecia que as asas iam soltar-se.
Os passageiros gritavam apavorados. O Comissário de bordo, inexperiente, não conseguiu acalmá-los, dirigiu-se ao Comandante: "O que devo fazer para acalmar esta gente?"
- Em primeiro lugar, acalme-se.
Mande fixar bem os cintos de segurança, abaixar as cabeças, colocar as mãos sobre a nuca, fechar os olhos e rezar.
Mas, em silêncio! -gritou o Comandante.
Os minutos pareciam séculos.
As luzes se apagaram. O Radioperador gritou: "Os rádios estão em pane!" Mas ele trazia consigo um pequeno rádio de pilhas para escutar (corujar) os radioamadores. A noite caiu rapidamente.
Os motores soavam uníssonos, levando o avião a esmo para uma região escura e despovoada. A turbulência aos poucos foi reduzindo.
Embaixo, nuvens esparsas encobriam o terreno, permitindo ver, nos intervalos, as luzes de pequenos povoados.
Mais distante, à esquerda, havia uma região mais iluminada; era uma cidade que se descortinou, quando o avião atingiu um nível mais baixo. "Que cidade é essa? E Maringá?... Paranavaí, também não é. Aloísio, cadê o radinho de pilha?" Perguntava o Comandante ao Radioperador.
O avião voava em círculos para não se afastar da Cidade.
Aloísio sintonizou no seu radinho uma estação de rádio local.
Irradiava um programa musical.
Durante mais de meia hora irradiava músicas regionais com extensas dedicatórias às namoradas, primos, primas e toda a família, mas não citava o seu prefixo nem o nome da cidade.
Aloísio mudou para outra faixa e sintonizou a estação de um Radioamador. "Finalmente descobri! E Campo Morão", disse o Radioperador eufórico. "Estou ouvindo o PY5-QJ. Radioamador não falha, dá sempre o prefixo e a cidade.
Agora é só traçar no mapa o rumo para Londrina e rezar para não encontrar outro CB". Chegaram em Londrina sãos e salvos, cantando e dando vivas à tripulação.
Adil Calomeno, engenheiro civil e aviador
Perdidos na escuridão
Adil Calomeno
No início da década de 60, algumas empresas de ônibus faziam o transporte de passageiros entre as principais cidades do Paraná em veículos que venciam grandes distâncias por estradas sem pavimentação, envoltos em densas nuvens de poeira, ou enfrentando o frio e a lama quando chovia.
O avião, em bom ou mau tempo, possibilitava o deslocamento de pessoas com maior rapidez.
Operavam os Táxis-aéreos, BOA, RETA, TASUL, VICENTE, AMERICANO e outros que, com pequenos aviões monomotores, cruzavam sem cessar os céus do Paraná, atingindo os mais longínquos e precários campos de pouso.
As Empresas Aéreas que possuíam aviões bi-mo-tores, SADIA, VARIG, AEROVIAS BRASIL e REAL, mantinham linhas regulares entre as principais Cidades.
Sobrevoando o território paranaense com destino a Londrina, um Douglas DC-3 deveria lá pousar no final da tarde, se tudo transcorresse normalmente. O tempo estava bom e o vôo tranqüilo, apesar da previsão de trovoadas isoladas na rota.
Grandes nuvens cúmulos, parecendo enormes bolas de sorvete, proporcionavam um espetáculo de rara beleza.
No horizonte, bem distante, via-se uma imensa nuvem cúmulos-nimbos (CB), cuja base escura varria as extremidades num balé macabro e assustador.
Desviando pela esquerda — procedimento usual no hemisfério sul — acompanhando a direção dos ventos, o pesado avião entrou numa região de severa turbulência, com fortes ventos de rajadas.
Subia, descia e sacudia sem cessar.
Os comandos não obedeciam, parecia que as asas iam soltar-se.
Os passageiros gritavam apavorados. O Comissário de bordo, inexperiente, não conseguiu acalmá-los, dirigiu-se ao Comandante: "O que devo fazer para acalmar esta gente?"
- Em primeiro lugar, acalme-se.
Mande fixar bem os cintos de segurança, abaixar as cabeças, colocar as mãos sobre a nuca, fechar os olhos e rezar.
Mas, em silêncio! -gritou o Comandante.
Os minutos pareciam séculos.
As luzes se apagaram. O Radioperador gritou: "Os rádios estão em pane!" Mas ele trazia consigo um pequeno rádio de pilhas para escutar (corujar) os radioamadores. A noite caiu rapidamente.
Os motores soavam uníssonos, levando o avião a esmo para uma região escura e despovoada. A turbulência aos poucos foi reduzindo.
Embaixo, nuvens esparsas encobriam o terreno, permitindo ver, nos intervalos, as luzes de pequenos povoados.
Mais distante, à esquerda, havia uma região mais iluminada; era uma cidade que se descortinou, quando o avião atingiu um nível mais baixo. "Que cidade é essa? E Maringá?... Paranavaí, também não é. Aloísio, cadê o radinho de pilha?" Perguntava o Comandante ao Radioperador.
O avião voava em círculos para não se afastar da Cidade.
Aloísio sintonizou no seu radinho uma estação de rádio local.
Irradiava um programa musical.
Durante mais de meia hora irradiava músicas regionais com extensas dedicatórias às namoradas, primos, primas e toda a família, mas não citava o seu prefixo nem o nome da cidade.
Aloísio mudou para outra faixa e sintonizou a estação de um Radioamador. "Finalmente descobri! E Campo Morão", disse o Radioperador eufórico. "Estou ouvindo o PY5-QJ. Radioamador não falha, dá sempre o prefixo e a cidade.
Agora é só traçar no mapa o rumo para Londrina e rezar para não encontrar outro CB". Chegaram em Londrina sãos e salvos, cantando e dando vivas à tripulação.
Adil Calomeno, engenheiro civil e aviador
sábado, 25 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Zé-Pequeno
Histórias do Paraná - Zé-Pequeno
Zé-Pequeno
Hosny Silva
Aos dez anos de idade, ainda lá em Morretes, já dominando o acordeão, dizia à mãe que ia tocar na igreja e se mandava para os bailecos da vida.
Nem a cachaça de banana, nem o barreado litorâneo conseguiram segurá-lo no rincão morreteano.
Seu espírito musical e boêmio trouxe-o para o alojamento curitibano.
Fosse no eixo Rio-São Paulo ou na Bahia, com certeza seria reconhecido como mais um músico que saiu do meio cultural para ingressar pela porta principal, no folclore brasileiro.
Zé-Pequeno não é mais um tocador de sanfona das noites do Parolim.
Hoje (1994), com 72 primaveras pelas costas, insiste em dar "canjas" pelos recantos notívagos de Curitiba.
Em cada um desses becos que se instala, sempre há um instrumentista, cantor ou compositor a lhe agradecer os ensinamentos e o apoio nunca negados.
Quem da noite fria e quase em surdina de nossa cidade vive, por certo tem alguma história a contar sobre o Zé-Pequeno.
Tanta é a sua importância nesse contexto, que já passou a fazer parte da lenda que o rodeia.
Nesses últimos anos, a figura imponente de seus quase dois metros de altura (apesar do apelido...) transitou nos quatro cantos da Cidade Sorriso: andou lá pelo extinto Frangão da Kennedy e por mais de uma dezena de outras casas noturnas, tendo, inclusive, pertencido ao grupo selecionadíssimo de artistas que o antigo Bar do Nilo - Sambas e Chorinhos teve a honra de contar em suas apresentações.
Andou também pelo Batei, pela Mateus Leme, chegando até a trabalhar em uma churrascaria, na qualidade de show-man, lá pelas bandas de Pinhais.
Correu a cidade inteira, com seu teclado, sua gaita de boca, seu violão, seu acordeão e sua categoria.
De coração e sorriso sempre abertos, tal qual um artista circense, ele engana, porém, a platéia que o admira.
Atrás de si, carrega o estigma da fatalidade.
Contudo, supera a sina e vai frente, com o apoio daquela santa que fica, dia e noite, lá no Capão da Imbuia, a lhe acudir o rebento enfermo e a lhe acolher madrugada adentro.
Prestar esse atributo ao musicista mais importante do Paraná do século XX, parece-me, todavia, mais que uma obrigação. E o resgate, ainda não tardio, de uma figura tão valiosa à historia paranaense como é a de Luiz Gonzaga para o Ceará, por exemplo.
Afinal, viver de música em Curitiba, persistindo por mais de meio século nessa pseudo-profissionalidade, é algo inatingível para a maioria de nossos conterrâneos.
Há uma profunda diferença, hoje, para quem observa o seu trabalho, do Zé-Pequeno de antigamente. O brilho foi substituído pela experiência.
Cada apresentação passou a se integrar à Historia.
Ele agora não precisa mais se fazer perfeito, zelar pelo primor da audição.
Agora, ele se mostra quase que por instinto, como se a música estivesse definitivamente embutida em sua vida.
Toca como nós respiramos.
Sem perceber.
O que se espera, nessa espécie de resgate, é a reverência não ao Zé-Pequeno atual, mas sim ao Zé-Pequeno de sempre!
Um derradeiro aviso: aos que não tiveram a oportunidade e o privilégio de vê-lo e de ouví-lo, ainda dá tempo.
Basta sondar a noite curitibana e perguntar por onde ele anda. Não é difícil achá-lo, pois ele não é nem um pouco pequeno. E um grande Zé!!!
Hosny Silva, cronista
Zé-Pequeno
Hosny Silva
Aos dez anos de idade, ainda lá em Morretes, já dominando o acordeão, dizia à mãe que ia tocar na igreja e se mandava para os bailecos da vida.
Nem a cachaça de banana, nem o barreado litorâneo conseguiram segurá-lo no rincão morreteano.
Seu espírito musical e boêmio trouxe-o para o alojamento curitibano.
Fosse no eixo Rio-São Paulo ou na Bahia, com certeza seria reconhecido como mais um músico que saiu do meio cultural para ingressar pela porta principal, no folclore brasileiro.
Zé-Pequeno não é mais um tocador de sanfona das noites do Parolim.
Hoje (1994), com 72 primaveras pelas costas, insiste em dar "canjas" pelos recantos notívagos de Curitiba.
Em cada um desses becos que se instala, sempre há um instrumentista, cantor ou compositor a lhe agradecer os ensinamentos e o apoio nunca negados.
Quem da noite fria e quase em surdina de nossa cidade vive, por certo tem alguma história a contar sobre o Zé-Pequeno.
Tanta é a sua importância nesse contexto, que já passou a fazer parte da lenda que o rodeia.
Nesses últimos anos, a figura imponente de seus quase dois metros de altura (apesar do apelido...) transitou nos quatro cantos da Cidade Sorriso: andou lá pelo extinto Frangão da Kennedy e por mais de uma dezena de outras casas noturnas, tendo, inclusive, pertencido ao grupo selecionadíssimo de artistas que o antigo Bar do Nilo - Sambas e Chorinhos teve a honra de contar em suas apresentações.
Andou também pelo Batei, pela Mateus Leme, chegando até a trabalhar em uma churrascaria, na qualidade de show-man, lá pelas bandas de Pinhais.
Correu a cidade inteira, com seu teclado, sua gaita de boca, seu violão, seu acordeão e sua categoria.
De coração e sorriso sempre abertos, tal qual um artista circense, ele engana, porém, a platéia que o admira.
Atrás de si, carrega o estigma da fatalidade.
Contudo, supera a sina e vai frente, com o apoio daquela santa que fica, dia e noite, lá no Capão da Imbuia, a lhe acudir o rebento enfermo e a lhe acolher madrugada adentro.
Prestar esse atributo ao musicista mais importante do Paraná do século XX, parece-me, todavia, mais que uma obrigação. E o resgate, ainda não tardio, de uma figura tão valiosa à historia paranaense como é a de Luiz Gonzaga para o Ceará, por exemplo.
Afinal, viver de música em Curitiba, persistindo por mais de meio século nessa pseudo-profissionalidade, é algo inatingível para a maioria de nossos conterrâneos.
Há uma profunda diferença, hoje, para quem observa o seu trabalho, do Zé-Pequeno de antigamente. O brilho foi substituído pela experiência.
Cada apresentação passou a se integrar à Historia.
Ele agora não precisa mais se fazer perfeito, zelar pelo primor da audição.
Agora, ele se mostra quase que por instinto, como se a música estivesse definitivamente embutida em sua vida.
Toca como nós respiramos.
Sem perceber.
O que se espera, nessa espécie de resgate, é a reverência não ao Zé-Pequeno atual, mas sim ao Zé-Pequeno de sempre!
Um derradeiro aviso: aos que não tiveram a oportunidade e o privilégio de vê-lo e de ouví-lo, ainda dá tempo.
Basta sondar a noite curitibana e perguntar por onde ele anda. Não é difícil achá-lo, pois ele não é nem um pouco pequeno. E um grande Zé!!!
Hosny Silva, cronista
sexta-feira, 24 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Vitória mais que apertada
Histórias do Paraná - Vitória mais que apertada
Vitória mais que apertada
João do Planalto
Relendo interessantes narrativas que se encontram no Livro "Sombras do Passado ou Histórias do Distrito do Pinhão", de autoria do meu conterrâneo guarapuavano-pinhãoense José Bischof, encontrei o espetacular caso referente à realização de um disputadíssimo pleito eleitoral municipal em Guarapuava, nos recuados idos de 1937.
Eram dois os concorrentes, ambos candidatos prestigiosos.
Pela situação, o Cel.
Anibal Virmond, abastado fazendeiro-pecuarista, lançado pela agremiação "Frente Única", dirigida pelo entusiasta e hábil chefe político guarapuavano Cel.
Antônio Villaça.
Pela oposição, o candidato era o senhor Generoso de Paula Bastos, operoso comerciante, dono de uma das maiores firmas comerciais do município de Guarapuava, indicado e apoiado pelo Partido Municipal Independente, aguerrida agremiação política, presidida pelo industrial, comerciante e banqueiro Francisco Missino.
A renhida batalha eleitoral, como se dizia então, realizou-se dentro de um clima de incontido entusiasmo do eleitorado, dividido em dois grupos.
Os dois cantavam antecipadamente uma esmagadora vitória, visto que ambos os candidatos eram portadores de valiosos predicados de honradez e competência administrativa.
Chega o dia da eleição, realizada dentro de perfeita ordem e com maciço comparecimento do eleitorado, como era esperado pelas chefias das agremiações políticas e pelos próprios candidatos.
Encerrada a votação, as urnas são imediatamente abertas para a contagem dos votos. A cada nome anunciado pelos escrutinadores seguiam-se os sorrisos e aplausos na compacta massa popular que se apinhava no local da apuração.
E a apuração chega ao fim, com o resultado causando imensa surpresa.
Pela diferença só de UM voto, o candidato Generoso de Paula Bastos sagra-se como vencedor.
Os seus eleitores fazem então uma enorme festa e dias depois, em solenidade mais festiva ainda, assistem a posse de seu candidato vitorioso.
A euforia da vitória alcançada, porém durou pouco. O candidato derrotado, Anibal Virmond, não se conformando em perder por um único sufrágio, recorreu do resultado pedindo recontagem dos votos. O Tribunal Regional Eleitoral do Estado fez a recontagem e constatou que, de fato houvera um erro.
O resultado correto era um não menos surpreendente EMPA-
TE! Diante disso, o TRE proclamou Anibal Virmond o vencedor do pleito, visto ser ele o mais idoso dos dois candidatos... pela diferença de UM único dia!
João do Planalto, jornalista em Guarapuava desde 1919
Vitória mais que apertada
João do Planalto
Relendo interessantes narrativas que se encontram no Livro "Sombras do Passado ou Histórias do Distrito do Pinhão", de autoria do meu conterrâneo guarapuavano-pinhãoense José Bischof, encontrei o espetacular caso referente à realização de um disputadíssimo pleito eleitoral municipal em Guarapuava, nos recuados idos de 1937.
Eram dois os concorrentes, ambos candidatos prestigiosos.
Pela situação, o Cel.
Anibal Virmond, abastado fazendeiro-pecuarista, lançado pela agremiação "Frente Única", dirigida pelo entusiasta e hábil chefe político guarapuavano Cel.
Antônio Villaça.
Pela oposição, o candidato era o senhor Generoso de Paula Bastos, operoso comerciante, dono de uma das maiores firmas comerciais do município de Guarapuava, indicado e apoiado pelo Partido Municipal Independente, aguerrida agremiação política, presidida pelo industrial, comerciante e banqueiro Francisco Missino.
A renhida batalha eleitoral, como se dizia então, realizou-se dentro de um clima de incontido entusiasmo do eleitorado, dividido em dois grupos.
Os dois cantavam antecipadamente uma esmagadora vitória, visto que ambos os candidatos eram portadores de valiosos predicados de honradez e competência administrativa.
Chega o dia da eleição, realizada dentro de perfeita ordem e com maciço comparecimento do eleitorado, como era esperado pelas chefias das agremiações políticas e pelos próprios candidatos.
Encerrada a votação, as urnas são imediatamente abertas para a contagem dos votos. A cada nome anunciado pelos escrutinadores seguiam-se os sorrisos e aplausos na compacta massa popular que se apinhava no local da apuração.
E a apuração chega ao fim, com o resultado causando imensa surpresa.
Pela diferença só de UM voto, o candidato Generoso de Paula Bastos sagra-se como vencedor.
Os seus eleitores fazem então uma enorme festa e dias depois, em solenidade mais festiva ainda, assistem a posse de seu candidato vitorioso.
A euforia da vitória alcançada, porém durou pouco. O candidato derrotado, Anibal Virmond, não se conformando em perder por um único sufrágio, recorreu do resultado pedindo recontagem dos votos. O Tribunal Regional Eleitoral do Estado fez a recontagem e constatou que, de fato houvera um erro.
O resultado correto era um não menos surpreendente EMPA-
TE! Diante disso, o TRE proclamou Anibal Virmond o vencedor do pleito, visto ser ele o mais idoso dos dois candidatos... pela diferença de UM único dia!
João do Planalto, jornalista em Guarapuava desde 1919
quinta-feira, 23 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - A Lapa e os Farrapos
Histórias do Paraná - A Lapa e os Farrapos
A Lapa e os Farrapos
Sérgio A. Leoni
Dentre os documentos que compõem o acervo da Casa da Memória da Lapa, encontra-se um de grande valor histórico,
oriundo do quartel general na vila de Paranaguá, datado de 9 de fevereiro de 1940, e assinado pelo general Pedro Labatut.
Labatut era um veterano das campanhas napoleônicas e das guerras das independências e da Grã Colômbia, tendo chegado a comandar Simão Bolívar.
No documento em questão, esse notável militar comunicava ao juiz municipal da ‘Villa do Príncipe"* que em breve chegaria a essa localidade, em companhia de seu estado maior, para assumir o comando das forças regulares imperiais, que continuaram combatendo os farroupilhas.
O sul da então província de São Paulo encontrava-se em perigo, desde 1837, quando a vila de Lages não resistiu à investida dos farrapos e quando Anita Garibaldi chegou até perto do Rio Negro, limite com a província do Rio Grande do Sul.
Nessa ocasião, fora designado para defender São Paulo o brigadeiro Xavier da Cunha, que contava com um total de 1527 soldados, sendo 120 voluntários da Lapa e de Campo do Tenente, comandados pelo capitão Valentiniano José de
Lima.
Em novembro de 1839, essa força acampou no Corisco, ao sul de Rio Negro, depois de permanecer muito tempo na Lapa.
No começo de dezembro marchou até Curitibanos, quando Hipólito Machado Dias, um bravo lapeano, com 120 homens de sua cavalaria voluntária, foi mandado guarnecer o Passo de SantAna, ficando frente a frente com os piquetes republicanos.
Em seguida, a coluna alcançou Campos Novos e logo após retornou a Lages, preparando-se para invadir o Rio Grande do Sul.
Isso realmente aconteceu, porém de forma precipitada pelo brigadeiro Cunha, que acabou sendo derrotado pelas forças do caudilho gaúcho Marinho Aranha, no Passo de Santa Vitória.
A força imperial que contava com aproximadamente 500 homens, foi desbaratada pelas de Aranha que tinha mais de 800, ocasião em que morreram muitos soldados e oficiais e o próprio brigadeiro Xavier da Cunha.
Nesse desastre só não ficaram desmoralizados os voluntários da Lapa e Campo do Tenente que, sitiados por todos os lados, fazendo dos muros de pedras trincheiras, conseguiram de forma heróica romper o cerco.
O "Noticiário", um jornal de São Paulo, publicou o fato em termos concisos, ao mesmo tempo em que veiculava a infausta morte do brigadeiro Cunha: "O denodado Valentiniano e os seus companheiros, verificando desesperada a situação, gritaram a quantos combatentes a seu lado haviam sustentado aquele ponto, que iam tentar romper o cerco, rejeitando as intimações.
Investindo sobre a porteira com coragem de leões, fizeram retroceder o grosso da força, com mortífero e bem dirigido fogo de fuzilaria.
Jogados fora da taipa, os rebeldes deixaram o terreno juncado de cavalos e cavaleiros."
Depois da derrota de Xavier da Cunha, vem a participação do comandante, general Pedro Labatut na Guerra dos Farrapos, cujo acesso havia se dado através da então "Villa do Príncipe".
Teria sido esse o último contacto da Lapa com a campanha farroupilha, se não fosse um juiz lapeano quem pusesse pá de cal às veleidades da união dos liberais de São Paulo com os republicanos gaúchos, com a prisão, perto de Passo Fundo do brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar.
