quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Histórias do Paraná - Um bilhete

Histórias do Paraná - Um bilhete

Um bilhete
Murilo Walter Teixeira

Um jovem moreno, blusão vermelho desbotado cujas mangas escondiam as mãos, entregou-me ali no canto da praça, próximo à Casa Paroquial, um bilhete rabiscado numa folha de papel almaço, dupla.
Escreveu nas páginas internas.
A medida que me deslocava pelo passeio do muro dos Padres, abrindo-o cuidadosamente, um cachorro com seus latidos estridentes me sobressalta deixando cair a folha de papel que teimava em seguir o vento, alojando-se no meio-fio.
Apanhei-a e vejam o que continha: "O manto divino lhe proteja e guie seus passos.
Estamos em apuros. O comportamento de meu pai está se tornando, além de ridículo, agressivo e incômodo. Não que ele venha a brigar ou injuriar quem quer que seja, mas, a maneira como se apresenta em público.
Veja. Trasanteontem, saiu de casa com meias de cores diferentes: vermelha e branca.
Sapatos, idem. No pé direito um tênis.
No esquerdo, sapato preto.
Guarda chuva aberto para se proteger do sol.
Luvas de couro. Ambas sem o dedo indicador e este envolvido com mercúrio.
Ridículo, pois quando cumprimentou uma vizinha, esta ficou estarrecida com aquele dedo "sangrando".
Ele riu, gostosamente. Mas, o pior.
Saiu com o calção de meu irmão do time lá da fábrica.
Aquelas pernas finas, brancas e compridas, além da indumentária esquisita, serviu de chacota e risos no bairro.
Porém, o impossível aconteceu domingo à tarde, próximo à Igreja, perto da cancha feita pela Prefeitura.
Havia um jogo de Voley com uma respeitável assistência.
Papai apareceu com mais três amigos e todos vestidos da mesma forma bizarra e esdrúxula.
Agora, conduzia uma sombrinha, chapéu de boiadeiro e chinelos diferentes.
Como deve imaginar, o alvoroço foi inevitável, atrapalhando a competição nos seus momentos mais decisivos.
Em casa permanece o dia todo assobiando a mesma música. Não dá, ninguém agüenta.
Quando não, aparece com um papagaio, tentando ensinar-lhe o Hino Nacional.
Diz ser para o desfile de sete de setembro.
Rogo-lhe suas orações e bênçãos.
Obrigada.
Desculpe a letra.
Maria".
Acho que houve um engano.
Era para o Padre, mas, acredito que pouco podia fazer, senão rezar.

Murilo Walter Teixeira, dentista em Guarapuava


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