O juiz lapeano referido foi o Dr. José Gaspar de Oliveira Lima, bacharel de 1832, da primeira turma do curso jurídico de São Paulo.
Sergio A. Leoni, ex-prefeito da Lapa ** "Villa do Príncipe" era a denominação da Lapa, de 1806 a 1872, quando foi elevada a categoria de cidade.
A Lapa e os Farrapos
Sérgio A. Leoni
Dentre os documentos que compõem o acervo da Casa da Memória da Lapa, encontra-se um de grande valor histórico,
oriundo do quartel general na vila de Paranaguá, datado de 9 de fevereiro de 1940, e assinado pelo general Pedro Labatut.
Labatut era um veterano das campanhas napoleônicas e das guerras das independências e da Grã Colômbia, tendo chegado a comandar Simão Bolívar.
No documento em questão, esse notável militar comunicava ao juiz municipal da ‘Villa do Príncipe"* que em breve chegaria a essa localidade, em companhia de seu estado maior, para assumir o comando das forças regulares imperiais, que continuaram combatendo os farroupilhas.
O sul da então província de São Paulo encontrava-se em perigo, desde 1837, quando a vila de Lages não resistiu à investida dos farrapos e quando Anita Garibaldi chegou até perto do Rio Negro, limite com a província do Rio Grande do Sul.
Nessa ocasião, fora designado para defender São Paulo o brigadeiro Xavier da Cunha, que contava com um total de 1527 soldados, sendo 120 voluntários da Lapa e de Campo do Tenente, comandados pelo capitão Valentiniano José de
Lima.
Em novembro de 1839, essa força acampou no Corisco, ao sul de Rio Negro, depois de permanecer muito tempo na Lapa.
No começo de dezembro marchou até Curitibanos, quando Hipólito Machado Dias, um bravo lapeano, com 120 homens de sua cavalaria voluntária, foi mandado guarnecer o Passo de SantAna, ficando frente a frente com os piquetes republicanos.
Em seguida, a coluna alcançou Campos Novos e logo após retornou a Lages, preparando-se para invadir o Rio Grande do Sul.
Isso realmente aconteceu, porém de forma precipitada pelo brigadeiro Cunha, que acabou sendo derrotado pelas forças do caudilho gaúcho Marinho Aranha, no Passo de Santa Vitória.
A força imperial que contava com aproximadamente 500 homens, foi desbaratada pelas de Aranha que tinha mais de 800, ocasião em que morreram muitos soldados e oficiais e o próprio brigadeiro Xavier da Cunha.
Nesse desastre só não ficaram desmoralizados os voluntários da Lapa e Campo do Tenente que, sitiados por todos os lados, fazendo dos muros de pedras trincheiras, conseguiram de forma heróica romper o cerco.
O "Noticiário", um jornal de São Paulo, publicou o fato em termos concisos, ao mesmo tempo em que veiculava a infausta morte do brigadeiro Cunha: "O denodado Valentiniano e os seus companheiros, verificando desesperada a situação, gritaram a quantos combatentes a seu lado haviam sustentado aquele ponto, que iam tentar romper o cerco, rejeitando as intimações.
Investindo sobre a porteira com coragem de leões, fizeram retroceder o grosso da força, com mortífero e bem dirigido fogo de fuzilaria.
Jogados fora da taipa, os rebeldes deixaram o terreno juncado de cavalos e cavaleiros."
Depois da derrota de Xavier da Cunha, vem a participação do comandante, general Pedro Labatut na Guerra dos Farrapos, cujo acesso havia se dado através da então "Villa do Príncipe".
Teria sido esse o último contacto da Lapa com a campanha farroupilha, se não fosse um juiz lapeano quem pusesse pá de cal às veleidades da união dos liberais de São Paulo com os republicanos gaúchos, com a prisão, perto de Passo Fundo do brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar.
O juiz lapeano referido foi o Dr. José Gaspar de Oliveira Lima, bacharel de 1832, da primeira turma do curso jurídico de São Paulo.
Sergio A. Leoni, ex-prefeito da Lapa ** "Villa do Príncipe" era a denominação da Lapa, de 1806 a 1872, quando foi elevada a categoria de cidade.
Histórias do Paraná - Um peixe para seu Amador
Histórias do Paraná - Um peixe para seu Amador
Um peixe para seu Amador
Odmir P.C. Valsecchi
Esta historinha me foi contada por um velho amigo, pioneiro do Norte do Paraná.
Contava-me ele, logo após a morte do Sr. Amador Aguiar que em Maringá, no decorrer da década de cinqüenta, havia um corretor de café e de terras que estava muito bem de vida, mas por uma descarga do infortúnio acabou se atrapalhando nos negócios e teve que vender tudo e recomeçar a vida completamente zerado.
Como esse cidadão era bom pescador amador, e possuía barco e redes, resolveu ir pescar profissionalmente para sobreviver.
Assim foi que se instalou no Paranazão no região de Guaíra, mas no primeiro dia, após bater rede de baixo pra cima e de cima pra baixo, acabou pescando um único Dourado, peixe de bom porte.
Como já estava cansado, resolveu parar naquele dia e aportou seu barco perto do trapiche da balsa que fazia a travessia para Mato Grosso.
No porto, um senhor alto achou bonito o peixe e se propôs a comprá-lo.
Era o banqueiro Amador Aguiar, fundador do Bradesco, mas o nosso pescador não o conhecia e travou-se mais ou menos o seguinte diálogo:
- Quanto quer pelo peixe?
- Nem sei, é o primeiro que pesco.
Sabe de uma coisa, prá me dar sorte nesta nova vida vou lhe dar de presente.
O senhor Amador, meio constrangido, insistiu em pagar e o pescador insistia em dar.
Em decorrência disso o papo se alongou enquanto aguardavam o retorno da balsa, e o banqueiro deu um cartão e se identificou ao neo pescador, acrescentando que se o mesmo, que era conhecedor de terras, achasse alguma fazenda boa na região, ele estaria interessado na compra, acrescentando ainda que podia se dirigir a uma fazenda ali perto, do próprio Amador, e contatar pelo rádio com São Paulo.
O pescador não levou muito a sério, achou que era uma simples gentileza e que para falar com um homem daqueles era tão difícil quanto falar com um Presidente.
Assim mesmo guardou o cartão e continuou vegetando pelas barrancas do Rio Paraná, até que um certo dia, decorridos já seis meses do encontro, soube de uma boa fazenda de cinco mil alqueires cheia de gado, especulou o preço e, lembrando-se do cartão, resolveu ir até a fazenda do Seu Amador para contatar com São Paulo. Não punha muita fé, mas foi.
Foi bem recebido na fazenda e o capataz passou o rádio para Seu Amador com os detalhes e preço. O capataz avisou que o novo contato era somente à tarde, e o pescador saiu e retomou na hora aprazada, ficando um tanto decepcionado, pois não veio resposta alguma e nem no dia seguinte.
Estava crente que o assunto havia morrido, mesmo assim desanimado retornou no terceiro dia. O capataz, ao avistá-lo de longe, gesticulava com um bilhete na mão e cara de felicidade, passando às mãos do pescador a seguinte mensagem:
- ‘Pode fechar negócio fazenda vg amanhã cedo segue ordem pagamento juntamente com o procurador para ultimar transferência pt saudações Amador Aguiar."
No dia seguinte pousava na fazenda um avião com o procurador, o qual fez todos os acertos e ainda trouxe um recado ao pescador.
- Pode procurar mais fazendas, o chefe disse que confia em sua palavra.
Com uma carta branca desse tipo o pescador renasceu e só foi cuidar de procurar mais fazendas.
Dizem que comprou mais de dez para o Sr. Amador e ficou amicíssimo do mesmo.
Para encerrar a história, conta-se que o pescador virou fazendeiro forte e mora em Londrina.
Odmir P. C. Valsecchi, dentista em Jandaia do Sul
Um peixe para seu Amador
Odmir P.C. Valsecchi
Esta historinha me foi contada por um velho amigo, pioneiro do Norte do Paraná.
Contava-me ele, logo após a morte do Sr. Amador Aguiar que em Maringá, no decorrer da década de cinqüenta, havia um corretor de café e de terras que estava muito bem de vida, mas por uma descarga do infortúnio acabou se atrapalhando nos negócios e teve que vender tudo e recomeçar a vida completamente zerado.
Como esse cidadão era bom pescador amador, e possuía barco e redes, resolveu ir pescar profissionalmente para sobreviver.
Assim foi que se instalou no Paranazão no região de Guaíra, mas no primeiro dia, após bater rede de baixo pra cima e de cima pra baixo, acabou pescando um único Dourado, peixe de bom porte.
Como já estava cansado, resolveu parar naquele dia e aportou seu barco perto do trapiche da balsa que fazia a travessia para Mato Grosso.
No porto, um senhor alto achou bonito o peixe e se propôs a comprá-lo.
Era o banqueiro Amador Aguiar, fundador do Bradesco, mas o nosso pescador não o conhecia e travou-se mais ou menos o seguinte diálogo:
- Quanto quer pelo peixe?
- Nem sei, é o primeiro que pesco.
Sabe de uma coisa, prá me dar sorte nesta nova vida vou lhe dar de presente.
O senhor Amador, meio constrangido, insistiu em pagar e o pescador insistia em dar.
Em decorrência disso o papo se alongou enquanto aguardavam o retorno da balsa, e o banqueiro deu um cartão e se identificou ao neo pescador, acrescentando que se o mesmo, que era conhecedor de terras, achasse alguma fazenda boa na região, ele estaria interessado na compra, acrescentando ainda que podia se dirigir a uma fazenda ali perto, do próprio Amador, e contatar pelo rádio com São Paulo.
O pescador não levou muito a sério, achou que era uma simples gentileza e que para falar com um homem daqueles era tão difícil quanto falar com um Presidente.
Assim mesmo guardou o cartão e continuou vegetando pelas barrancas do Rio Paraná, até que um certo dia, decorridos já seis meses do encontro, soube de uma boa fazenda de cinco mil alqueires cheia de gado, especulou o preço e, lembrando-se do cartão, resolveu ir até a fazenda do Seu Amador para contatar com São Paulo. Não punha muita fé, mas foi.
Foi bem recebido na fazenda e o capataz passou o rádio para Seu Amador com os detalhes e preço. O capataz avisou que o novo contato era somente à tarde, e o pescador saiu e retomou na hora aprazada, ficando um tanto decepcionado, pois não veio resposta alguma e nem no dia seguinte.
Estava crente que o assunto havia morrido, mesmo assim desanimado retornou no terceiro dia. O capataz, ao avistá-lo de longe, gesticulava com um bilhete na mão e cara de felicidade, passando às mãos do pescador a seguinte mensagem:
- ‘Pode fechar negócio fazenda vg amanhã cedo segue ordem pagamento juntamente com o procurador para ultimar transferência pt saudações Amador Aguiar."
No dia seguinte pousava na fazenda um avião com o procurador, o qual fez todos os acertos e ainda trouxe um recado ao pescador.
- Pode procurar mais fazendas, o chefe disse que confia em sua palavra.
Com uma carta branca desse tipo o pescador renasceu e só foi cuidar de procurar mais fazendas.
Dizem que comprou mais de dez para o Sr. Amador e ficou amicíssimo do mesmo.
Para encerrar a história, conta-se que o pescador virou fazendeiro forte e mora em Londrina.
Odmir P. C. Valsecchi, dentista em Jandaia do Sul
quarta-feira, 22 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - A barba de Jocelin
Histórias do Paraná - A barba de Jocelin
A barba de Jocelin
Túlio Vargas
Conta-nos o historiador Ermelino de Leão: "Manoel Leme, paulista de Mogi das Cruzes, casou-se em Paranaguá com a filha do provedor Manoel de Lemos Conde, de grande prestígio no litoral em meados do século passado.
Amealhou fortuna.
Comprou sítio no Boqueirão, em Curitiba, e fazenda de gado às margens do Rio Tibagi, nos Campos Gerais."
Elevado ao cargo de juiz ordinário, instaurou curioso processo contra o escrivão Euzébio Simões da Cunha, taxando-o de ladrão.
Uma denúncia gravíssima.
Este, por desgosto, deixou crescer a barba até que, ao concluir-se a instrução criminal, viu-se obrigado a raspá-la por ordem superior."
Parece ter sido costume dos antigos esse tipo de expiação, modo de purificar-se de imerecido castigo.
Lembrando-se, a propósito, de outro exemplo dessa prática bizarra.
Soubemos, por tradição oral de família, que Jocelin Morocines Borba também recorreu a esse ritual incomum.
Segundo Ermelino: "ele era homem de rara abnegação.
Um belo tipo gaúcho: alto, elegante, com a longa barba branca ondulante aos ventos, usando botas e esporas como exímio cavaleiro que era.
Prendia a atenção e impunha-se pela estima e bonomia.
Durante a Revolução
Federalista exerceu o cargo de comandante da fronteira da Ribeira." (Dic.
Hist. e Geográfico Paranaense, vol 3, fls 1.032).
Irmão de Telêmaco e Nestor Borba, toma-se conhecido pelos serviços prestados como diretor de aldeamentos indígenas e fidelidades à causa dos maragatos.
Correligionário de Generoso Marques dos Santos, da União Republicana, influente na política, viu-se nomeado contador dos Correios e Telégrafos, em Curitiba, durante o governo de Prudente de Moraes.
Nesse exercício mostrou-se sempre dedicado e operoso.
Certo dia, porém, desapareceu da sua seção um envelope de valores (quantia avultada para a época), sem que se pudesse apurar-lhe o paradeiro.
Depois de longas averiguações, em tumultuado inquérito administrativo, a responsabilidade recaiu sobre Jocelin, pois os bens estavam sob a sua guarda.
Acusado de peculato, sobreveio-lhe a demissão a bem do serviço público.
Honra enxovalhada, inconformado até a indignação, pelo que considerava erro imperdoável, deixou, como protesto pela injustiça, que lhe crescessem a barba, os cabelos e as unhas, resignando-se a cortá-los, somente quando se restabelecesse a verdade.
A repercussão do episódio causou-lhe irreparáveis danos morais.
Parecia um monge recolhido ao abandono, as unhas retorcidas, os cabelos compridos e a barba hirsuta, olhado com certo escárnio pelos maledicentes.
Todavia, diz o ditado, não há mal que sempre dure.
Anos depois, o escândalo já no esquecimento, numa reforma do prédio dos Correios encontrou-se, em surpresa, nos desvãos entre o armário e a parede, o extraviado enveloPe. Despencara da prateleira por detrás do móvel em lugar inacessível.
Estava explicado o sumiço.
Jocelin foi readmitido, mas nenhum desagravo compensou-lhe a terrível humilhação.
No barbeiro, ao recompor-se da penitência, sentiu, após sofridos anos, a emoção de um homem reabilitado.
Durante certo tempo, naquela geração, cada vez que alguém alegava inocência de uma acusação, invocava sempre o exemplo da "barba de Jocelin". A partir desse rumoroso processo, as autoridades do governo mostram-se mais cautelosas na apuração das denúncias.
Jocelin deixou numerosa família.
Entre filhos, netos e bisnetos, encontram-se os nomes do deputado federal Divonsir Borba Cortes e médico Helenton Borba Cortes (falecidos), médico Atlântido Borba Cortes e advogado Divonsir Cortes Filho.
Descendência digna da ancestralidade.
Túlio Vargas, ex-deputado e membro da Academia Paranaense de Letras
A barba de Jocelin
Túlio Vargas
Conta-nos o historiador Ermelino de Leão: "Manoel Leme, paulista de Mogi das Cruzes, casou-se em Paranaguá com a filha do provedor Manoel de Lemos Conde, de grande prestígio no litoral em meados do século passado.
Amealhou fortuna.
Comprou sítio no Boqueirão, em Curitiba, e fazenda de gado às margens do Rio Tibagi, nos Campos Gerais."
Elevado ao cargo de juiz ordinário, instaurou curioso processo contra o escrivão Euzébio Simões da Cunha, taxando-o de ladrão.
Uma denúncia gravíssima.
Este, por desgosto, deixou crescer a barba até que, ao concluir-se a instrução criminal, viu-se obrigado a raspá-la por ordem superior."
Parece ter sido costume dos antigos esse tipo de expiação, modo de purificar-se de imerecido castigo.
Lembrando-se, a propósito, de outro exemplo dessa prática bizarra.
Soubemos, por tradição oral de família, que Jocelin Morocines Borba também recorreu a esse ritual incomum.
Segundo Ermelino: "ele era homem de rara abnegação.
Um belo tipo gaúcho: alto, elegante, com a longa barba branca ondulante aos ventos, usando botas e esporas como exímio cavaleiro que era.
Prendia a atenção e impunha-se pela estima e bonomia.
Durante a Revolução
Federalista exerceu o cargo de comandante da fronteira da Ribeira." (Dic.
Hist. e Geográfico Paranaense, vol 3, fls 1.032).
Irmão de Telêmaco e Nestor Borba, toma-se conhecido pelos serviços prestados como diretor de aldeamentos indígenas e fidelidades à causa dos maragatos.
Correligionário de Generoso Marques dos Santos, da União Republicana, influente na política, viu-se nomeado contador dos Correios e Telégrafos, em Curitiba, durante o governo de Prudente de Moraes.
Nesse exercício mostrou-se sempre dedicado e operoso.
Certo dia, porém, desapareceu da sua seção um envelope de valores (quantia avultada para a época), sem que se pudesse apurar-lhe o paradeiro.
Depois de longas averiguações, em tumultuado inquérito administrativo, a responsabilidade recaiu sobre Jocelin, pois os bens estavam sob a sua guarda.
Acusado de peculato, sobreveio-lhe a demissão a bem do serviço público.
Honra enxovalhada, inconformado até a indignação, pelo que considerava erro imperdoável, deixou, como protesto pela injustiça, que lhe crescessem a barba, os cabelos e as unhas, resignando-se a cortá-los, somente quando se restabelecesse a verdade.
A repercussão do episódio causou-lhe irreparáveis danos morais.
Parecia um monge recolhido ao abandono, as unhas retorcidas, os cabelos compridos e a barba hirsuta, olhado com certo escárnio pelos maledicentes.
Todavia, diz o ditado, não há mal que sempre dure.
Anos depois, o escândalo já no esquecimento, numa reforma do prédio dos Correios encontrou-se, em surpresa, nos desvãos entre o armário e a parede, o extraviado enveloPe. Despencara da prateleira por detrás do móvel em lugar inacessível.
Estava explicado o sumiço.
Jocelin foi readmitido, mas nenhum desagravo compensou-lhe a terrível humilhação.
No barbeiro, ao recompor-se da penitência, sentiu, após sofridos anos, a emoção de um homem reabilitado.
Durante certo tempo, naquela geração, cada vez que alguém alegava inocência de uma acusação, invocava sempre o exemplo da "barba de Jocelin". A partir desse rumoroso processo, as autoridades do governo mostram-se mais cautelosas na apuração das denúncias.
Jocelin deixou numerosa família.
Entre filhos, netos e bisnetos, encontram-se os nomes do deputado federal Divonsir Borba Cortes e médico Helenton Borba Cortes (falecidos), médico Atlântido Borba Cortes e advogado Divonsir Cortes Filho.
Descendência digna da ancestralidade.
Túlio Vargas, ex-deputado e membro da Academia Paranaense de Letras
terça-feira, 21 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Gratidão decrescente
Histórias do Paraná - Gratidão decrescente
Gratidão decrescente
Flora C. Munhoz da Rocha
Sempre que a gente recontava aquele caso e todos gargalhavam, nosso tio ficava irritado;
- Que exagero! Não foi nada assim.
Querem saber mais que eu?
Ele ficava mais era com vergonha, pois sabia que estávamos contando bem direitinho como se passara.
Era uma vez uma tarde de calor.
Nosso tio Lindolfo Pessoa, que passava seu mês de férias de Deputado Federal na Ilha do Mel, resolveu dar um mergulho.
Mas a água estava tão boa que foi ficando, boiando de papo pro ar.
De repente foi ficar de pé e não tinha pé. Sem saber nadar, afobou, ficou nervosa Estava escurecendo.
Teve certeza de que iria se afogar se alguém não viesse com urgência ao seu socorro.
Então começou com os chamados e apelos desesperados de braços.
Nada, ninguém o estava vendo. O recurso era implorar ajuda do céu. E começaram as promessas: - "Juro que se alguém chegar a tempo de me salvar, este alguém receberá tudo que tenho.
Tudo. O dinheiro, a casa, a fazenda de café."
Chama novamente. A voz sai cada vez mais apertada.
Daí percebeu que a maré o estava afastando mais e mais.
Deixou-se levar pelas ondas e pela angústia da solidão, sentindo lágrimas escorrerem-lhe pelo rosto.
Foi naquele exato momento que exultou, alguém vinha em largas braçadas ao seu encalço. "Obrigado meu Deus, obrigado.
Amanhã mesmo entrego os oito milhões que tenho no Banco do Brasil."
O salvador forte e ágil já o segurava por um braço.
Tio Lindolfo pôde reparar que era um homem de cor.
Sem demora pensou que seria bobagem entregar-lhe os oito milhões.
Ridículo até. Negociava com a generosidade.
Um milhão ele ficará na maior felicidade.
Agora já pisava areia firme.
Juntou gente com fáceis sorrisos.
Exausto, ele também forçou um lento sorriso e o olhar fixo naquele gigante negro era de eterna gratidão.
Mas quando apertou-lhe a mão forte falando em gratificação, ouviu nitidamente um ‘‘Não se preocuPe. Sou salva-vidas. É minha profissão". Nosso tio insistiu:
- Por favor apareça ali naquela casa amarela.
Quando o mulato bateu à sua porta com os dentes à mostra de contentamento antecipado, o próprio tio Lindolfo veio abrí-la, de envelope já pronto no bolsinho da camisa.
Era um bonito envelope azul turquesa com 10 notas novinhas de 100 cruzeiros.
Flora C. Munboz da Rocha, ex-primeira dama do Estado e cronista
Gratidão decrescente
Flora C. Munhoz da Rocha
Sempre que a gente recontava aquele caso e todos gargalhavam, nosso tio ficava irritado;
- Que exagero! Não foi nada assim.
Querem saber mais que eu?
Ele ficava mais era com vergonha, pois sabia que estávamos contando bem direitinho como se passara.
Era uma vez uma tarde de calor.
Nosso tio Lindolfo Pessoa, que passava seu mês de férias de Deputado Federal na Ilha do Mel, resolveu dar um mergulho.
Mas a água estava tão boa que foi ficando, boiando de papo pro ar.
De repente foi ficar de pé e não tinha pé. Sem saber nadar, afobou, ficou nervosa Estava escurecendo.
Teve certeza de que iria se afogar se alguém não viesse com urgência ao seu socorro.
Então começou com os chamados e apelos desesperados de braços.
Nada, ninguém o estava vendo. O recurso era implorar ajuda do céu. E começaram as promessas: - "Juro que se alguém chegar a tempo de me salvar, este alguém receberá tudo que tenho.
Tudo. O dinheiro, a casa, a fazenda de café."
Chama novamente. A voz sai cada vez mais apertada.
Daí percebeu que a maré o estava afastando mais e mais.
Deixou-se levar pelas ondas e pela angústia da solidão, sentindo lágrimas escorrerem-lhe pelo rosto.
Foi naquele exato momento que exultou, alguém vinha em largas braçadas ao seu encalço. "Obrigado meu Deus, obrigado.
Amanhã mesmo entrego os oito milhões que tenho no Banco do Brasil."
O salvador forte e ágil já o segurava por um braço.
Tio Lindolfo pôde reparar que era um homem de cor.
Sem demora pensou que seria bobagem entregar-lhe os oito milhões.
Ridículo até. Negociava com a generosidade.
Um milhão ele ficará na maior felicidade.
Agora já pisava areia firme.
Juntou gente com fáceis sorrisos.
Exausto, ele também forçou um lento sorriso e o olhar fixo naquele gigante negro era de eterna gratidão.
Mas quando apertou-lhe a mão forte falando em gratificação, ouviu nitidamente um ‘‘Não se preocuPe. Sou salva-vidas. É minha profissão". Nosso tio insistiu:
- Por favor apareça ali naquela casa amarela.
Quando o mulato bateu à sua porta com os dentes à mostra de contentamento antecipado, o próprio tio Lindolfo veio abrí-la, de envelope já pronto no bolsinho da camisa.
Era um bonito envelope azul turquesa com 10 notas novinhas de 100 cruzeiros.
Flora C. Munboz da Rocha, ex-primeira dama do Estado e cronista
Histórias do Paraná - Fazenda Modelo
Histórias do Paraná - Fazenda Modelo
Fazenda Modelo
Augusto Canto Jr.
Engastada nos Campos Gerais, esta Fazenda de propriedade do Governo Federal tem características e peculiaridades bem diversas de todas as outras da região.
Começou com a sua implantação pelo Sr. Oscar Von Main, engenheiro germânico que requereu em tempos idos, do Estado, uma gleba de mais ou menos dois mil alqueires, afim de ali implantar uma propriedade particular que se tornasse modelo para as outras fazendas da região.
Foi atendido e, após receber os documentos referentes à doação que recebia, iniciou os trabalhos.
Primeiramente, planejou no terreno tudo que queria, para depois iniciar a construção das cercas, visando o fechamento dessa enorme área. O trabalho foi insano e, depois de muito meses, conseguiu realizá-lo.
Cidadão com grandes conhecimentos de países estrangeiros, conseguiu, ao solicitar do governo australiano, alguns quilos de sementes de eucaliptos.
Quando recebeu o material e as indicações de como plantar, efetuou a semeadura e assim foi o primeiro a fazer esse tipo de reflorestamento aqui no Paraná.
As sementes nasceram bem e, mais tarde, ao transplantar as mudas, viu seu trabalho coroado de êxito.
As variedades não foram muitas, sendo a principal o eucalipto salinas.
O problema mais sério da fazenda estava na água, aliás, como em todas as outras da região.
Após muito estudo, resolveu o Sr. Oscar, trazê-la de uma fonte muito distante da casa, coisa que o pessoal duvidava, e até fizeram algumas apostas como ele não conseguiria.
O tempo passou e, um belo dia, alguns amigos foram chamados para lá ver o resultado de seu trabalho. O nível tinha sido corretamente estudado e o sucesso alcançado.
Meu pai, Augusto Canto, perdeu uma caixa de cerveja, que alegremente pagou.
O exemplo que deu fez com que os outros companheiros das fazendas vizinhas estudassem cada um o seu problema, e muita gente conseguiu resultados excelentes com essa experiência.
Com o Governo Federal interessado em diversas outras experiências que o Sr. Main tinha implantado, como a criação de animais de raça, e o todo que a fazenda representava, propôs-lhe a compra e criou a "Fazenda Modelo" hoje um símbolo de Ponta Grossa.
Ali passaram diretores como os Srs.
Charles Conrur, Júlio Bittencourt, Borel Du Wernay, que só valorizaram aquele próprio federal, introduzindo melhorias e fazendo dela uma jóia princezinha.
Augusto Canto Jr., comerciante em Ponta
Fazenda Modelo
Augusto Canto Jr.
Engastada nos Campos Gerais, esta Fazenda de propriedade do Governo Federal tem características e peculiaridades bem diversas de todas as outras da região.
Começou com a sua implantação pelo Sr. Oscar Von Main, engenheiro germânico que requereu em tempos idos, do Estado, uma gleba de mais ou menos dois mil alqueires, afim de ali implantar uma propriedade particular que se tornasse modelo para as outras fazendas da região.
Foi atendido e, após receber os documentos referentes à doação que recebia, iniciou os trabalhos.
Primeiramente, planejou no terreno tudo que queria, para depois iniciar a construção das cercas, visando o fechamento dessa enorme área. O trabalho foi insano e, depois de muito meses, conseguiu realizá-lo.
Cidadão com grandes conhecimentos de países estrangeiros, conseguiu, ao solicitar do governo australiano, alguns quilos de sementes de eucaliptos.
Quando recebeu o material e as indicações de como plantar, efetuou a semeadura e assim foi o primeiro a fazer esse tipo de reflorestamento aqui no Paraná.
As sementes nasceram bem e, mais tarde, ao transplantar as mudas, viu seu trabalho coroado de êxito.
As variedades não foram muitas, sendo a principal o eucalipto salinas.
O problema mais sério da fazenda estava na água, aliás, como em todas as outras da região.
Após muito estudo, resolveu o Sr. Oscar, trazê-la de uma fonte muito distante da casa, coisa que o pessoal duvidava, e até fizeram algumas apostas como ele não conseguiria.
O tempo passou e, um belo dia, alguns amigos foram chamados para lá ver o resultado de seu trabalho. O nível tinha sido corretamente estudado e o sucesso alcançado.
Meu pai, Augusto Canto, perdeu uma caixa de cerveja, que alegremente pagou.
O exemplo que deu fez com que os outros companheiros das fazendas vizinhas estudassem cada um o seu problema, e muita gente conseguiu resultados excelentes com essa experiência.
Com o Governo Federal interessado em diversas outras experiências que o Sr. Main tinha implantado, como a criação de animais de raça, e o todo que a fazenda representava, propôs-lhe a compra e criou a "Fazenda Modelo" hoje um símbolo de Ponta Grossa.
Ali passaram diretores como os Srs.
Charles Conrur, Júlio Bittencourt, Borel Du Wernay, que só valorizaram aquele próprio federal, introduzindo melhorias e fazendo dela uma jóia princezinha.
Augusto Canto Jr., comerciante em Ponta
Histórias do Paraná - Guevara em Curitiba Paraná
Histórias do Paraná - Guevara em Curitiba Paraná
Guevara em Curitiba Paraná
Velêncio Xavier
Já dá para contar, Che Guevara passou secretamente pelo Paraná em 1966, em plena ditadura militar, na sua travessia para a Bolívia em busca de seu destino de guerrilheiro. O fato está em documentos secretos da CIA — Central of Intelligence Agency — recentemente liberados.
Até o "Fantástico" deu, mas sem os detalhes que, aliás, a CIA também não tem.
Com a "revelação oficial" da vinda de Guevara a Curitiba, já posso contar o que sei, coisas que nem a CIA sabe — sabe que ele esteve aqui, só isso. Não revelarei nomes, datas, fatos e dados que possam identificar as pessoas envolvidas.
Faço assim porque nunca se sabe o dia de amanhã, e porque certos segredos, como este que poucas pessoas sabem, são para quatro paredes por toda a eternidade. O leitor me perdoe, mas só contarei o que quero contar, da maneira que quero contar, e nada mais.
1966, sete horas e meia de ônibus de São Paulo a Curitiba. O ônibus com Guevara chega meia hora atrasado na Rodoviária velha, na João Negrão.
Seu contato não o esperava na plataforma, conforme o combinado.
Nos ônibus só se podia fumar cigarros, pensando no que fazer Guevara acende um charuto cubano, com anel trocado para não denunciar sua origem.
Em pé, a maleta entre as pernas, esperou para ver se o contato aparecia.
De terno e gravata, óculos, sem barba, e com os cabelos tingidos esbranquiçados mais parecia um pacato burguês de meia idade do que o jovem e temido guerrilheiro.
Sem o endereço do contato, e sem saber onde procurá-lo, Guevara espera já preocupado.
Nisso alguém pára, olha-o e cfiz: "O que você está fazendo aqui, Guevara?" Antes que o "Che" se recuperasse do susto, o homem fala bem alto: "Você não devia estar em Cuba, Guevara?!" E um bêbado.
Rapidamente, Guevara procura analisar a situação e achar uma saída, mal pôde balbuciar uma negativa: "Mi nombre no es Guevara/" O homem corta: "Que cheiro bom, é charuto cubano, né?! Vou querer um."
Guevara não pode correr pois iria atrair a atenção dos guardas fardados que vigiam a rodoviária: "Isso que é charuto, não esses matarratos que vendem aqui."- Diz o bêbado.
Guevara pensa até em mostrar o passaporte falso: "Estás me tomando por outra persona." Sem escutar, o bêbado puxa Guevara pelo braço: "Vamos tomar uma pinga para comemorar. Há quanto tempo, eim Guevara!" E vai puxando o guerrilheiro para o bar. "No puedo senor, espero outra persona." O bêbado corta: "Deixa pra lá, ele acha a gente no bar." Guevara concorda, uma pinga até que acalmaria suas idéias, daria tempo de achar uma solução.
No bar da rodoviária, sentam na mesa onde está uma mulher, com todo o jeito das vadias da região: "Querida, este é o Guevara que te falei.
Tem a voz igual à do Lucho Gatica.
Canta pra mim o Sabor a Mi: Passaram mas de mil anos, mucho más." Guevara rebate: "No sé cantar, senor." A vadia ajuda: "Não ligue, ele está bêbado, é melhor o senhor cair fora antes que ele apronte alguma confusão."
Guevara aproveita a deixa para sair, se levanta e vê entrando no bar uma pessoa olhando para ele, nenhum dos dois precisa dizer nada, sabe que é seu contato que, finalmente, chegou. O bêbado insiste, soltando baforadas no charuto: "Canta, Guevara." Guevara dá uns passos em direção ao contato, mas volta-se e com sua bela voz canta: "Pero Allá como aqui em la boca llevará sabor a mi." Os dois soltam a fumaça de seus charutos cubanos, Guevara solta em círculos como só ele sabia fazer. O bêbado diz para a mulher: "Grande Guevara. Não disse que a voz dele era igual a do Lucho Gatica?" E Guevara segue para seu destino.
Um ano depois morreria na guerrilha da Bolívia.
Valendo Xavier, escritor e historiador
Guevara em Curitiba Paraná
Velêncio Xavier
Já dá para contar, Che Guevara passou secretamente pelo Paraná em 1966, em plena ditadura militar, na sua travessia para a Bolívia em busca de seu destino de guerrilheiro. O fato está em documentos secretos da CIA — Central of Intelligence Agency — recentemente liberados.
Até o "Fantástico" deu, mas sem os detalhes que, aliás, a CIA também não tem.
Com a "revelação oficial" da vinda de Guevara a Curitiba, já posso contar o que sei, coisas que nem a CIA sabe — sabe que ele esteve aqui, só isso. Não revelarei nomes, datas, fatos e dados que possam identificar as pessoas envolvidas.
Faço assim porque nunca se sabe o dia de amanhã, e porque certos segredos, como este que poucas pessoas sabem, são para quatro paredes por toda a eternidade. O leitor me perdoe, mas só contarei o que quero contar, da maneira que quero contar, e nada mais.
1966, sete horas e meia de ônibus de São Paulo a Curitiba. O ônibus com Guevara chega meia hora atrasado na Rodoviária velha, na João Negrão.
Seu contato não o esperava na plataforma, conforme o combinado.
Nos ônibus só se podia fumar cigarros, pensando no que fazer Guevara acende um charuto cubano, com anel trocado para não denunciar sua origem.
Em pé, a maleta entre as pernas, esperou para ver se o contato aparecia.
De terno e gravata, óculos, sem barba, e com os cabelos tingidos esbranquiçados mais parecia um pacato burguês de meia idade do que o jovem e temido guerrilheiro.
Sem o endereço do contato, e sem saber onde procurá-lo, Guevara espera já preocupado.
Nisso alguém pára, olha-o e cfiz: "O que você está fazendo aqui, Guevara?" Antes que o "Che" se recuperasse do susto, o homem fala bem alto: "Você não devia estar em Cuba, Guevara?!" E um bêbado.
Rapidamente, Guevara procura analisar a situação e achar uma saída, mal pôde balbuciar uma negativa: "Mi nombre no es Guevara/" O homem corta: "Que cheiro bom, é charuto cubano, né?! Vou querer um."
Guevara não pode correr pois iria atrair a atenção dos guardas fardados que vigiam a rodoviária: "Isso que é charuto, não esses matarratos que vendem aqui."- Diz o bêbado.
Guevara pensa até em mostrar o passaporte falso: "Estás me tomando por outra persona." Sem escutar, o bêbado puxa Guevara pelo braço: "Vamos tomar uma pinga para comemorar. Há quanto tempo, eim Guevara!" E vai puxando o guerrilheiro para o bar. "No puedo senor, espero outra persona." O bêbado corta: "Deixa pra lá, ele acha a gente no bar." Guevara concorda, uma pinga até que acalmaria suas idéias, daria tempo de achar uma solução.
No bar da rodoviária, sentam na mesa onde está uma mulher, com todo o jeito das vadias da região: "Querida, este é o Guevara que te falei.
Tem a voz igual à do Lucho Gatica.
Canta pra mim o Sabor a Mi: Passaram mas de mil anos, mucho más." Guevara rebate: "No sé cantar, senor." A vadia ajuda: "Não ligue, ele está bêbado, é melhor o senhor cair fora antes que ele apronte alguma confusão."
Guevara aproveita a deixa para sair, se levanta e vê entrando no bar uma pessoa olhando para ele, nenhum dos dois precisa dizer nada, sabe que é seu contato que, finalmente, chegou. O bêbado insiste, soltando baforadas no charuto: "Canta, Guevara." Guevara dá uns passos em direção ao contato, mas volta-se e com sua bela voz canta: "Pero Allá como aqui em la boca llevará sabor a mi." Os dois soltam a fumaça de seus charutos cubanos, Guevara solta em círculos como só ele sabia fazer. O bêbado diz para a mulher: "Grande Guevara. Não disse que a voz dele era igual a do Lucho Gatica?" E Guevara segue para seu destino.
Um ano depois morreria na guerrilha da Bolívia.
Valendo Xavier, escritor e historiador
segunda-feira, 20 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - O escrivão analfabeto
Histórias do Paraná - O escrivão analfabeto
O escrivão analfabeto
Rui Pinto
Pelas Ordenações Filipinas os escrivães deveriam ser homens de bom juízo e entendimento, que soubessem escrever e notar.
E essas habilidades com as letras e as leis foram especialmente estimuladas no Brasil dos primeiros tempos coloniais, porque aqui os escrivães serviam como assessores importantes dos juizes, visto que esses, como os chamados ordinários, eram na sua maioria pessoas iletradas. E foi assim por muito tempo, até 1642, durante o reinado de D. João IV, quando se proibiu a eleição de juizes ordinários analfabetos, escolhidos anualmente pelo povo e pelas Câmaras.
Porém, o episódio que se pretende contar se refere a um tempo muito mais recente e tem por cenário nossa Curitiba de algumas décadas atrás, já afamada por suas luzes universitárias.
Na nossa história, entretanto, é o próprio escrivão que é analfabeto, ou quase isso, apesar de titular, de há muitos anos, de uma das serventias criminais da capital.
Embora jejuno das letras, o serventuário era homem benquisto e prestigiado pelos próprios juizes da vara, que faziam vista grossa de seu despreparo.
Para não se expor, o escrivão nunca oficiava diretamente nos feitos, nem participava das audiências.
Tudo era feito pelo escrevente e os atos posteriores sacramentados de alguma forma pelo escrivão.
Conta-se que sua dificuldade era tanta que, embora fosse Gonçalves de sobrenome, escrevia Gonsalves (com s), porque achava difícil usar o c cedilha.
Acontece que, pelas tantas, assumiu um juiz sisudo e muito formal quanto aos atos da Justiça.
Quando depressa lhe contaram que o escrivão era analfabeto, estremeceu de horror:
- Onde já se viu um escrivão analfabeto, reagiu. E nesses tempos! Pois veremos...
E, assim, logo à primeira audiência convocou o escrivão para lavrar seus termos, pessoalmente.
- Meretíssimo, o senhor não precisa de mim, redargüiu este.
Tem o escrevente que faz tudo. E moço de muita competência. E tem sido sempre assim...
- Qual nada, impôs o severo magistrado. O senhor é que é o escrivão e vai fazer a audiência!
Pois assim foi.
Resignado, o serventuário assumiu calado o seu ofício e, à hora, ajeitou-se para lavrar o livro oficial.
Acomodadas as partes, determinou o juiz, à cabeceira da mesa:
- Senhor escrivão, faça a assentada da primeira testemunha!
E aí então se deu o desastre.
Forçando a mão, o pobre escrivão tentava garatujar a palavra assenta, que, com extrema dificuldade, saiu, afinal, asentada, esquecendo o outro s.
- Vejo que o senhor não sabe escrever, senhor escrivão, reagiu em voz alta o juiz.
De modo algum posso tolerar um escrivão analfabeto em minha vara. O senhor está suspenso, até que o Tribunal resolva esse impasse!
E foi o que aconteceu, só que, por gozar de grande estima e prestígio, e ser aparentado de um dos potentados da política local, as coisas acabaram se acomodando e, vencida a suspensão, o escrivão voltou ao seu ofício e a se servir dos préstimos de seu escrevente.
Do juiz, a crônica não diz o que se sucedeu.
Ou foi sucedido?...
Rui Pinto, Procurador de Justiça
O escrivão analfabeto
Rui Pinto
Pelas Ordenações Filipinas os escrivães deveriam ser homens de bom juízo e entendimento, que soubessem escrever e notar.
E essas habilidades com as letras e as leis foram especialmente estimuladas no Brasil dos primeiros tempos coloniais, porque aqui os escrivães serviam como assessores importantes dos juizes, visto que esses, como os chamados ordinários, eram na sua maioria pessoas iletradas. E foi assim por muito tempo, até 1642, durante o reinado de D. João IV, quando se proibiu a eleição de juizes ordinários analfabetos, escolhidos anualmente pelo povo e pelas Câmaras.
Porém, o episódio que se pretende contar se refere a um tempo muito mais recente e tem por cenário nossa Curitiba de algumas décadas atrás, já afamada por suas luzes universitárias.
Na nossa história, entretanto, é o próprio escrivão que é analfabeto, ou quase isso, apesar de titular, de há muitos anos, de uma das serventias criminais da capital.
Embora jejuno das letras, o serventuário era homem benquisto e prestigiado pelos próprios juizes da vara, que faziam vista grossa de seu despreparo.
Para não se expor, o escrivão nunca oficiava diretamente nos feitos, nem participava das audiências.
Tudo era feito pelo escrevente e os atos posteriores sacramentados de alguma forma pelo escrivão.
Conta-se que sua dificuldade era tanta que, embora fosse Gonçalves de sobrenome, escrevia Gonsalves (com s), porque achava difícil usar o c cedilha.
Acontece que, pelas tantas, assumiu um juiz sisudo e muito formal quanto aos atos da Justiça.
Quando depressa lhe contaram que o escrivão era analfabeto, estremeceu de horror:
- Onde já se viu um escrivão analfabeto, reagiu. E nesses tempos! Pois veremos...
E, assim, logo à primeira audiência convocou o escrivão para lavrar seus termos, pessoalmente.
- Meretíssimo, o senhor não precisa de mim, redargüiu este.
Tem o escrevente que faz tudo. E moço de muita competência. E tem sido sempre assim...
- Qual nada, impôs o severo magistrado. O senhor é que é o escrivão e vai fazer a audiência!
Pois assim foi.
Resignado, o serventuário assumiu calado o seu ofício e, à hora, ajeitou-se para lavrar o livro oficial.
Acomodadas as partes, determinou o juiz, à cabeceira da mesa:
- Senhor escrivão, faça a assentada da primeira testemunha!
E aí então se deu o desastre.
Forçando a mão, o pobre escrivão tentava garatujar a palavra assenta, que, com extrema dificuldade, saiu, afinal, asentada, esquecendo o outro s.
- Vejo que o senhor não sabe escrever, senhor escrivão, reagiu em voz alta o juiz.
De modo algum posso tolerar um escrivão analfabeto em minha vara. O senhor está suspenso, até que o Tribunal resolva esse impasse!
E foi o que aconteceu, só que, por gozar de grande estima e prestígio, e ser aparentado de um dos potentados da política local, as coisas acabaram se acomodando e, vencida a suspensão, o escrivão voltou ao seu ofício e a se servir dos préstimos de seu escrevente.
Do juiz, a crônica não diz o que se sucedeu.
Ou foi sucedido?...
Rui Pinto, Procurador de Justiça
domingo, 19 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Deu nas páginas
Histórias do Paraná - Deu nas páginas
Deu nas páginas
Emígdio R Corrêa
Fazer jornal é muito complicado. Não é para menos que jornalista (de jornal) tem fama de maluco.
De fato.
Uma loucura. É como armar uma escola de samba para desfile.
Escola do Rio de Janeiro, é claro.
Os diversos setores, embora sob um comando único, têm tarefas específicas, problemas típicos.
Mas as coisas acabam se encaixando, embora às vezes a bateria perca a cadência, o puxador do samba atravesse ou o carro principal quebre o eixo na entrada da avenida. E o bloco ganha as ruas.
Um universo muito complexo. E cheio de complexos.
Por exemplo: a eterna guerra entre revisão e redação.
Vai por aí. O leitor comum não sabe a mão-de-obra que é fazer uma edição de jornal.
Para tudo acabar ao meio-dia, ou início da tarde. O jornal deixou de ser um produto fresco. E altamente perecível.
Vai daí que o cidadão deve relevar certas coisas, embora os jornais mantenham permanente esforço para saírem perfeitos e o leitor, enquanto consumidor, tenha todo o direito de reclamar.
Haja Procon.
Não muito tempo atrás, a costumeira troca de fotos na montagem criou um problema sério no Paraná. O jornal (vamos omitir o nome em solidariedade a todas as vítimas) anunciava, na página de turfe, que a égua tal estava muito cotada no quinto páreo.
Ilustrando o texto, a foto de uma madame da alta sociedade.
Na página social, sob a foto de um belo animal, crina no capricho, a legenda anunciava que a dona fulana estava fazendo o maior "su" no eixo Rio-São Paulo.
Casos como esse já não são tão comuns, mas insistem em macular a história da imprensa.
Existe, também, o erro intencional.
Um figuraço da cidade, vaidoso e mais lustroso que laranja de amostra em feira-livre, insistia em aparecer seguidamente na coluna social. O secretário da redação não suportava mais o chato.
Um dia, a vingança.
Mandou publicar a foto, com destaque (a legenda já vinha pronta, cheia de elogios) e, para espanto do diagramador, seguiu junto para a composição o bilhete do indigitado cidadão:
- Por favor, fulano, me dê uma força publicando esta nota sobre a minha própria pessoa.
Estou na pior, preciso de toda ajuda possível.
Obrigado, beltrano.
Ao que consta, nunca mais o colunável pintou nas páginas.
Emígdio R Corrêa, jornalista bissexto
Deu nas páginas
Emígdio R Corrêa
Fazer jornal é muito complicado. Não é para menos que jornalista (de jornal) tem fama de maluco.
De fato.
Uma loucura. É como armar uma escola de samba para desfile.
Escola do Rio de Janeiro, é claro.
Os diversos setores, embora sob um comando único, têm tarefas específicas, problemas típicos.
Mas as coisas acabam se encaixando, embora às vezes a bateria perca a cadência, o puxador do samba atravesse ou o carro principal quebre o eixo na entrada da avenida. E o bloco ganha as ruas.
Um universo muito complexo. E cheio de complexos.
Por exemplo: a eterna guerra entre revisão e redação.
Vai por aí. O leitor comum não sabe a mão-de-obra que é fazer uma edição de jornal.
Para tudo acabar ao meio-dia, ou início da tarde. O jornal deixou de ser um produto fresco. E altamente perecível.
Vai daí que o cidadão deve relevar certas coisas, embora os jornais mantenham permanente esforço para saírem perfeitos e o leitor, enquanto consumidor, tenha todo o direito de reclamar.
Haja Procon.
Não muito tempo atrás, a costumeira troca de fotos na montagem criou um problema sério no Paraná. O jornal (vamos omitir o nome em solidariedade a todas as vítimas) anunciava, na página de turfe, que a égua tal estava muito cotada no quinto páreo.
Ilustrando o texto, a foto de uma madame da alta sociedade.
Na página social, sob a foto de um belo animal, crina no capricho, a legenda anunciava que a dona fulana estava fazendo o maior "su" no eixo Rio-São Paulo.
Casos como esse já não são tão comuns, mas insistem em macular a história da imprensa.
Existe, também, o erro intencional.
Um figuraço da cidade, vaidoso e mais lustroso que laranja de amostra em feira-livre, insistia em aparecer seguidamente na coluna social. O secretário da redação não suportava mais o chato.
Um dia, a vingança.
Mandou publicar a foto, com destaque (a legenda já vinha pronta, cheia de elogios) e, para espanto do diagramador, seguiu junto para a composição o bilhete do indigitado cidadão:
- Por favor, fulano, me dê uma força publicando esta nota sobre a minha própria pessoa.
Estou na pior, preciso de toda ajuda possível.
Obrigado, beltrano.
Ao que consta, nunca mais o colunável pintou nas páginas.
Emígdio R Corrêa, jornalista bissexto
sábado, 18 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - O granadeiro
Histórias do Paraná - O granadeiro
O granadeiro
Lauro Grein Filho
Confúcio resumiu, numa só palavra, toda a estratégia do relacionamento humano: - "Reciprocidade". A concórdia entre as pessoas mantidas nas regras do toma lá e dá cá, troca de atenções a reger os convívios e animar as amizades. O desequilíbrio nos pratos da balança, a falta de retribuição a auxílios recebidos, o esquecimento a favores prestados, eis os ingredientes para o término das efusões amistosas, de imediato substituídas pela decepção, ódio, rancor, sentimentos levados à conta da expressão mútuo e irrecorrível: - "Ingratidão".
Estava no Hospital, em Castro, quando chegou o cliente, rapaz conhecido e amigo, a mostrar no braço imóvel e na tipóia mal feita a necessidade do atendimento médico urgente.
Desvencilhei-lhe o lenço provisório, constatando na dor e na impotência funcional os traços clássicos da fratura.
Radiografei, reduzi e imobilizei, satisfazendo-me com o arremate do aparelho gessado, ao qual dediquei toda a arte que sabia.
Livre da dor, reconfortado e reabilitado, o moço permaneceu ainda por algum tempo no consultório, demonstrando alegria pelo caso resolvido, animadamente conversando e contando sobre o acidente que sofrerá.
"Quanto é doutor".
"Ora deixa disso.
Você é meu amigo."
O jovem alargou mais o sorriso, despedindo-se com a recomendação de voltar no dia seguinte para controle e avaliação.
Nessa tarde corria pelo Fórum a apuração das eleições de 1954, transcorrida na véspera.
Quatro ilustres filhos da terra disputavam uma cadeira no Legislativo Estadual e o pleito se desenrolara aguerrido e ardoroso.
Não era candidato a nada, mas conhecia-se muito bem pela cidade o declarado antagonismo que me conflitava com um dos concorrentes, justamente o vencedor do pleito.
Um prestigioso médico que me detestava com todas as forças, quanto eu a ele.
À noite, estava no Clube às voltas com uma partida de xadrez, quando recebi na voz preocupada de um amigo o aviso de que uma turma se preparava para incendiar o meu carro.
Era uma "Belair", nova e importada, estacionada a poucos metros do "União e Progresso".
Corri para a porta, de onde divisei um aglomerado de gente entusiasmada, que aos gritos de "morra o Dr. Lauro", estourando bombas e espoucando foguetes, avançava do canto da praça em direção ao automóvel.
Entre os granadeiros, no meio da algazarra, destacava-se a figura esbelta do jovem companheiro que pela manhã me ocupara como médico e a quem, em nome de uma amizade, atendi e não cobrei. Lá estava, com o braço engessado, o gesso que lhe fiz, guapo e radiante a prestigiar o acontecimento, a abrilhantar a marcha, a alegrar a festa.
A minha presença e a participação de alguns amigos, o grupo se acomodou, se aquietou e imediatamente se apagou.
Os gritos cessaram como por encanto e apenas dois demorados foguetes acenderam timidamente pelo ar.
Em alguns instantes todos os baluartes da comemoração vitoriosa se dispersaram e, aos poucos, nenhum mais restou.
Do rapaz, não guardei mágoas ou rancores, preferindo beneficiar-me da lição que me ensinou.
Porque desde então, nunca mais me senti melindrado por qualquer forma de injustiça.
Nunca mais me detive em análises e conjecturas sobre os atos dos outros, nem me considerei ofendido ou desconsolado por estranhas maneiras de qualquer pessoa.
Passei a encarar o homem com todo o seu potencial de suas imprevisibilidades, não me surpreendo jamais com as diferentes gamas de seus critérios e comportamentos. A dose foi vigorosa e forte, o suficiente para me imunizar para o resto da vida.
Lauro Grein Filho, médico e membro da Academia Paranaense de Letras
O granadeiro
Lauro Grein Filho
Confúcio resumiu, numa só palavra, toda a estratégia do relacionamento humano: - "Reciprocidade". A concórdia entre as pessoas mantidas nas regras do toma lá e dá cá, troca de atenções a reger os convívios e animar as amizades. O desequilíbrio nos pratos da balança, a falta de retribuição a auxílios recebidos, o esquecimento a favores prestados, eis os ingredientes para o término das efusões amistosas, de imediato substituídas pela decepção, ódio, rancor, sentimentos levados à conta da expressão mútuo e irrecorrível: - "Ingratidão".
Estava no Hospital, em Castro, quando chegou o cliente, rapaz conhecido e amigo, a mostrar no braço imóvel e na tipóia mal feita a necessidade do atendimento médico urgente.
Desvencilhei-lhe o lenço provisório, constatando na dor e na impotência funcional os traços clássicos da fratura.
Radiografei, reduzi e imobilizei, satisfazendo-me com o arremate do aparelho gessado, ao qual dediquei toda a arte que sabia.
Livre da dor, reconfortado e reabilitado, o moço permaneceu ainda por algum tempo no consultório, demonstrando alegria pelo caso resolvido, animadamente conversando e contando sobre o acidente que sofrerá.
"Quanto é doutor".
"Ora deixa disso.
Você é meu amigo."
O jovem alargou mais o sorriso, despedindo-se com a recomendação de voltar no dia seguinte para controle e avaliação.
Nessa tarde corria pelo Fórum a apuração das eleições de 1954, transcorrida na véspera.
Quatro ilustres filhos da terra disputavam uma cadeira no Legislativo Estadual e o pleito se desenrolara aguerrido e ardoroso.
Não era candidato a nada, mas conhecia-se muito bem pela cidade o declarado antagonismo que me conflitava com um dos concorrentes, justamente o vencedor do pleito.
Um prestigioso médico que me detestava com todas as forças, quanto eu a ele.
À noite, estava no Clube às voltas com uma partida de xadrez, quando recebi na voz preocupada de um amigo o aviso de que uma turma se preparava para incendiar o meu carro.
Era uma "Belair", nova e importada, estacionada a poucos metros do "União e Progresso".
Corri para a porta, de onde divisei um aglomerado de gente entusiasmada, que aos gritos de "morra o Dr. Lauro", estourando bombas e espoucando foguetes, avançava do canto da praça em direção ao automóvel.
Entre os granadeiros, no meio da algazarra, destacava-se a figura esbelta do jovem companheiro que pela manhã me ocupara como médico e a quem, em nome de uma amizade, atendi e não cobrei. Lá estava, com o braço engessado, o gesso que lhe fiz, guapo e radiante a prestigiar o acontecimento, a abrilhantar a marcha, a alegrar a festa.
A minha presença e a participação de alguns amigos, o grupo se acomodou, se aquietou e imediatamente se apagou.
Os gritos cessaram como por encanto e apenas dois demorados foguetes acenderam timidamente pelo ar.
Em alguns instantes todos os baluartes da comemoração vitoriosa se dispersaram e, aos poucos, nenhum mais restou.
Do rapaz, não guardei mágoas ou rancores, preferindo beneficiar-me da lição que me ensinou.
Porque desde então, nunca mais me senti melindrado por qualquer forma de injustiça.
Nunca mais me detive em análises e conjecturas sobre os atos dos outros, nem me considerei ofendido ou desconsolado por estranhas maneiras de qualquer pessoa.
Passei a encarar o homem com todo o seu potencial de suas imprevisibilidades, não me surpreendo jamais com as diferentes gamas de seus critérios e comportamentos. A dose foi vigorosa e forte, o suficiente para me imunizar para o resto da vida.
Lauro Grein Filho, médico e membro da Academia Paranaense de Letras
sexta-feira, 17 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Um veterano do Paraguai
Histórias do Paraná - Um veterano do Paraguai
Um veterano do Paraguai
Astrogildo de Freitas
Conheci seu Maneco Demétrio na Mandaçaia, onde residia e mantinha, como um dos seus afazeres, uma loja razoavelmente sortida com os principais artigos de primeira necessidade. O estabelecimento era atendido por Ernesto de Oliveira, seu parente consagüíneo, que com dedicação exclusiva delineava os seus afazeres.
Os trabalhos nas áreas de agricultura e pecuária das propriedades eram atendidos pelo próprio, ajudado por camaradas contratados para essas finalidades.
A povoação localizada a cerca de três léguas da cidade de Palmeira, na rodovia que demanda o sul do Estado, servia, principalmente, de ponto de referência para a entrada da colônia de Santa Bárbara, agora acrescida dos lotes da ex-colônia Cecília.
Manoel Demétrio de Oliveira era veterano da Guerra do Paraguai, para onde fora como voluntário da pátria e onde permaneceu por vasto período.
Recebeu ferimentos que lhe deixaram cicatrizes, inclusive aquela ganha ao interceptar um golpe de lança ou espada, desferido por um inimigo contra o corpo do comandante em chefe das forças da tríplice aliança, o então Marques de Caxias, de quem fazia parte da escolta como cabo ajudante de ordens.
Esse episódio aconteceu no intenso fragor da batalha pela travessia do Itororó, uma das mais violentas daquela guerra e só definida com a presença e o arrojo do valoroso e incontestável comandante das forças aliadas, em operação. A atitude corajosa e a pronta intervenção de Manoel Demétrio de Oliveira impediu alterações na integridade física do comandante, fato que, se acontecido, provocaria o seu afastamento do teatro de operações e o conseqüente prolongamento das hostilidades.
Todavia, a interceptação do golpe quase lhe decepara a mão direita.
Por esse ato de bravura lhe foi atribuída a promoção ao posto de sargento, a qual recusou incontinen-te.
Para si não houvera nenhum mérito na sua atuação, pois ele estava ali no seu posto, justamente para proceder dessa forma.
Manoel Demétrio de Oliveira, casado com Maria Rosa Stockler de Oliveira, filha do capitão Antonio Pereira Bueno Stockler, e também veterano daquela guerra sangrenta, criou uma filha, Adelina Rosa de Oliveira, e era irmão de Diogo Antonio de Freitas e de Teófilo José de Freitas, residentes na cidade de Palmeira.
Veterano de guerra, sempre pautou as suas ações e atos com uma integridade rígida, beirando ao exagero. Não tolerava o desperdício.
Mas não mantinha entre as suas parcimônias a usura. A sua mesa era farta e liberada a todos os presentes, da casa ou visitantes.
Em 20 de agosto de 1964, foi-lhe prestada uma homenagem póstuma, com o comparecimento ao cemitério de Palmeira de avantajado número de pessoas. O ato contou com a presença da banda de música e alguns militares do 13° Regimento de Infantaria, sediado em Ponta Grossa, que vieram especialmente para prestigiar a homenagem.
O acontecimento está perpetuado com a fixação de uma placa de bronze no túmulo desse veterano de guerra.
Astrogildo de Freitas, membro do Centro de Letras do Paraná
Um veterano do Paraguai
Astrogildo de Freitas
Conheci seu Maneco Demétrio na Mandaçaia, onde residia e mantinha, como um dos seus afazeres, uma loja razoavelmente sortida com os principais artigos de primeira necessidade. O estabelecimento era atendido por Ernesto de Oliveira, seu parente consagüíneo, que com dedicação exclusiva delineava os seus afazeres.
Os trabalhos nas áreas de agricultura e pecuária das propriedades eram atendidos pelo próprio, ajudado por camaradas contratados para essas finalidades.
A povoação localizada a cerca de três léguas da cidade de Palmeira, na rodovia que demanda o sul do Estado, servia, principalmente, de ponto de referência para a entrada da colônia de Santa Bárbara, agora acrescida dos lotes da ex-colônia Cecília.
Manoel Demétrio de Oliveira era veterano da Guerra do Paraguai, para onde fora como voluntário da pátria e onde permaneceu por vasto período.
Recebeu ferimentos que lhe deixaram cicatrizes, inclusive aquela ganha ao interceptar um golpe de lança ou espada, desferido por um inimigo contra o corpo do comandante em chefe das forças da tríplice aliança, o então Marques de Caxias, de quem fazia parte da escolta como cabo ajudante de ordens.
Esse episódio aconteceu no intenso fragor da batalha pela travessia do Itororó, uma das mais violentas daquela guerra e só definida com a presença e o arrojo do valoroso e incontestável comandante das forças aliadas, em operação. A atitude corajosa e a pronta intervenção de Manoel Demétrio de Oliveira impediu alterações na integridade física do comandante, fato que, se acontecido, provocaria o seu afastamento do teatro de operações e o conseqüente prolongamento das hostilidades.
Todavia, a interceptação do golpe quase lhe decepara a mão direita.
Por esse ato de bravura lhe foi atribuída a promoção ao posto de sargento, a qual recusou incontinen-te.
Para si não houvera nenhum mérito na sua atuação, pois ele estava ali no seu posto, justamente para proceder dessa forma.
Manoel Demétrio de Oliveira, casado com Maria Rosa Stockler de Oliveira, filha do capitão Antonio Pereira Bueno Stockler, e também veterano daquela guerra sangrenta, criou uma filha, Adelina Rosa de Oliveira, e era irmão de Diogo Antonio de Freitas e de Teófilo José de Freitas, residentes na cidade de Palmeira.
Veterano de guerra, sempre pautou as suas ações e atos com uma integridade rígida, beirando ao exagero. Não tolerava o desperdício.
Mas não mantinha entre as suas parcimônias a usura. A sua mesa era farta e liberada a todos os presentes, da casa ou visitantes.
Em 20 de agosto de 1964, foi-lhe prestada uma homenagem póstuma, com o comparecimento ao cemitério de Palmeira de avantajado número de pessoas. O ato contou com a presença da banda de música e alguns militares do 13° Regimento de Infantaria, sediado em Ponta Grossa, que vieram especialmente para prestigiar a homenagem.
O acontecimento está perpetuado com a fixação de uma placa de bronze no túmulo desse veterano de guerra.
Astrogildo de Freitas, membro do Centro de Letras do Paraná
quinta-feira, 16 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - A revolução em Jacarezinho
Histórias do Paraná - A revolução em Jacarezinho
A revolução em Jacarezinho
Celso Antonio Rossi
Na história do Brasil, um importante episódio ainda hoje reflete em nossas vidas:
a Revolução de 3 de outubro de 1930, liderada pelo candidato derrotado nas eleições presidenciais daquele ano, Getúlio Vargas.
A cidade de Jacarezinho, localizada no então denominado "norte velho do Paraná", na divisa com o Estado de São Paulo, ocupava uma posição estratégica, pois dentro de seu município, unindo os dois Estados, encontrava-se a imponente ponte sobre o Rio Paranapanema.
Por isto, os revolucionários que vinham do sul do país em direção ao Rio de Janeiro, então capital da República, chegaram em Jacarezinho no dia 18 de outubro de 1930 e aqui resolveram praticamente acampar.
Sob a liderança do Major Alcides Araújo, Comandante do Io Batalhão de Cavalaria "Vitória ou Morte", as forças revolucionárias tão logo chegaram a Jacarezinho, tomaram várias providências: depuseram o prefeito e nomearam como Governador Provisório da cidade o conceituado médico do lugar, Dr. Gustavo Lessa, que também era um apaixonado pelo jornalismo, tendo editado talvez aquele que veio a ser o primeiro jornal da cidade, denominado "Jacarezinho", por volta dos anos 20.
E o Prefeito-Jornalista editou imediatamente um novo jornal, sob o nome de "A Revolução" que, por via das dúvidas, tinha na redação um tenente também revolucionário, José Ribeiro.
O novo Prefeito ("Governa-dor-Provisório") procurou logo demonstrar lealdade aos revolucionários (posição que já assumira bem antes da Revolução) e substituiu o nome das poucas ruas então existentes pelo dos militares que haviam chegado ao lugar, reservando ao Major-Comandante Alcides Araújo a principal rua da cidade, a Paraná...
Preso o então delegado de Polícia Cândido Berthier Fortes, foi indicado como seu substituto o Major Guiomar de Assis Moreira e que baixou desde logo vários atos, proibindo, por exemplo, o "trânsito de civis após as 22 horas" sob pena de prisão, além de proibir também a venda de bebidas alcoólicas.
Os comerciantes, de seu lado, foram avisados que não poderiam aumentar o preço dos "gêneros", devendo vender à população tudo que ela necessitasse sob pena de serem requisitados todos os "artigos" de todas as casas, presos os comerciantes e aplicadas neles as "leis da guerra"...
Mas não só as ruas e praças mudaram de nome: a estação de trens de Guimarães Carneiro passou a se denominar "Estação Oswaldo Aranha" e a própria estação de Jacarezinho teve seu nome substituído para "General Flores da Cunha".
Dias após, da mesma maneira que haviam chegado a Jacarezinho, as "forças revolucionárias" partiram em direção ao seu destino final: a cidade do Rio de Janeiro.
E tão logo seguiram viagem, as ruas, praças e estações retornaram aos seus antigos nomes, ficando apenas registrado na história da cidade que, por poucos dias, as ruas do lugar ajudaram a atenuar o clima beligerante de então, permitindo que seus nomes fossem substituídos pelos dos revolucionários que se encontravam de passagem por Jacarezinho...
Celso Antonio Rosi, advogado e diretor da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (de Jacarezinho)
A revolução em Jacarezinho
Celso Antonio Rossi
Na história do Brasil, um importante episódio ainda hoje reflete em nossas vidas:
a Revolução de 3 de outubro de 1930, liderada pelo candidato derrotado nas eleições presidenciais daquele ano, Getúlio Vargas.
A cidade de Jacarezinho, localizada no então denominado "norte velho do Paraná", na divisa com o Estado de São Paulo, ocupava uma posição estratégica, pois dentro de seu município, unindo os dois Estados, encontrava-se a imponente ponte sobre o Rio Paranapanema.
Por isto, os revolucionários que vinham do sul do país em direção ao Rio de Janeiro, então capital da República, chegaram em Jacarezinho no dia 18 de outubro de 1930 e aqui resolveram praticamente acampar.
Sob a liderança do Major Alcides Araújo, Comandante do Io Batalhão de Cavalaria "Vitória ou Morte", as forças revolucionárias tão logo chegaram a Jacarezinho, tomaram várias providências: depuseram o prefeito e nomearam como Governador Provisório da cidade o conceituado médico do lugar, Dr. Gustavo Lessa, que também era um apaixonado pelo jornalismo, tendo editado talvez aquele que veio a ser o primeiro jornal da cidade, denominado "Jacarezinho", por volta dos anos 20.
E o Prefeito-Jornalista editou imediatamente um novo jornal, sob o nome de "A Revolução" que, por via das dúvidas, tinha na redação um tenente também revolucionário, José Ribeiro.
O novo Prefeito ("Governa-dor-Provisório") procurou logo demonstrar lealdade aos revolucionários (posição que já assumira bem antes da Revolução) e substituiu o nome das poucas ruas então existentes pelo dos militares que haviam chegado ao lugar, reservando ao Major-Comandante Alcides Araújo a principal rua da cidade, a Paraná...
Preso o então delegado de Polícia Cândido Berthier Fortes, foi indicado como seu substituto o Major Guiomar de Assis Moreira e que baixou desde logo vários atos, proibindo, por exemplo, o "trânsito de civis após as 22 horas" sob pena de prisão, além de proibir também a venda de bebidas alcoólicas.
Os comerciantes, de seu lado, foram avisados que não poderiam aumentar o preço dos "gêneros", devendo vender à população tudo que ela necessitasse sob pena de serem requisitados todos os "artigos" de todas as casas, presos os comerciantes e aplicadas neles as "leis da guerra"...
Mas não só as ruas e praças mudaram de nome: a estação de trens de Guimarães Carneiro passou a se denominar "Estação Oswaldo Aranha" e a própria estação de Jacarezinho teve seu nome substituído para "General Flores da Cunha".
Dias após, da mesma maneira que haviam chegado a Jacarezinho, as "forças revolucionárias" partiram em direção ao seu destino final: a cidade do Rio de Janeiro.
E tão logo seguiram viagem, as ruas, praças e estações retornaram aos seus antigos nomes, ficando apenas registrado na história da cidade que, por poucos dias, as ruas do lugar ajudaram a atenuar o clima beligerante de então, permitindo que seus nomes fossem substituídos pelos dos revolucionários que se encontravam de passagem por Jacarezinho...
Celso Antonio Rosi, advogado e diretor da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (de Jacarezinho)
quarta-feira, 15 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Dr. Jofre
Histórias do Paraná - Dr. Jofre
Dr. Jofre
Tito Moreira Salles
Leio todos os dias, com grande satisfação, estas histórias do Paraná. Através delas conheci heróis e vilões, desbravadores e burocratas, personagens sérios e figuras pitorescas que contribuíram de uma ou outra maneira para a vivência paranista.
Todos os dias, espero encontrar algo a respeito de Jofre Cabral, contudo, na falta de talento maior, atrevo-me a passar algumas informações na esperança que, alguém, com melhor descortínio, se anime a retratá-lo.
Conheci Jofre por volta de 1954 por obra e graça de uma "falcatrua" em que fomos coniventes, e vítima a Caixa Econômica Federal, onde ele exercia as funções de advogada Não se escandalizem.
Eu conto tudo: na ocasião fizemos um jornalzinho de estudantes, tudo pronto, faltava o principal, o dinheiro para a impressão.
Mesmo com as "mordidas" aplicadas aos livreiros do ramo, faltava ainda um pouco para ser impresso.
Foi então que alguém sugeriu, meio na gozação, que só o Jofre daria conta disso.
Ingenuamente fomos procurá-lo e expusemos nosso problema.
Jofre perguntou de quanto precisávamos e mandou nos dar o dinheiro.
Pronto o jornal fomos levá-lo para comprovar o investimento, lá estava um anúncio de meia página: - "Estudante, aplique suas economias na Caixa Econômica Federal"- propaganda tão inútil quanto inócua, mas que valeu uma boa gargalhada de nosso benfeitor.
Vim a conhecê-lo de perto já no Santa Mônica, clube que fundou, consolidou, deu vida e amou.
Incrível sua vitalidade: após ter passado a noite toda animando um baile e cantando no final o samba Conceição, que depois virou uma espécie de hino de fim de baile do clube, no dia seguinte lá estava ele desde cedo, estudante de juventude.
Não existe definição para Jofre, foi tudo, e a tudo se empenhou com entusiasmo, destacou-se como dirigente de clubes, o Curitibano deve-lhe a antiga sede urbana e o início da atual sede.
Parece que os obstáculos o revigoram, lutava com contagiante disposição, era um dínamo, liderava com tanta naturalidade que não conseguia fazer inimigos.
Na falta de melhor definição: foi um homem da noite, deu vida à sociedade local e era badaladíssimo pelos cronistas sociais, neste setor nada se passava sem seu beneplácito e nada de interessante acontecia sem a sua presença.
Existem piadas, algumas delas antológicas, em que Jofre aparece, ora como autor, como partidpan-te ou até mesmo vítima, em todas elas destaca-se a imensa simpatia.
Cativar era inato nele.
Aos domingos, o dia era curto para agradar a todas as crianças que estavam no "Santa" pegava-as no colo, dava-lhes balas e sempre era fotografado com elas, tudo isso com tanta naturalidade que Jofre parecia um velho e querido tio dos petizes.
Foi presidente do Atlético e nessa época viajou a São Paulo, onde comprou vários craques em fase de pré-aposentadoria.
Somente na hora do acerto se lembrou de "um pequeno detalhe"- o Atlético estava a zero em questão de finanças, mesmo assim trouxe os jogadores e fundou em Curitiba o São Paulo II, como disseram os críticos na ocasião.
Sabia-se doente, o coração ressentiu-se do intenso esforço, seus médicos proibiram emoções fortes e desgaste físico, ambas as coisas impossíveis para ele.
Teria respondido que preferia morrer na ativa.
Faleceu num domingo, torcendo para o Atlético quando este clube estava ganhando do Londrina.
No enterro foi levado por um caminhão do Corpo de Bombeiros inteiramente coberto de coroas de flores, congestionou o trânsito.
Sentia-se que Curitiba tinha perdido algo, que não seria mais a mesma.
Tito Moreira Salies, médico
Dr. Jofre
Tito Moreira Salles
Leio todos os dias, com grande satisfação, estas histórias do Paraná. Através delas conheci heróis e vilões, desbravadores e burocratas, personagens sérios e figuras pitorescas que contribuíram de uma ou outra maneira para a vivência paranista.
Todos os dias, espero encontrar algo a respeito de Jofre Cabral, contudo, na falta de talento maior, atrevo-me a passar algumas informações na esperança que, alguém, com melhor descortínio, se anime a retratá-lo.
Conheci Jofre por volta de 1954 por obra e graça de uma "falcatrua" em que fomos coniventes, e vítima a Caixa Econômica Federal, onde ele exercia as funções de advogada Não se escandalizem.
Eu conto tudo: na ocasião fizemos um jornalzinho de estudantes, tudo pronto, faltava o principal, o dinheiro para a impressão.
Mesmo com as "mordidas" aplicadas aos livreiros do ramo, faltava ainda um pouco para ser impresso.
Foi então que alguém sugeriu, meio na gozação, que só o Jofre daria conta disso.
Ingenuamente fomos procurá-lo e expusemos nosso problema.
Jofre perguntou de quanto precisávamos e mandou nos dar o dinheiro.
Pronto o jornal fomos levá-lo para comprovar o investimento, lá estava um anúncio de meia página: - "Estudante, aplique suas economias na Caixa Econômica Federal"- propaganda tão inútil quanto inócua, mas que valeu uma boa gargalhada de nosso benfeitor.
Vim a conhecê-lo de perto já no Santa Mônica, clube que fundou, consolidou, deu vida e amou.
Incrível sua vitalidade: após ter passado a noite toda animando um baile e cantando no final o samba Conceição, que depois virou uma espécie de hino de fim de baile do clube, no dia seguinte lá estava ele desde cedo, estudante de juventude.
Não existe definição para Jofre, foi tudo, e a tudo se empenhou com entusiasmo, destacou-se como dirigente de clubes, o Curitibano deve-lhe a antiga sede urbana e o início da atual sede.
Parece que os obstáculos o revigoram, lutava com contagiante disposição, era um dínamo, liderava com tanta naturalidade que não conseguia fazer inimigos.
Na falta de melhor definição: foi um homem da noite, deu vida à sociedade local e era badaladíssimo pelos cronistas sociais, neste setor nada se passava sem seu beneplácito e nada de interessante acontecia sem a sua presença.
Existem piadas, algumas delas antológicas, em que Jofre aparece, ora como autor, como partidpan-te ou até mesmo vítima, em todas elas destaca-se a imensa simpatia.
Cativar era inato nele.
Aos domingos, o dia era curto para agradar a todas as crianças que estavam no "Santa" pegava-as no colo, dava-lhes balas e sempre era fotografado com elas, tudo isso com tanta naturalidade que Jofre parecia um velho e querido tio dos petizes.
Foi presidente do Atlético e nessa época viajou a São Paulo, onde comprou vários craques em fase de pré-aposentadoria.
Somente na hora do acerto se lembrou de "um pequeno detalhe"- o Atlético estava a zero em questão de finanças, mesmo assim trouxe os jogadores e fundou em Curitiba o São Paulo II, como disseram os críticos na ocasião.
Sabia-se doente, o coração ressentiu-se do intenso esforço, seus médicos proibiram emoções fortes e desgaste físico, ambas as coisas impossíveis para ele.
Teria respondido que preferia morrer na ativa.
Faleceu num domingo, torcendo para o Atlético quando este clube estava ganhando do Londrina.
No enterro foi levado por um caminhão do Corpo de Bombeiros inteiramente coberto de coroas de flores, congestionou o trânsito.
Sentia-se que Curitiba tinha perdido algo, que não seria mais a mesma.
Tito Moreira Salies, médico
terça-feira, 14 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Come casaca
Histórias do Paraná - Come casaca
Come casaca
Luiz Romaguera Netto
João Ribeiro de Macedo (nhô Jango), tinha como costume contar aos visitantes e muito especialmente aos seus netos histórias acontecidas ali por perto do Itaqui, local de sua vivenda em Campo Largo.
Esta é uma delas.
Rico fazendeiro da região, viúvo, com apenas um filho, criado cheio de vontades e luxo e que vivia sem trabalhar e a gastar à larga.
Os amigos o bajulavam e dele só recebiam festas e banquetes.
Bailes, passeios e teatros faziam de sua vida o lugar comum.
Seu pai, vendo os desperdícios, chamou-o às contas e teve com ele uma conversa — Meu filho, ma vida desregrada me preocupa.
Devi-as arranjar um trabalho honesto. A ociosidade degrada e embrutece.
O filho responde: - Ora meu pai! O senhor não é bastante rico para que eu me mantenha até o fim da minha vida sem trabalhar?
- Sim.
Se souberes aplicar o que tens, viverás na abastança até o fim de ma vida.
Mas gastando desenfreadamente em orgias, com os teus falsos amigos, mesmo essa grande fortuna se esvairá. Um cântaro cheio de água, por maior que seja, quando dele só se tira sem reenchê-lo, esvazia-se.
Tome nota, continuou o velho pai, minha vida está no fim.
E, quando eu desaparecer, se assim continuares, ficarás na pobreza.
Nessa ocasião, seus falsos amigos fugirão de ti.
- Meu pai, não ofenda meus amigos.
Pobre ou rico sempre estarão comigo.
- Veremos! Veremos! Diz o
pai.
- Vou dar-te um conselho.
Quando todos os teus amigos fugirem de ti, por teres ficado pobre, enforca-te, meu filho. A morte é preferível à desonra. Não enlameies o meu nome honesto. Há no quarto ao lado, fixa no teto, uma argola.
Consiga uma corda para a firmares na argola e dê uma volta apertada em teu pescoço, soltando o teu peso à corda.
Tens força de vontade para saber morrer e, assim, farás a minha última vontade.
O velho não viveu muito tempo, e seu filho continuou com a vida desregrada e imprevidente.
Aos poucos, tudo começou a faltar e quando as dívidas vieram, aqueles amigos desapareceram. A situação ficou complicada pois não arranjou emprego e pouco a pouco faltaram os recursos para os seus menores gastos.
Solitário e desesperado, lem-brou-se das palavras de seu pai. — Vou me enforcar.
Arranjou uma corda e amarrou-a na argola de ferro, passando a outra ponta em seu pescoço.
Feito isto, e com coragem, levantou o seu pensamento ao pai, lançando-se ao espaço, soltando seu peso sob a corda.
Com surpresa, sentiu que a parte do forro caía com ele ao chão e uma chuva de pó e moedas de ouro em grande quantidade veio com o forro sobre a sua cabeça.
Atordoou-se com o que acontecera mas criou alma nova.
O previdente pai, sabendo da derrocada que o filho fatalmente teria com aquele tipo de vida, havia escondido, sobre o forro, para salvá-lo, grande parte da sua fortuna.
Com esses novos recursos, voltou a viver na sociedade, só que desta vez, modestamente e sem ostentação.
Os falsos amigos voltaram e ofereceram-lhe um farto jantar ao qual compareceu.
Após encher o prato, levantou-se e esfregou a casaca no prato dizendo: - Come casacal E em tua honra que se realiza este jantar.
Os presentes não são meus amigos. São amigos tão somente de ti.
Os fatos foram reais, porém nhô Jango nunca quis revelar com quem se passou.
Dizia: "O amigo só da opulência não é nosso amigo".
Luiz Romaguerra Netto, membro do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Paraná.
Come casaca
Luiz Romaguera Netto
João Ribeiro de Macedo (nhô Jango), tinha como costume contar aos visitantes e muito especialmente aos seus netos histórias acontecidas ali por perto do Itaqui, local de sua vivenda em Campo Largo.
Esta é uma delas.
Rico fazendeiro da região, viúvo, com apenas um filho, criado cheio de vontades e luxo e que vivia sem trabalhar e a gastar à larga.
Os amigos o bajulavam e dele só recebiam festas e banquetes.
Bailes, passeios e teatros faziam de sua vida o lugar comum.
Seu pai, vendo os desperdícios, chamou-o às contas e teve com ele uma conversa — Meu filho, ma vida desregrada me preocupa.
Devi-as arranjar um trabalho honesto. A ociosidade degrada e embrutece.
O filho responde: - Ora meu pai! O senhor não é bastante rico para que eu me mantenha até o fim da minha vida sem trabalhar?
- Sim.
Se souberes aplicar o que tens, viverás na abastança até o fim de ma vida.
Mas gastando desenfreadamente em orgias, com os teus falsos amigos, mesmo essa grande fortuna se esvairá. Um cântaro cheio de água, por maior que seja, quando dele só se tira sem reenchê-lo, esvazia-se.
Tome nota, continuou o velho pai, minha vida está no fim.
E, quando eu desaparecer, se assim continuares, ficarás na pobreza.
Nessa ocasião, seus falsos amigos fugirão de ti.
- Meu pai, não ofenda meus amigos.
Pobre ou rico sempre estarão comigo.
- Veremos! Veremos! Diz o
pai.
- Vou dar-te um conselho.
Quando todos os teus amigos fugirem de ti, por teres ficado pobre, enforca-te, meu filho. A morte é preferível à desonra. Não enlameies o meu nome honesto. Há no quarto ao lado, fixa no teto, uma argola.
Consiga uma corda para a firmares na argola e dê uma volta apertada em teu pescoço, soltando o teu peso à corda.
Tens força de vontade para saber morrer e, assim, farás a minha última vontade.
O velho não viveu muito tempo, e seu filho continuou com a vida desregrada e imprevidente.
Aos poucos, tudo começou a faltar e quando as dívidas vieram, aqueles amigos desapareceram. A situação ficou complicada pois não arranjou emprego e pouco a pouco faltaram os recursos para os seus menores gastos.
Solitário e desesperado, lem-brou-se das palavras de seu pai. — Vou me enforcar.
Arranjou uma corda e amarrou-a na argola de ferro, passando a outra ponta em seu pescoço.
Feito isto, e com coragem, levantou o seu pensamento ao pai, lançando-se ao espaço, soltando seu peso sob a corda.
Com surpresa, sentiu que a parte do forro caía com ele ao chão e uma chuva de pó e moedas de ouro em grande quantidade veio com o forro sobre a sua cabeça.
Atordoou-se com o que acontecera mas criou alma nova.
O previdente pai, sabendo da derrocada que o filho fatalmente teria com aquele tipo de vida, havia escondido, sobre o forro, para salvá-lo, grande parte da sua fortuna.
Com esses novos recursos, voltou a viver na sociedade, só que desta vez, modestamente e sem ostentação.
Os falsos amigos voltaram e ofereceram-lhe um farto jantar ao qual compareceu.
Após encher o prato, levantou-se e esfregou a casaca no prato dizendo: - Come casacal E em tua honra que se realiza este jantar.
Os presentes não são meus amigos. São amigos tão somente de ti.
Os fatos foram reais, porém nhô Jango nunca quis revelar com quem se passou.
Dizia: "O amigo só da opulência não é nosso amigo".
Luiz Romaguerra Netto, membro do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Paraná.
Histórias do Paraná - O pó de perlimpimpim
Histórias do Paraná - O pó de perlimpimpim
O pó de perlimpimpim
Rui Pinto
A exploração intensiva do café no Norte do Paraná resultou da expansão das lavouras paulistas para Oeste e da existência da ubérrima terra roxa do setentrião paranaense.
Os cafezais rapidamente se multiplicaram, com tal sucesso que em 1960, o Paraná ostentava a condição de maior produtor nacional da rubiácia, responsável pela metade da produção nacional e quase um terço da mundial.
Havia, entretanto, um porém: o terrível flagelo das geadas, como as de 1953 e 55, que devastaram milhões e milhões de cafeeiros. E não se encontrava jeito de evitá-las, ou de reduzir seus efeitos desastrosos.
Muito se cogitou sobre isso, mas sem resultado.
Todas as sugestões era muito dispendiosas.
Vai então que um esperto comerciante de Apucarana anuncia que achara a solução para a calamidade.
Para tanto trouxera do Rio de Janeiro dois doutores alemães, altos, loiros e saudáveis.
Dois legítimos saxões, com "aplomb" de cientistas laureados, que confirmaram possuir, realmente, o antídoto da geada, um pó maravilhoso, de cuja composição guardavam segredo, mas que se dispunham a submetê-lo a testes definitivos, tendo por palco a cidade.
A notícia produziu regozijo geral.
Seria a redenção do café do
Paraná! Assim, os doutores foram logo cercados pela curiosidade geral e crivados de perguntas, que satisfaziam de boa mente, falando de seus outros inventos, que eram muitos, embora sem avançar qualquer coisa mais sobre o antigêlo.
Ora, o finório do comerciante via nisso tudo a oportunidade de fazer grossa fortuna e então se dispôs a bancar os alemães.
Prometeu casa, comida e as despesas, a troco deles iniciarem desde logo os experimentos.
Com essa notícia a cidade ficou toda alvoroçada e não tirava os olhos do trabalho dos bruxos alemães.
Estes passaram os primeiros dias encerrados num barracão isolado, manipulando suas químicas, no preparo do antivírus da geada. Não se via nada, porém, da fórmula mágica.
Pelas tantas, solicitaram uma muda de café, escolhendo a mais tenra, que levaram para o barraco.
Horas depois voltaram com a planta recoberta de um pó amarelo-cinza, que, à frente de todos, foi colocada no congelador da geladeira, debaixo da maior atenção.
Era a prova suprema: se a arvorezinha sobrevivesse, o mal endêmico da geada estaria vencido e finalmente banido do Paraná.
Os dias se passaram e, de tempos em tempos, a mudinha era vistoriada. Lá estava ela, no fundo do congelador, embuçada sob o pó miraculoso, viva e tenra.
De repente, porém, passados mais dias, a planta foi se finando, finando, para nosso desespero.
Perdeu o viço rapidamente e acabou preta e morta.
Era o fim de nossas esperanças.
Refeitos do fracasso, passamos a examinar o pó impermeável.
Era só serragem e cola... Uma impostura! Os cientistas embusteiros haviam recoberto a planta com serragem... Como fazer nas lavouras de milhares e até milhões de cafeeiros adultos? Donde tirar tanta serragem? A que custo, porém, e para quê afinal?...
O que aconteceu depois com os gênios charlatões nem fiquei sabendo.
Consta, porém, que, invocando a condição de cidadãos estrangeiros, os tedescos pediram audiência ao então presidente Juscelino Kubitchek, alegando terem sofrido maus-tratos no Brasil. E não era para manos...
Rui Pinto, Procurador de Justiça
O pó de perlimpimpim
Rui Pinto
A exploração intensiva do café no Norte do Paraná resultou da expansão das lavouras paulistas para Oeste e da existência da ubérrima terra roxa do setentrião paranaense.
Os cafezais rapidamente se multiplicaram, com tal sucesso que em 1960, o Paraná ostentava a condição de maior produtor nacional da rubiácia, responsável pela metade da produção nacional e quase um terço da mundial.
Havia, entretanto, um porém: o terrível flagelo das geadas, como as de 1953 e 55, que devastaram milhões e milhões de cafeeiros. E não se encontrava jeito de evitá-las, ou de reduzir seus efeitos desastrosos.
Muito se cogitou sobre isso, mas sem resultado.
Todas as sugestões era muito dispendiosas.
Vai então que um esperto comerciante de Apucarana anuncia que achara a solução para a calamidade.
Para tanto trouxera do Rio de Janeiro dois doutores alemães, altos, loiros e saudáveis.
Dois legítimos saxões, com "aplomb" de cientistas laureados, que confirmaram possuir, realmente, o antídoto da geada, um pó maravilhoso, de cuja composição guardavam segredo, mas que se dispunham a submetê-lo a testes definitivos, tendo por palco a cidade.
A notícia produziu regozijo geral.
Seria a redenção do café do
Paraná! Assim, os doutores foram logo cercados pela curiosidade geral e crivados de perguntas, que satisfaziam de boa mente, falando de seus outros inventos, que eram muitos, embora sem avançar qualquer coisa mais sobre o antigêlo.
Ora, o finório do comerciante via nisso tudo a oportunidade de fazer grossa fortuna e então se dispôs a bancar os alemães.
Prometeu casa, comida e as despesas, a troco deles iniciarem desde logo os experimentos.
Com essa notícia a cidade ficou toda alvoroçada e não tirava os olhos do trabalho dos bruxos alemães.
Estes passaram os primeiros dias encerrados num barracão isolado, manipulando suas químicas, no preparo do antivírus da geada. Não se via nada, porém, da fórmula mágica.
Pelas tantas, solicitaram uma muda de café, escolhendo a mais tenra, que levaram para o barraco.
Horas depois voltaram com a planta recoberta de um pó amarelo-cinza, que, à frente de todos, foi colocada no congelador da geladeira, debaixo da maior atenção.
Era a prova suprema: se a arvorezinha sobrevivesse, o mal endêmico da geada estaria vencido e finalmente banido do Paraná.
Os dias se passaram e, de tempos em tempos, a mudinha era vistoriada. Lá estava ela, no fundo do congelador, embuçada sob o pó miraculoso, viva e tenra.
De repente, porém, passados mais dias, a planta foi se finando, finando, para nosso desespero.
Perdeu o viço rapidamente e acabou preta e morta.
Era o fim de nossas esperanças.
Refeitos do fracasso, passamos a examinar o pó impermeável.
Era só serragem e cola... Uma impostura! Os cientistas embusteiros haviam recoberto a planta com serragem... Como fazer nas lavouras de milhares e até milhões de cafeeiros adultos? Donde tirar tanta serragem? A que custo, porém, e para quê afinal?...
O que aconteceu depois com os gênios charlatões nem fiquei sabendo.
Consta, porém, que, invocando a condição de cidadãos estrangeiros, os tedescos pediram audiência ao então presidente Juscelino Kubitchek, alegando terem sofrido maus-tratos no Brasil. E não era para manos...
Rui Pinto, Procurador de Justiça
segunda-feira, 13 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - A paixão das corridas
Histórias do Paraná - A paixão das corridas
A paixão das corridas
Francisco Brito de Lacerda
Em 1891, pouco antes da inauguração da estrada de ferro ligando a Lapa a Curitiba, descobriu-se que a tradicional Raia dos Neves ia ter sua cabeceira cortada pelos trilhos.
Quanto antes, era preciso escolher outro lugar para a corrida de cavalos.
Os aficcionados, em bom número, logo arranjaram outra pista, fixando como ponto de partida as imediações da antiga forca, de triste memória, de onde se abarcava o paredão do Monge, onde vivera, anos antes, o ermitão João Maria. A chegada ficou sendo o beco de acesso ao chafariz, perto da Rua do Cotovelo.
Chamou-se de Raia da Forca à pista.
As corridas passavam de fronte do sobrado da Cadeia e Câmara, oferecendo aos presos, agarrados às grades, excitante diversão.
Sete ou oito casas se enfileiravam no percurso.
Tal pista não chegou a inteirar vinte anos. O vigário reclamava que as corridas causavam rebuliço às procissões.
Dizia-se ainda que o repentino disparo de um animal podia atropelar e até matar crianças, idosos...
Disso resultou a Raia da Ronda, na zona do Engenho Lacerda, à margem da futura estrada do Sanatório, onde havia uma olaria, um cemitério particular e várias chácaras.
A Raia da Ronda, em 1925, foi palco de sensacional desafio que Vivi Pacheco e Teodoro Afonso Martins, donos das éguas Gaby e Alsácia.
Marcou-se o confronto para o primeiro domingo de outubro.
Sem contar as apostas avulsas, altas, Vivi e Teodoro Afonso casaram um conto de réis (dinheiro grande, na época) e mais trinta bois.
Todos torciam para que não chovesse no dia do encontro.
Gaby perdeu por meio corpo.
Para não enfrentar os adeptos de sua égua, Vivi se mandou para Curitiba.
Dessa famosa corrida ficou uma historieta.
Na tarde do desafio, a caminho da raia, um cavaleiro passou pela casa de sua comadre, que estava na janela. "Vai indo à corrida, compadre?", ela disse. "Onde mais, comadre!" Indagado sobre quem ia ganhar, o cavaleiro garantiu à sua amiga que nada neste mundo, nem vela de rezador, podia tirar a vitória das patas de Gaby. "Aposte o que tiver, comadre, até a Singer". À tardinha, de volta, na cara o desapontamento de quem tinha perdido, ele encostou o zaino na cerca.
Antes que a mulher abrisse a boca, foi informando: "Tomemo no fiote, comadre! Agora mecê pode chorar.
Mas não se descabele, comadre! Um curto fio de cabelo, se cair na panela, estraga a
sopa..."
Com o argumento do tráfego entre a cidade e o Sanatório, a Raia da Ronda fechou. A nova pista, na fazenda Monte Alegre, arredores da cidade, ficou conhecida como Raia do Joanin.
Nela se apresentavam bons cavalos: Andiara, Rádio, Granada, (de Cristiano Justus), Porco.
Em 1940, ou 41, uma grande aposta envolvia Porco (puro-sangue de Jorge Sera, pêlo negro, ventas abertas) e Corrente-de-Ouro, égua douradilha de Antônio Rauth, também puro-sangue, esperta.
Nhô João Pesado, negro velho, que tinha o volume e o peso de um terneiro, era dado a mandingas, famoso como asa-negra.
Na véspera da corrida, mal clareando o dia, Antônio Rauth foi à raia, disposto a conferir o tempo da Corrente-de-Ouro.
Um espetáculo dantesco o esperava.
Nu em pêlo, lembrando um urso preto, nhô João Pesado corria de costas, invertido, praticando a urucubaca destinada a prejudicar a andadura da Corrente-de-Ouro.
Tenha ou não influído a mandraca de nhô João Pesado, o fato é que, no outro dia, a douradilha, favorita, perdeu por mais de um corpo.
Francisco Brito de Lacerda, Advogado
A paixão das corridas
Francisco Brito de Lacerda
Em 1891, pouco antes da inauguração da estrada de ferro ligando a Lapa a Curitiba, descobriu-se que a tradicional Raia dos Neves ia ter sua cabeceira cortada pelos trilhos.
Quanto antes, era preciso escolher outro lugar para a corrida de cavalos.
Os aficcionados, em bom número, logo arranjaram outra pista, fixando como ponto de partida as imediações da antiga forca, de triste memória, de onde se abarcava o paredão do Monge, onde vivera, anos antes, o ermitão João Maria. A chegada ficou sendo o beco de acesso ao chafariz, perto da Rua do Cotovelo.
Chamou-se de Raia da Forca à pista.
As corridas passavam de fronte do sobrado da Cadeia e Câmara, oferecendo aos presos, agarrados às grades, excitante diversão.
Sete ou oito casas se enfileiravam no percurso.
Tal pista não chegou a inteirar vinte anos. O vigário reclamava que as corridas causavam rebuliço às procissões.
Dizia-se ainda que o repentino disparo de um animal podia atropelar e até matar crianças, idosos...
Disso resultou a Raia da Ronda, na zona do Engenho Lacerda, à margem da futura estrada do Sanatório, onde havia uma olaria, um cemitério particular e várias chácaras.
A Raia da Ronda, em 1925, foi palco de sensacional desafio que Vivi Pacheco e Teodoro Afonso Martins, donos das éguas Gaby e Alsácia.
Marcou-se o confronto para o primeiro domingo de outubro.
Sem contar as apostas avulsas, altas, Vivi e Teodoro Afonso casaram um conto de réis (dinheiro grande, na época) e mais trinta bois.
Todos torciam para que não chovesse no dia do encontro.
Gaby perdeu por meio corpo.
Para não enfrentar os adeptos de sua égua, Vivi se mandou para Curitiba.
Dessa famosa corrida ficou uma historieta.
Na tarde do desafio, a caminho da raia, um cavaleiro passou pela casa de sua comadre, que estava na janela. "Vai indo à corrida, compadre?", ela disse. "Onde mais, comadre!" Indagado sobre quem ia ganhar, o cavaleiro garantiu à sua amiga que nada neste mundo, nem vela de rezador, podia tirar a vitória das patas de Gaby. "Aposte o que tiver, comadre, até a Singer". À tardinha, de volta, na cara o desapontamento de quem tinha perdido, ele encostou o zaino na cerca.
Antes que a mulher abrisse a boca, foi informando: "Tomemo no fiote, comadre! Agora mecê pode chorar.
Mas não se descabele, comadre! Um curto fio de cabelo, se cair na panela, estraga a
sopa..."
Com o argumento do tráfego entre a cidade e o Sanatório, a Raia da Ronda fechou. A nova pista, na fazenda Monte Alegre, arredores da cidade, ficou conhecida como Raia do Joanin.
Nela se apresentavam bons cavalos: Andiara, Rádio, Granada, (de Cristiano Justus), Porco.
Em 1940, ou 41, uma grande aposta envolvia Porco (puro-sangue de Jorge Sera, pêlo negro, ventas abertas) e Corrente-de-Ouro, égua douradilha de Antônio Rauth, também puro-sangue, esperta.
Nhô João Pesado, negro velho, que tinha o volume e o peso de um terneiro, era dado a mandingas, famoso como asa-negra.
Na véspera da corrida, mal clareando o dia, Antônio Rauth foi à raia, disposto a conferir o tempo da Corrente-de-Ouro.
Um espetáculo dantesco o esperava.
Nu em pêlo, lembrando um urso preto, nhô João Pesado corria de costas, invertido, praticando a urucubaca destinada a prejudicar a andadura da Corrente-de-Ouro.
Tenha ou não influído a mandraca de nhô João Pesado, o fato é que, no outro dia, a douradilha, favorita, perdeu por mais de um corpo.
Francisco Brito de Lacerda, Advogado
domingo, 12 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - A Diretora e o Delegado
Histórias do Paraná - A Diretora e o Delegado
A Diretora e o Delegado
Ayrton Ricardo dos Santos
Nos últimos anos da década de vinte, já era diretora do Grupo Escolar Barão de Antonina, em Rio Negro, a notável professora D. Margarida Kirchner. Não há palavras para dizer o que essa grande e dedicada educadora realizou em matéria de ensino e o quanto lhe devem gerações de rionegrenses que tiveram a felicidade de passar por sua escola.
Trazia o Grupo em ordem impecável e conseguia implantar nele excelente padrão educacional.
Nos anos quarenta, durante a última guerra mundial, D. Margarida ainda era diretora do Grupo quando, nomeado para o cargo de Delegado, um capitão da Polícia Militar aportou em Rio Negro com sua mulher, professora...
Mulher de autoridade, a jovem mestra queria regalias...
D. Margarida não entendia dessas sutilezas... Ensinava que a linha reta é o caminho mais curto entre dois pontos... Tratou, portanto, com a maior naturalidade deste mundo, mas dentro dessa linha, a nova professora.
As faltas eram registradas e descontadas como de hábito.
Nos dias de presença o trabalho cobrado com a imparcialidade costumeira. O
regulamento respeitado, sempre...
A moça não estava acostumada a este tratamento...
D. Margarida não sabia proceder de outra maneira.
O atrito, inevitável, foi sério!...
O delegado, prepotente, informado que a mãe de D. Margarida, já velhinha, fora vista falando em alemão no jardim de sua casa, não teve dúvidas, intimou-a a prestar declarações na delegacia.
Queria enquadrá-las como participantes da quinta coluna...
Não contava, no entanto, com a reação dos rionegrenses.
Organizaram-se comissões de pessoas importantes e de entidades locais para ir a Curitiba falar com o "seu" Ribas...
Chamado com urgência à presença do interventor, o capitão não teve chance, sequer, de iniciar sua catilinária.
"Então você não sabe, seu idiota, que D. Margarida é a melhor diretora do Estado, e seu pai, Felipe Kirchner, coronel da Guarda Nacional, foi um dos primeiros e mais eficientes prefeitos de Rio Negro?..."
No dia seguinte, a Delegacia de Polícia de Rio Negro tinha novo titular. E o Grupo... uma professora a menos...
Ayrton Ricardo dos Santos, médico
A Diretora e o Delegado
Ayrton Ricardo dos Santos
Nos últimos anos da década de vinte, já era diretora do Grupo Escolar Barão de Antonina, em Rio Negro, a notável professora D. Margarida Kirchner. Não há palavras para dizer o que essa grande e dedicada educadora realizou em matéria de ensino e o quanto lhe devem gerações de rionegrenses que tiveram a felicidade de passar por sua escola.
Trazia o Grupo em ordem impecável e conseguia implantar nele excelente padrão educacional.
Nos anos quarenta, durante a última guerra mundial, D. Margarida ainda era diretora do Grupo quando, nomeado para o cargo de Delegado, um capitão da Polícia Militar aportou em Rio Negro com sua mulher, professora...
Mulher de autoridade, a jovem mestra queria regalias...
D. Margarida não entendia dessas sutilezas... Ensinava que a linha reta é o caminho mais curto entre dois pontos... Tratou, portanto, com a maior naturalidade deste mundo, mas dentro dessa linha, a nova professora.
As faltas eram registradas e descontadas como de hábito.
Nos dias de presença o trabalho cobrado com a imparcialidade costumeira. O
regulamento respeitado, sempre...
A moça não estava acostumada a este tratamento...
D. Margarida não sabia proceder de outra maneira.
O atrito, inevitável, foi sério!...
O delegado, prepotente, informado que a mãe de D. Margarida, já velhinha, fora vista falando em alemão no jardim de sua casa, não teve dúvidas, intimou-a a prestar declarações na delegacia.
Queria enquadrá-las como participantes da quinta coluna...
Não contava, no entanto, com a reação dos rionegrenses.
Organizaram-se comissões de pessoas importantes e de entidades locais para ir a Curitiba falar com o "seu" Ribas...
Chamado com urgência à presença do interventor, o capitão não teve chance, sequer, de iniciar sua catilinária.
"Então você não sabe, seu idiota, que D. Margarida é a melhor diretora do Estado, e seu pai, Felipe Kirchner, coronel da Guarda Nacional, foi um dos primeiros e mais eficientes prefeitos de Rio Negro?..."
No dia seguinte, a Delegacia de Polícia de Rio Negro tinha novo titular. E o Grupo... uma professora a menos...
Ayrton Ricardo dos Santos, médico
sábado, 11 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Café requentado
Histórias do Paraná - Café requentado
Café requentado
Celso Antonio Rossi
A região Norte Pioneiro do Paraná, ao longo de sua história, teve grandes líderes políticos, homens que se elegiam quantas vezes quisessem, graças ao seu carisma e à sua habilidade.
Foram homens que escreveram importantes páginas da história de nosso Estado, mas que viveram também situações curiosas que foram narradas de geração para geração, sem que se duvidasse de sua veracidade.
Benedito Moreira, ou simplesmente B. Moreira, como ele gostava de ser chamado, foi um desses homens, talvez o maior líder político de toda a história da região.
Em Jacarezinho foi Prefeito Municipal por três vezes e também deputado estadual por um mandato e suplente em outro; em Cambará, sua terra natal para onde retornou após longos anos de vida em Jacarezinho, foi também eleito Prefeito.
Político moldado à forma antiga, pelo velho PSD, B. Moreira nunca perdia eleição, e mesmo quando seu candidato a Governador era derrotado, ele justificava a vocação adesista de seu partido e, para desespero dos adversários, em poucos dias já era recebido pelo
Governador eleito...
Na cidade então, sua presença era indispensável, desde as mais simples festas da zona rural até os casamentos e solenidades mais importantes. E B.Moreira sempre presente, acompanhado de um séqüito de amigos e companheiros que os adversários, maldosamente, chamavam de "corriola"...
Numa das várias campanhas de que participou, encontrava-se B. Moreira correndo a zona rural, quando numa das visitas foi-lhe servido um cafezinho em uma caneca esmaltada, mas já toda descascada.
Café requentado, e B. Moreira, mal disfarçando o mal estar, elogiava-o para a mulher do "cabo eleitoral" que, todo orgulhoso, não cabia em si de contente.
Num determinado momento, porém, B. Moreira encontra uma "saída" para a incômoda situação:
Na "varanda" da casa de madeira em que se encontrava, o assoalho era feito de taboas intercaladas por um pequeno espaço, embaixo do qual existia um porão aberto.
Pois, num segundo de distração dos donos da casa, B. Moreira não teve dúvidas: despejou o cafezinho por um daqueles vãos e, assustado, ouviu um grito desesperado de um menino ("guri", como se dizia na época) que aos brados saiu exclamando:
- O homi jogou o café ni mim!...
Só aí foi que B. Moreira se deu conta de que, no porão, escondido e envergonhado da ilustre visita, estava o filho dos donos da casa, um moleque de seus dez anos e que, atingido pelo café quente, saíra aos gritos em desabalada carreira...
Depois das explicações de que a caneca "caíra" de sua mão, B. Moreira pediu uma outra e depois outra mais e, ante o olhar desconfiado do casal, sorveu "gostosamente" o café requentado, entremeando a cada gole um elogio à dona da casa...
Celso Antonio Rossi, diretor da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (de jacarezinho)
Café requentado
Celso Antonio Rossi
A região Norte Pioneiro do Paraná, ao longo de sua história, teve grandes líderes políticos, homens que se elegiam quantas vezes quisessem, graças ao seu carisma e à sua habilidade.
Foram homens que escreveram importantes páginas da história de nosso Estado, mas que viveram também situações curiosas que foram narradas de geração para geração, sem que se duvidasse de sua veracidade.
Benedito Moreira, ou simplesmente B. Moreira, como ele gostava de ser chamado, foi um desses homens, talvez o maior líder político de toda a história da região.
Em Jacarezinho foi Prefeito Municipal por três vezes e também deputado estadual por um mandato e suplente em outro; em Cambará, sua terra natal para onde retornou após longos anos de vida em Jacarezinho, foi também eleito Prefeito.
Político moldado à forma antiga, pelo velho PSD, B. Moreira nunca perdia eleição, e mesmo quando seu candidato a Governador era derrotado, ele justificava a vocação adesista de seu partido e, para desespero dos adversários, em poucos dias já era recebido pelo
Governador eleito...
Na cidade então, sua presença era indispensável, desde as mais simples festas da zona rural até os casamentos e solenidades mais importantes. E B.Moreira sempre presente, acompanhado de um séqüito de amigos e companheiros que os adversários, maldosamente, chamavam de "corriola"...
Numa das várias campanhas de que participou, encontrava-se B. Moreira correndo a zona rural, quando numa das visitas foi-lhe servido um cafezinho em uma caneca esmaltada, mas já toda descascada.
Café requentado, e B. Moreira, mal disfarçando o mal estar, elogiava-o para a mulher do "cabo eleitoral" que, todo orgulhoso, não cabia em si de contente.
Num determinado momento, porém, B. Moreira encontra uma "saída" para a incômoda situação:
Na "varanda" da casa de madeira em que se encontrava, o assoalho era feito de taboas intercaladas por um pequeno espaço, embaixo do qual existia um porão aberto.
Pois, num segundo de distração dos donos da casa, B. Moreira não teve dúvidas: despejou o cafezinho por um daqueles vãos e, assustado, ouviu um grito desesperado de um menino ("guri", como se dizia na época) que aos brados saiu exclamando:
- O homi jogou o café ni mim!...
Só aí foi que B. Moreira se deu conta de que, no porão, escondido e envergonhado da ilustre visita, estava o filho dos donos da casa, um moleque de seus dez anos e que, atingido pelo café quente, saíra aos gritos em desabalada carreira...
Depois das explicações de que a caneca "caíra" de sua mão, B. Moreira pediu uma outra e depois outra mais e, ante o olhar desconfiado do casal, sorveu "gostosamente" o café requentado, entremeando a cada gole um elogio à dona da casa...
Celso Antonio Rossi, diretor da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (de jacarezinho)
sexta-feira, 10 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Desprezou a liberdade
Histórias do Paraná - Desprezou a liberdade
Desprezou a liberdade
José Cadilhe de Oliveira
Fluía o início da década de cinqüenta.
Recém-formado -1949
— fui nomeado advogado dativo pelo Juiz da Comarca de Colombo para defender um réu que havia, em briga de bar, assassinado um homem.
A bebedeira que originou o crime ocorreu num sábado, dia propício para acontecimentos policiais, notadamente em cidades menores, pois, em finais de semana, é que o homem ligado ao campo vem à cidade em busca de distração maior, quando, então, se envolve em turbulência que, via de regra, finda na polícia.
A briga que envolveu meu cliente não foi das maiores.
Embriagados, os contendores, munidos de facas, produziram lesões recíprocas de nenhuma gravidade mais contundente.
Todavia, a vítima, que havia sofrido estocadas não profundas e residia a menos de dois quilômetros de Colombo, não buscou socorros médicos ou até mesmo farmacêuticos.
Na crendice popular de seus famiüares, procuraram estacar o sangue somente com os chamados remédios caseiros advindos de orientação de curandeiros.
No processo, provado ficou que nos ferimentos, a títulos de cuidados, foi colocado pó de café, pasta de farinha, teia de aranha e até certo tipo de esterco.
Infelizmente, a vítima esvaiu-se em sangue e, ainda, sofreu complicações em face dos "remédios" ministrados.
Na sessão do Júri, aleguei legítima defesa, além de que a causa eficiente da morte, não haviam sido as facadas e, sim, a hemorragia e a falta de atendimento médi-co-hospitalar que, efetuado, facilmente teria estancado o sangue e curado o paciente.
Obtive absolvição unânime. A Promotoria Pública recorreu da sentença que, todavia, foi confirmada na segunda instância.
De posse do Alvará de Soltura, encaminhei o mesmo à direção do presídio onde o detento estava recolhido.
O absolvido, que detinha bom comportamento carcerário, havia, durante a lenta tramitação do processo, sido transferido para o estabelecimento penal agrícola de Piraquara, para onde levara sua família e colocara os filhos na Escola ali existente.
Morava em pequena casa dotada de luz, água e cultivava, ainda, uma horta que era seu orgulho.
Tudo ao contrário de Colombo quando lá residia, já que vivia num tosco casebre sem nenhum conforto e não existia escola para a criançada.
A par da absolvição, o ex-réu não queria ser posto em liberdade.
Todavia, o Diretor do estabelecimento penal não só necessitava da vaga para outro detento como, de lei, não poderia manter preso um homem que havia sido absolvido pela Justiça, com decisão transitada em julgado.
Ai houve o famoso "jeitinho brasileiro". O Diretor, humano por excelência, consultando superiores, permitiu que o inocentado e seus familiares ficassem até o final do ano, tudo sob o pressuposto que, assim, as crianças não perderiam o ano escolar e o produto da horta poderia ser colhido e usufruído por quem o semeou.
Nosso homem ficou, sob estranha custódia, por mais algum tempo - dois meses aproximadamente - quando, finalmente, deixou o presídio.
A liberdade para ele não era, na oportunidade, a coisa mais importante e, desse modo, a desprezou solenemente.
Nunca mais tive notícias do indigitado cliente...
José Cadilhe de Oliveira, advogado
Desprezou a liberdade
José Cadilhe de Oliveira
Fluía o início da década de cinqüenta.
Recém-formado -1949
— fui nomeado advogado dativo pelo Juiz da Comarca de Colombo para defender um réu que havia, em briga de bar, assassinado um homem.
A bebedeira que originou o crime ocorreu num sábado, dia propício para acontecimentos policiais, notadamente em cidades menores, pois, em finais de semana, é que o homem ligado ao campo vem à cidade em busca de distração maior, quando, então, se envolve em turbulência que, via de regra, finda na polícia.
A briga que envolveu meu cliente não foi das maiores.
Embriagados, os contendores, munidos de facas, produziram lesões recíprocas de nenhuma gravidade mais contundente.
Todavia, a vítima, que havia sofrido estocadas não profundas e residia a menos de dois quilômetros de Colombo, não buscou socorros médicos ou até mesmo farmacêuticos.
Na crendice popular de seus famiüares, procuraram estacar o sangue somente com os chamados remédios caseiros advindos de orientação de curandeiros.
No processo, provado ficou que nos ferimentos, a títulos de cuidados, foi colocado pó de café, pasta de farinha, teia de aranha e até certo tipo de esterco.
Infelizmente, a vítima esvaiu-se em sangue e, ainda, sofreu complicações em face dos "remédios" ministrados.
Na sessão do Júri, aleguei legítima defesa, além de que a causa eficiente da morte, não haviam sido as facadas e, sim, a hemorragia e a falta de atendimento médi-co-hospitalar que, efetuado, facilmente teria estancado o sangue e curado o paciente.
Obtive absolvição unânime. A Promotoria Pública recorreu da sentença que, todavia, foi confirmada na segunda instância.
De posse do Alvará de Soltura, encaminhei o mesmo à direção do presídio onde o detento estava recolhido.
O absolvido, que detinha bom comportamento carcerário, havia, durante a lenta tramitação do processo, sido transferido para o estabelecimento penal agrícola de Piraquara, para onde levara sua família e colocara os filhos na Escola ali existente.
Morava em pequena casa dotada de luz, água e cultivava, ainda, uma horta que era seu orgulho.
Tudo ao contrário de Colombo quando lá residia, já que vivia num tosco casebre sem nenhum conforto e não existia escola para a criançada.
A par da absolvição, o ex-réu não queria ser posto em liberdade.
Todavia, o Diretor do estabelecimento penal não só necessitava da vaga para outro detento como, de lei, não poderia manter preso um homem que havia sido absolvido pela Justiça, com decisão transitada em julgado.
Ai houve o famoso "jeitinho brasileiro". O Diretor, humano por excelência, consultando superiores, permitiu que o inocentado e seus familiares ficassem até o final do ano, tudo sob o pressuposto que, assim, as crianças não perderiam o ano escolar e o produto da horta poderia ser colhido e usufruído por quem o semeou.
Nosso homem ficou, sob estranha custódia, por mais algum tempo - dois meses aproximadamente - quando, finalmente, deixou o presídio.
A liberdade para ele não era, na oportunidade, a coisa mais importante e, desse modo, a desprezou solenemente.
Nunca mais tive notícias do indigitado cliente...
José Cadilhe de Oliveira, advogado
quinta-feira, 9 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Andanças de Orlando
Histórias do Paraná - Andanças de Orlando
Andanças de Orlando
Francisco Camargo
O fotógrafo Orlando Kissner, hoje na Agência Estado, em São Paulo, começou sua carreira em Curitiba.
Como motorista, aliás.
Ele estava num carro de reportagem quando, metros à frente, ocorreu a famosa explosão de uma carga de dinamite, que sacudiu a cidade, lá pelas bandas das Mercês.
Mas não é o caso. O caso, ou os casos, é que Orlando, aqui mais conhecido como Polaco e, hoje, na Paulicéia, como Alemão, tinha uma facilidade incrível para se meter em confusão.
Corte rápido: depois de cobrir a rebelião no presídio de Piraquara, na década de 80, ganhou de presente, como souvenir, alguns estoques, teresas e facas, sobras do motim.
Presente de alguns policiais.
Jogou tudo no porta-malas do carro, o Opalão conhecido como Trovão Azul, e esqueceu.
Um dia, meses depois, descendo para a praia, foi parado numa barreira da Polícia Rodoviária.
Explicar por que transportava aquela estranha carga não foi fácil.
Mesmo porque havia, no meio do "arsenal", uma serra de mão utilizada em açougue, própria para cortar um boi ao meio.
Pano rápido.
O bom Orlando, consagrado em São Paulo, tem feito muitas viagens ao exterior.
Em Londres, no hotel, tarefa do dia cumprida, resolve tomar uísque - "mas que seja estrangeiro, nacional é uma droga".
Difícil foi conseguir gelo. O camareiro era jamaicano, não falava lhufas de português ou espanhol, tanto quanto o Orlando em se tratando de inglês.
- Gelo.
- Gelo, pomba!
Recorreu ao inglês de platéia de cinema americano:
- Ice!
Deu certo.
Mas o camareiro trouxe umas pedrinhas que mal davam para a primeira dose.
Insistiu.
Ice! Mucho ice.
Nada feito.
Engrossou:
- Iceberg!
O funcionário deixou o apartamento.
Voltou mais tarde carregando uma barra de gelo, com gancho e tudo.
Atirada contra o fundo da banheira, Orlando garantiu pedras de gelo para mais de um litro de uísque.
Mas não gostou de Londres.
Os carros insistiam em trafegar na contra-mão.
Francisco Camargo, jornalista
Andanças de Orlando
Francisco Camargo
O fotógrafo Orlando Kissner, hoje na Agência Estado, em São Paulo, começou sua carreira em Curitiba.
Como motorista, aliás.
Ele estava num carro de reportagem quando, metros à frente, ocorreu a famosa explosão de uma carga de dinamite, que sacudiu a cidade, lá pelas bandas das Mercês.
Mas não é o caso. O caso, ou os casos, é que Orlando, aqui mais conhecido como Polaco e, hoje, na Paulicéia, como Alemão, tinha uma facilidade incrível para se meter em confusão.
Corte rápido: depois de cobrir a rebelião no presídio de Piraquara, na década de 80, ganhou de presente, como souvenir, alguns estoques, teresas e facas, sobras do motim.
Presente de alguns policiais.
Jogou tudo no porta-malas do carro, o Opalão conhecido como Trovão Azul, e esqueceu.
Um dia, meses depois, descendo para a praia, foi parado numa barreira da Polícia Rodoviária.
Explicar por que transportava aquela estranha carga não foi fácil.
Mesmo porque havia, no meio do "arsenal", uma serra de mão utilizada em açougue, própria para cortar um boi ao meio.
Pano rápido.
O bom Orlando, consagrado em São Paulo, tem feito muitas viagens ao exterior.
Em Londres, no hotel, tarefa do dia cumprida, resolve tomar uísque - "mas que seja estrangeiro, nacional é uma droga".
Difícil foi conseguir gelo. O camareiro era jamaicano, não falava lhufas de português ou espanhol, tanto quanto o Orlando em se tratando de inglês.
- Gelo.
- Gelo, pomba!
Recorreu ao inglês de platéia de cinema americano:
- Ice!
Deu certo.
Mas o camareiro trouxe umas pedrinhas que mal davam para a primeira dose.
Insistiu.
Ice! Mucho ice.
Nada feito.
Engrossou:
- Iceberg!
O funcionário deixou o apartamento.
Voltou mais tarde carregando uma barra de gelo, com gancho e tudo.
Atirada contra o fundo da banheira, Orlando garantiu pedras de gelo para mais de um litro de uísque.
Mas não gostou de Londres.
Os carros insistiam em trafegar na contra-mão.
Francisco Camargo, jornalista
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Degredo em Guarapuava
Histórias do Paraná - Degredo em Guarapuava
Degredo em Guarapuava
Murilo Walter Teixeira
Dois documentos encontrados no arquivo histórico de Benja-min C. Teixeira (volumes 14 e 20), mostram claramente que Guarapuava hospedou no século passado, alguns degredados oriundos da Província de São Paulo de regiões mais populosas, e em obediência a decisão da Junta de Justiça de então.
A maioria como resultado de tumultos, roubos e mortes que ocasionaram na Vila de Santos, sendo sentenciados a cumprir degredo na Freguesia de Nossa Senhora de Belém - Paróquia de Guarapuava.
As penas desses réus variavam de um ano de permanência até toda a vida.
Obedeciam as regras emitidas no livro Quinto das Ordenações Filipinas, que vigorou até 1850 com o surgimento de novo regulamento. O artigo 51 previa: "A pena de degredo obrigará os réus a residir no lugar destinado pela sentença, sem poderem sair dele, durante o tempo que a mesma lhes marcar."
No primeiro documento, treze foram os sentenciados conforme a decisão da Junta em 19 de dezembro de 1821 e encaminhados em 15 de janeiro de 1822, sendo recebidos conforme termo de apresentação feito em 22 de maio de 1822, pelo então Comandante da Guarnição Militar, o Capitão Antonio da Rocha Loures - tronco da maioria das famílias guarapuavanas.
As idades dos condenados variam de 18 a 30 anos.
Alguns com profissões citadas: Felisberto Ferreira Campeio — carpinteiro, e Izidoro Ramos - alfaiate.
Nessa etapa, as penas mais severas eram de vinte anos de permanência (Felisberto Ferreira Campeio, Athanazio Lopes, Felix Pereira, José Gomes, Mariano Antonio e Joaquim Antonio de Oliveira). Com dez anos: José Moreira da Silva por assassinato.
Com cinco anos devem ter permanecido os indivíduos: Izidoro Ramos, Joaquim Martins Rodrigues, Francisco Manoel, este por crime de ar-rombamento, e Miguel Moronis, natural de Málaga, Espanha, por furto a bordo de um navio.
Com dois anos de Pena o cidadão Constantino Ribeiro, de trinta anos de idade.
Um deles faleceu durante a viagem.
Em outra decisão da Junta da Justiça lavrada em 24 de março de 1828, mais uma leva de indivíduos foram encaminhados à Freguesia de N. S. de Belém de Guarapuava, agora com penas mais
severas, pois o degredo era por toda a vida.
Sete foram as pessoas envolvidas nas devassas, sendo a maioria por assassinato.
Estão assim relacionadas conforme o termo de apresentação dado pela autoridade local em 11 de junho de 1828:
Joaquim Lemos Dias, Joaquim Mariano, Thimotheo Domingues (índio), Galdino José Nonato, Joaquim Antonio dos Santos e as mulheres Francisca Maria Constancia e Maria Vieira, esta por ter matado o marido.
No censo realizado em 1835 aparecem outros nomes (vinte e três), por certo encaminhados em ocasiões diversas.
Já no rol de habitantes da Paróquia promovido em 1853, percebe-se que alguns degredados instalaram-se em propriedades com esposa, filhos e até agregados, demonstrando sua inclusão na vida comunitária.
Porém aí não consta a grande maioria, mesmo aqueles com sentença de degredo perpétuo.
Murilo Walter Teixeira, dentista em Guarapuava.
Degredo em Guarapuava
Murilo Walter Teixeira
Dois documentos encontrados no arquivo histórico de Benja-min C. Teixeira (volumes 14 e 20), mostram claramente que Guarapuava hospedou no século passado, alguns degredados oriundos da Província de São Paulo de regiões mais populosas, e em obediência a decisão da Junta de Justiça de então.
A maioria como resultado de tumultos, roubos e mortes que ocasionaram na Vila de Santos, sendo sentenciados a cumprir degredo na Freguesia de Nossa Senhora de Belém - Paróquia de Guarapuava.
As penas desses réus variavam de um ano de permanência até toda a vida.
Obedeciam as regras emitidas no livro Quinto das Ordenações Filipinas, que vigorou até 1850 com o surgimento de novo regulamento. O artigo 51 previa: "A pena de degredo obrigará os réus a residir no lugar destinado pela sentença, sem poderem sair dele, durante o tempo que a mesma lhes marcar."
No primeiro documento, treze foram os sentenciados conforme a decisão da Junta em 19 de dezembro de 1821 e encaminhados em 15 de janeiro de 1822, sendo recebidos conforme termo de apresentação feito em 22 de maio de 1822, pelo então Comandante da Guarnição Militar, o Capitão Antonio da Rocha Loures - tronco da maioria das famílias guarapuavanas.
As idades dos condenados variam de 18 a 30 anos.
Alguns com profissões citadas: Felisberto Ferreira Campeio — carpinteiro, e Izidoro Ramos - alfaiate.
Nessa etapa, as penas mais severas eram de vinte anos de permanência (Felisberto Ferreira Campeio, Athanazio Lopes, Felix Pereira, José Gomes, Mariano Antonio e Joaquim Antonio de Oliveira). Com dez anos: José Moreira da Silva por assassinato.
Com cinco anos devem ter permanecido os indivíduos: Izidoro Ramos, Joaquim Martins Rodrigues, Francisco Manoel, este por crime de ar-rombamento, e Miguel Moronis, natural de Málaga, Espanha, por furto a bordo de um navio.
Com dois anos de Pena o cidadão Constantino Ribeiro, de trinta anos de idade.
Um deles faleceu durante a viagem.
Em outra decisão da Junta da Justiça lavrada em 24 de março de 1828, mais uma leva de indivíduos foram encaminhados à Freguesia de N. S. de Belém de Guarapuava, agora com penas mais
severas, pois o degredo era por toda a vida.
Sete foram as pessoas envolvidas nas devassas, sendo a maioria por assassinato.
Estão assim relacionadas conforme o termo de apresentação dado pela autoridade local em 11 de junho de 1828:
Joaquim Lemos Dias, Joaquim Mariano, Thimotheo Domingues (índio), Galdino José Nonato, Joaquim Antonio dos Santos e as mulheres Francisca Maria Constancia e Maria Vieira, esta por ter matado o marido.
No censo realizado em 1835 aparecem outros nomes (vinte e três), por certo encaminhados em ocasiões diversas.
Já no rol de habitantes da Paróquia promovido em 1853, percebe-se que alguns degredados instalaram-se em propriedades com esposa, filhos e até agregados, demonstrando sua inclusão na vida comunitária.
Porém aí não consta a grande maioria, mesmo aqueles com sentença de degredo perpétuo.
Murilo Walter Teixeira, dentista em Guarapuava.
terça-feira, 7 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Candidatos ao vivo
Histórias do Paraná - Candidatos ao vivo
Candidatos ao vivo
Bruno Nunes da Matta
As eleições deste ano de 1994 prometem a volta triunfal dos palanques.
A legislação eleitoral vai tirar o brilho eletrônico dos programas do TRE.
E a volta dos candidatos ao corpo-a-corpo, o pegar à unha o eleitor, gastar o verbo, fazer uso da eloqüência, ser mágico.
Alquimista, prestidigitador das palavras.
Talentos que poucos têm, como o deputado Erondy Silvério, portador de um verdadeiro bordão quando se dirigia à massa:
- Eu, que comi o pão da caridade pública...
O povão ficava emocionado, identificava-se com o candidato, de origem pobre, que lutou para subir na vida, como a grande maioria.
Tanto que Erondy reelegeu-se diversas vezes. E é verdade: o deputado tinha passado por um orfanato.
Às vezes, no entanto, o político acaba com os burros n’água.
Faz parte do folclore político o episódio em que o candidato, tentando a reeleição, bradou ao microfone:
- Neste bolso nunca entrou dinheiro público!
Ao que, um gaiato lá atrás, repicou:
- Calça nova, hein?!
O pai da jornalista Adélia Lopes, candidato a vereador em Aquidauana, Mato Grosso, dirigiu-se em caravana para um local pobre às margens do rio de mesmo nome.
Pobre mas bom de voto.
Na cabeça, um vistoso chapéu Panamá. Lindo.
Discurso inflamado, termina o pronunciamento e é carregado pelos correligionários.
Na confusão, fica sem o chapéu.
Reage, aos gritos:
- Devolvem meu chapéu, bando de ladrões!
Consta que não arrancou um mísero voto no distrito.
O ex-governador Álvaro Dias desce para inaugurar uma obra no litoral.
Na estrada das praias, populares à espera.
Manda o motorista parar o carro, desce, vai ao acostamento e cumprimenta um a um.
Apertos de mão e abraços. O motorista do Palácio, brincalhão, decide fazer uma molecagem. O governador descia e ele fazia o mesmo, pelo outro lado do carro, perfilando-se com os populares.
Recebia o aperto de mão, o abraço, e tratava de retornar ao volante, escondendo-se entre os moradores.
Assim fez durante quase todo o trajeto.
Já o professor Sydnei Lima Santos, candidato a vereador, no tempo do Curso Tuiuti, vai a um comício em bairro.
O líder dos moradores, ao anunciar seu discurso, esquece o currículo do candidato a ser apresentado à turma:
- E ele, o nosso candidato, é professor... professor... professor de datilografia!
Ouvem-se aplausos.
Bruno Nunes da Matta, radialista
Candidatos ao vivo
Bruno Nunes da Matta
As eleições deste ano de 1994 prometem a volta triunfal dos palanques.
A legislação eleitoral vai tirar o brilho eletrônico dos programas do TRE.
E a volta dos candidatos ao corpo-a-corpo, o pegar à unha o eleitor, gastar o verbo, fazer uso da eloqüência, ser mágico.
Alquimista, prestidigitador das palavras.
Talentos que poucos têm, como o deputado Erondy Silvério, portador de um verdadeiro bordão quando se dirigia à massa:
- Eu, que comi o pão da caridade pública...
O povão ficava emocionado, identificava-se com o candidato, de origem pobre, que lutou para subir na vida, como a grande maioria.
Tanto que Erondy reelegeu-se diversas vezes. E é verdade: o deputado tinha passado por um orfanato.
Às vezes, no entanto, o político acaba com os burros n’água.
Faz parte do folclore político o episódio em que o candidato, tentando a reeleição, bradou ao microfone:
- Neste bolso nunca entrou dinheiro público!
Ao que, um gaiato lá atrás, repicou:
- Calça nova, hein?!
O pai da jornalista Adélia Lopes, candidato a vereador em Aquidauana, Mato Grosso, dirigiu-se em caravana para um local pobre às margens do rio de mesmo nome.
Pobre mas bom de voto.
Na cabeça, um vistoso chapéu Panamá. Lindo.
Discurso inflamado, termina o pronunciamento e é carregado pelos correligionários.
Na confusão, fica sem o chapéu.
Reage, aos gritos:
- Devolvem meu chapéu, bando de ladrões!
Consta que não arrancou um mísero voto no distrito.
O ex-governador Álvaro Dias desce para inaugurar uma obra no litoral.
Na estrada das praias, populares à espera.
Manda o motorista parar o carro, desce, vai ao acostamento e cumprimenta um a um.
Apertos de mão e abraços. O motorista do Palácio, brincalhão, decide fazer uma molecagem. O governador descia e ele fazia o mesmo, pelo outro lado do carro, perfilando-se com os populares.
Recebia o aperto de mão, o abraço, e tratava de retornar ao volante, escondendo-se entre os moradores.
Assim fez durante quase todo o trajeto.
Já o professor Sydnei Lima Santos, candidato a vereador, no tempo do Curso Tuiuti, vai a um comício em bairro.
O líder dos moradores, ao anunciar seu discurso, esquece o currículo do candidato a ser apresentado à turma:
- E ele, o nosso candidato, é professor... professor... professor de datilografia!
Ouvem-se aplausos.
Bruno Nunes da Matta, radialista
segunda-feira, 6 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Wille e Margarida
Histórias do Paraná - Wille e Margarida
Wille e Margarida
Mário Schactai Ribeiro
Esta é a história de um casal trabalhador, simpático, chefes de família exemplares.
Aconteceu na cidade de Palmeira nos anos 50. Uma história verdadeira que mostra como as coisas podiam acontecer antes da existência de uma inflação galopante como a que hoje vivemos(1993).
Wille montou uma padaria, anexa a bar e sorveteria, e se encarregava de cuidar do caixa.
Margarida, sua esposa, cuidava da casa, dos seis filhos, e ainda preparava bolos e salgadinhos para o bar.
O negócio progrediu, cresceu, foi melhorando, até modernizado.
Contava já com alguns empregados. E com a quase permanente "fiscalização" de Margarida, no que se referia à higiene, forma de atenção à clientela, disciplina das prateleiras expondo mercadorias.
Wille se mantinha, impassível, junto à "registradora", e os negócios iam bem.
No entanto, Margarida começou a alertar o marido:
- "Wille, estão lhe roubando...!"
Ao que o marido respondia negativamente.
Afinal, ele praticamente não saía de junto da máquina registradora.
Era sua a responsabilidade de receber, dar troco, pagar.
Contabilizar o dinheiro arrecadado. E Margarida, insistia:
- "Wille, estão lhe roubando..."
Wille sorria, discordava da mulher.
Ela, continuava a lida com a casa, os filhos, os quitutes e sempre chamando a atenção de seu esposo, para o fato de que estaria sendo "roubado".
Passaram os meses, fechou mais um ano.
Foram dezenas de vezes que Margarida alertou o marido de que o dinheiro estava sendo tirado do caixa. E que ele discordava que tal fato estivesse acontecendo.
Até que Margarida provou...!
Depois de vários alertas, trouxe para mostrar ao marido um balaio cheio de dinheiro.
Dinheiro que ela tirou do caixa.
Que Wille viu ser tirado do caixa.
Mas, que nunca considerou "roubo". Afinal, era tirado pela esposa, com certeza para outras despesas do estabelecimento comercial e até da própria casa.
Bons tempos...! Contam que o dinheiro deu para comprar uma nova propriedade.
Coisas para a casa.
Até pensar em um carro -quase um luxo para a época.
O que teria acontecido com o dinheiro de Wille e Margarida (guardado no balaio, por um ano) se fosse nos dias atuais? Com a inflação de 40% ao mês?
Mário Schactai Ribeiro, radialista em Palmeira
Guilherme ‘Wille" Frederico Margraf faleceu em 1993; Margarida Bonacin Margraf, em 1976
Wille e Margarida
Mário Schactai Ribeiro
Esta é a história de um casal trabalhador, simpático, chefes de família exemplares.
Aconteceu na cidade de Palmeira nos anos 50. Uma história verdadeira que mostra como as coisas podiam acontecer antes da existência de uma inflação galopante como a que hoje vivemos(1993).
Wille montou uma padaria, anexa a bar e sorveteria, e se encarregava de cuidar do caixa.
Margarida, sua esposa, cuidava da casa, dos seis filhos, e ainda preparava bolos e salgadinhos para o bar.
O negócio progrediu, cresceu, foi melhorando, até modernizado.
Contava já com alguns empregados. E com a quase permanente "fiscalização" de Margarida, no que se referia à higiene, forma de atenção à clientela, disciplina das prateleiras expondo mercadorias.
Wille se mantinha, impassível, junto à "registradora", e os negócios iam bem.
No entanto, Margarida começou a alertar o marido:
- "Wille, estão lhe roubando...!"
Ao que o marido respondia negativamente.
Afinal, ele praticamente não saía de junto da máquina registradora.
Era sua a responsabilidade de receber, dar troco, pagar.
Contabilizar o dinheiro arrecadado. E Margarida, insistia:
- "Wille, estão lhe roubando..."
Wille sorria, discordava da mulher.
Ela, continuava a lida com a casa, os filhos, os quitutes e sempre chamando a atenção de seu esposo, para o fato de que estaria sendo "roubado".
Passaram os meses, fechou mais um ano.
Foram dezenas de vezes que Margarida alertou o marido de que o dinheiro estava sendo tirado do caixa. E que ele discordava que tal fato estivesse acontecendo.
Até que Margarida provou...!
Depois de vários alertas, trouxe para mostrar ao marido um balaio cheio de dinheiro.
Dinheiro que ela tirou do caixa.
Que Wille viu ser tirado do caixa.
Mas, que nunca considerou "roubo". Afinal, era tirado pela esposa, com certeza para outras despesas do estabelecimento comercial e até da própria casa.
Bons tempos...! Contam que o dinheiro deu para comprar uma nova propriedade.
Coisas para a casa.
Até pensar em um carro -quase um luxo para a época.
O que teria acontecido com o dinheiro de Wille e Margarida (guardado no balaio, por um ano) se fosse nos dias atuais? Com a inflação de 40% ao mês?
Mário Schactai Ribeiro, radialista em Palmeira
Guilherme ‘Wille" Frederico Margraf faleceu em 1993; Margarida Bonacin Margraf, em 1976
domingo, 5 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - O espírito de Mavorte
Histórias do Paraná - O espírito de Mavorte
O espírito de Mavorte
Benedicto Bueno
O heroísmo de Antônio Ernesto Gomes Carneiro na página épica do embate de 1894, não foi uma revelação.
Carneiro tinha no corpo o espírito de Mavorte.
Hospedava, em si, a beligerância de quem já havia "andado longes terras, lidado cruas guerras..."
O destino lhe apontava, nos primórdios, a tranqüilidade e lucros no comércio de remédios.
Aviaria receitas, indicaria xaropes.
Seria edição revista e ampliada de seu pai, respeitável boticário da velha Serro, Minas Gerais.
Talvez, aí, o emergir do herói.
Foi a primeira resistência.
Como o poeta que tinha, ou sentia o "borbulhar de um gênio", o filho do boticário mantinha n’alma o agito da guerra, acoplado ao mais puro e acendrado amor ao solo pátrio.
Foi ao Rio para estudar.
Em lá chegando, o país recrutava combatentes para a guerra do Paraguai.
Era o momento de Carneiro.
Procrastinou planos, desmantelou cronogramas, se transmutando no mais despreendido dos voluntários da Pátria.
Eis o anspeçada (sua primeira promoção) Carneiro no palco de guerra. O sibilo das balas, o troar do canhoneio, integravam-lhe o cotidiano, até que, ferido em combate baixou a hospital. O indômito de sua fibra fê-lo voltar à luta, desistindo da licença lhe concedida para convalescer.
Guerra finita, Antônio Ernesto, a quem, sabiamente, o exército acolhera definitivamente em suas fileiras, aperfeiçoou seus conhecimentos fazendo, com louvor, todos os cursos lhe acenados, incluindo no rol a engenharia e escola militar.
Não bastassem as guerras entre nações, a proclamação da República trouxe, em seu bojo, o lamentável das contendas intestinas, traduzindo insatisfações aqui e acolá. Destas, a Revolução Federalista a mais importante.
Não fôra a resistência de pacata cidade do sul do Paraná, a Lapa, e as forças que se aglutinaram a partir dos extremos do território brasileiro, num avanço de vitórias fáceis e sanguinárias, teriam chegado até Floriano.
Teriam mudado os destinos da nação.
E a resistência Lapeana tinha um condutor.
Contava com a intrepidez, o denodo e a coragem do experiente Antônio Ernesto Gomes Carneiro.
Entrementes, flagrante era a desigualdade nos confrontos.
Os anais do Exército, em se referindo a
Carneiro e seus comandados, assinalam a discrepância... "apenas com quinhentos homens, cercados por três mil".
E o soldado de tantas pugnas, de heroísmo estóico, ferido mortalmente, teve, na sofrida Lapa, o cenário sombrio de sua última batalha.**
Hoje, ânimos serenados, quem uma centena de anos empôs, há que se rememorar o destemor, o heroísmo e despreendimento de homens não hesitantes no derramar o sangue na defesa do que acreditavam.
Sob outro ângulo, um lamento a ultrapassar centenários sem fim. A revolução foi um confronto de brasileiros.
Uma trágeca desavença entre irmãos.
Benedito Bueno é tabelião aposentado na Lapa
** Hoje (quando foi escrito o texto) faz exatamente 100 anos que o Gen Carneiro faleceu (09/02/1993).
O espírito de Mavorte
Benedicto Bueno
O heroísmo de Antônio Ernesto Gomes Carneiro na página épica do embate de 1894, não foi uma revelação.
Carneiro tinha no corpo o espírito de Mavorte.
Hospedava, em si, a beligerância de quem já havia "andado longes terras, lidado cruas guerras..."
O destino lhe apontava, nos primórdios, a tranqüilidade e lucros no comércio de remédios.
Aviaria receitas, indicaria xaropes.
Seria edição revista e ampliada de seu pai, respeitável boticário da velha Serro, Minas Gerais.
Talvez, aí, o emergir do herói.
Foi a primeira resistência.
Como o poeta que tinha, ou sentia o "borbulhar de um gênio", o filho do boticário mantinha n’alma o agito da guerra, acoplado ao mais puro e acendrado amor ao solo pátrio.
Foi ao Rio para estudar.
Em lá chegando, o país recrutava combatentes para a guerra do Paraguai.
Era o momento de Carneiro.
Procrastinou planos, desmantelou cronogramas, se transmutando no mais despreendido dos voluntários da Pátria.
Eis o anspeçada (sua primeira promoção) Carneiro no palco de guerra. O sibilo das balas, o troar do canhoneio, integravam-lhe o cotidiano, até que, ferido em combate baixou a hospital. O indômito de sua fibra fê-lo voltar à luta, desistindo da licença lhe concedida para convalescer.
Guerra finita, Antônio Ernesto, a quem, sabiamente, o exército acolhera definitivamente em suas fileiras, aperfeiçoou seus conhecimentos fazendo, com louvor, todos os cursos lhe acenados, incluindo no rol a engenharia e escola militar.
Não bastassem as guerras entre nações, a proclamação da República trouxe, em seu bojo, o lamentável das contendas intestinas, traduzindo insatisfações aqui e acolá. Destas, a Revolução Federalista a mais importante.
Não fôra a resistência de pacata cidade do sul do Paraná, a Lapa, e as forças que se aglutinaram a partir dos extremos do território brasileiro, num avanço de vitórias fáceis e sanguinárias, teriam chegado até Floriano.
Teriam mudado os destinos da nação.
E a resistência Lapeana tinha um condutor.
Contava com a intrepidez, o denodo e a coragem do experiente Antônio Ernesto Gomes Carneiro.
Entrementes, flagrante era a desigualdade nos confrontos.
Os anais do Exército, em se referindo a
Carneiro e seus comandados, assinalam a discrepância... "apenas com quinhentos homens, cercados por três mil".
E o soldado de tantas pugnas, de heroísmo estóico, ferido mortalmente, teve, na sofrida Lapa, o cenário sombrio de sua última batalha.**
Hoje, ânimos serenados, quem uma centena de anos empôs, há que se rememorar o destemor, o heroísmo e despreendimento de homens não hesitantes no derramar o sangue na defesa do que acreditavam.
Sob outro ângulo, um lamento a ultrapassar centenários sem fim. A revolução foi um confronto de brasileiros.
Uma trágeca desavença entre irmãos.
Benedito Bueno é tabelião aposentado na Lapa
** Hoje (quando foi escrito o texto) faz exatamente 100 anos que o Gen Carneiro faleceu (09/02/1993).
sábado, 4 de outubro de 2014
Histórias do Paraná - Inimigos cordiais
Histórias do Paraná - Inimigos cordiais
Inimigos cordiais
Sydney Dittrich Zappa
O termo revolução exprime, como é sabido, a idéia de violência.
A Revolução Federalista, que visava a derrubada do Governo Floriano Peixoto, e está a completar 100 anos, não fugiu desse significado.
Ambas as partes, picapaus e maragatos, mesmo distantes dos combates, foram pródigos em atos dessa natureza, como saques, destruições, roubos e homicídios.
Um exemplo de tal violência foram as execuções sumárias, sem julgamento, contra os maragatos, após a derrota dos revolucionários, efetuados pelos governistas, entre maio e junho de 1894, comandadas e orientadas pelo General Everton Quadros, instalado em Curitiba. O Barão do Serro Azul e seus companheiros, trucidados na Serra do Mar, foram algumas dessas vítimas.
A Lapa, ao contrário de Curitiba, que capitulou sem luta, suportou sob a liderança de Gomes Carneiro um cerco de quase um mês, a despeito da grande inferioridade em homens e armas, frente aos contingentes de Aparício Saraiva.
Depois desses dias terríveis, em que surgiram heróis conhecidos e anônimos, e da retirada dos federalistas, ocorreu acontecimento singular.
Na cidade legendária, viviam dois homens que, desde a juventude, colocaram-se em campos opostos, mais que isso, tornaram-se inimigos irreconciliáveis.
Um dos motivos dessa inimizade era a disputa por bela jovem que, afinal, não optou por nenhum deles.
Os dois inimigos eram o Solicitador e Professor Geniplo Pereira Ramos, adepto dos maragatos, e o Tenente Jorge Hemples, que era picapau e combatera nas fileiras legalistas, sob o comando do Coronel Carneiro.
O prof. Geniplo advertido de que por ordem de Curitiba, por ter apoiado os federalistas, seria preso e teria o mesmo destino das vítimas da Serra do Mar, fugiu bem a tempo pelos fundos de sua casa, situada na Rua das Tropas.
Iniciada a fuga desesperada, dirigiu-se a pé para fora da cidade, em direção ao Cemitério Protestante.
No caminho, próximo a um riacho, cansado pelo esforço da corrida e, por isso, já caminhando devagar, surpreso e preocupado, viu aproximar-se, em sentido contrário, o seu inimigo, o Tenente Jorge Hemples, que, de sua chácara, montado em seu cavalo de arreios de prata, dirigia-se à cidade.
Frente a frente com Geniplo, Jorge, sem desmontar, percebendo a agitação daquele, perguntou-lhe o que teria ocorrido.
Foi então, informado por Geniplo que este, perseguido por uma escolta que iria prendê-lo, e temeroso de ser morto, estava fugindo.
Naquele instante, sem apresentar a grandiosidade daqueles instantes decisivos, que mudaram os destinos do mundo, narrados por Stefan Zweig, em obra notável — mas que em face das circunstâncias poderia ser chamado de supremo momento da vida de dois homens.
Jorge, sem titubear, desceu da montaria e cedeu-a a Geniplo, dizendo-lhe para dela servir-se e refugiar-se na casa de um compadre, fora da cidade.
Mais uma vez o destino, por meio de suas inumeráveis tramas, decidida a sorte de um mortal.
Completada a fuga pelo perseguido, aproximou-se a escolta, comandada por um sargento, que logo reconheceu o Tenente Jorge.
Feitas as continências, o sargento perguntou a respeito do fugitivo, recebendo a resposta de que este teria fugido em direção diversa daquela efetivamente verificada, para onde seguiram os perseguidores.
Diante disso, o prof. Geniplo não pôde ser encontrado, salvando-se da prisão e da execução praticamente certa.
Depois dessa ocorrência, em que Geniplo teve a vida por um fio, deve este ter concluído que melhor do que certos amigos é possuir um tal inimigo.
Jorge Hemples é meu bisavô.
Sydney Dittrich Zappa, Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná
Inimigos cordiais
Sydney Dittrich Zappa
O termo revolução exprime, como é sabido, a idéia de violência.
A Revolução Federalista, que visava a derrubada do Governo Floriano Peixoto, e está a completar 100 anos, não fugiu desse significado.
Ambas as partes, picapaus e maragatos, mesmo distantes dos combates, foram pródigos em atos dessa natureza, como saques, destruições, roubos e homicídios.
Um exemplo de tal violência foram as execuções sumárias, sem julgamento, contra os maragatos, após a derrota dos revolucionários, efetuados pelos governistas, entre maio e junho de 1894, comandadas e orientadas pelo General Everton Quadros, instalado em Curitiba. O Barão do Serro Azul e seus companheiros, trucidados na Serra do Mar, foram algumas dessas vítimas.
A Lapa, ao contrário de Curitiba, que capitulou sem luta, suportou sob a liderança de Gomes Carneiro um cerco de quase um mês, a despeito da grande inferioridade em homens e armas, frente aos contingentes de Aparício Saraiva.
Depois desses dias terríveis, em que surgiram heróis conhecidos e anônimos, e da retirada dos federalistas, ocorreu acontecimento singular.
Na cidade legendária, viviam dois homens que, desde a juventude, colocaram-se em campos opostos, mais que isso, tornaram-se inimigos irreconciliáveis.
Um dos motivos dessa inimizade era a disputa por bela jovem que, afinal, não optou por nenhum deles.
Os dois inimigos eram o Solicitador e Professor Geniplo Pereira Ramos, adepto dos maragatos, e o Tenente Jorge Hemples, que era picapau e combatera nas fileiras legalistas, sob o comando do Coronel Carneiro.
O prof. Geniplo advertido de que por ordem de Curitiba, por ter apoiado os federalistas, seria preso e teria o mesmo destino das vítimas da Serra do Mar, fugiu bem a tempo pelos fundos de sua casa, situada na Rua das Tropas.
Iniciada a fuga desesperada, dirigiu-se a pé para fora da cidade, em direção ao Cemitério Protestante.
No caminho, próximo a um riacho, cansado pelo esforço da corrida e, por isso, já caminhando devagar, surpreso e preocupado, viu aproximar-se, em sentido contrário, o seu inimigo, o Tenente Jorge Hemples, que, de sua chácara, montado em seu cavalo de arreios de prata, dirigia-se à cidade.
Frente a frente com Geniplo, Jorge, sem desmontar, percebendo a agitação daquele, perguntou-lhe o que teria ocorrido.
Foi então, informado por Geniplo que este, perseguido por uma escolta que iria prendê-lo, e temeroso de ser morto, estava fugindo.
Naquele instante, sem apresentar a grandiosidade daqueles instantes decisivos, que mudaram os destinos do mundo, narrados por Stefan Zweig, em obra notável — mas que em face das circunstâncias poderia ser chamado de supremo momento da vida de dois homens.
Jorge, sem titubear, desceu da montaria e cedeu-a a Geniplo, dizendo-lhe para dela servir-se e refugiar-se na casa de um compadre, fora da cidade.
Mais uma vez o destino, por meio de suas inumeráveis tramas, decidida a sorte de um mortal.
Completada a fuga pelo perseguido, aproximou-se a escolta, comandada por um sargento, que logo reconheceu o Tenente Jorge.
Feitas as continências, o sargento perguntou a respeito do fugitivo, recebendo a resposta de que este teria fugido em direção diversa daquela efetivamente verificada, para onde seguiram os perseguidores.
Diante disso, o prof. Geniplo não pôde ser encontrado, salvando-se da prisão e da execução praticamente certa.
Depois dessa ocorrência, em que Geniplo teve a vida por um fio, deve este ter concluído que melhor do que certos amigos é possuir um tal inimigo.
Jorge Hemples é meu bisavô.
Sydney Dittrich Zappa, Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná
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