domingo, 5 de outubro de 2014

Histórias do Paraná - O espírito de Mavorte

Histórias do Paraná - O espírito de Mavorte

O espírito de Mavorte
Benedicto Bueno

O heroísmo de Antônio Ernesto Gomes Carneiro na página épica do embate de 1894, não foi uma revelação.
Carneiro tinha no corpo o espírito de Mavorte.
Hospedava, em si, a beligerância de quem já havia "andado longes terras, lidado cruas guerras..."
O destino lhe apontava, nos primórdios, a tranqüilidade e lucros no comércio de remédios.
Aviaria receitas, indicaria xaropes.
Seria edição revista e ampliada de seu pai, respeitável boticário da velha Serro, Minas Gerais.
Talvez, aí, o emergir do herói.
Foi a primeira resistência.
Como o poeta que tinha, ou sentia o "borbulhar de um gênio", o filho do boticário mantinha n’alma o agito da guerra, acoplado ao mais puro e acendrado amor ao solo pátrio.
Foi ao Rio para estudar.
Em lá chegando, o país recrutava combatentes para a guerra do Paraguai.
Era o momento de Carneiro.
Procrastinou planos, desmantelou cronogramas, se transmutando no mais despreendido dos voluntários da Pátria.
Eis o anspeçada (sua primeira promoção) Carneiro no palco de guerra. O sibilo das balas, o troar do canhoneio, integravam-lhe o cotidiano, até que, ferido em combate baixou a hospital. O indômito de sua fibra fê-lo voltar à luta, desistindo da licença lhe concedida para convalescer.
Guerra finita, Antônio Ernesto, a quem, sabiamente, o exército acolhera definitivamente em suas fileiras, aperfeiçoou seus conhecimentos fazendo, com louvor, todos os cursos lhe acenados, incluindo no rol a engenharia e escola militar.
Não bastassem as guerras entre nações, a proclamação da República trouxe, em seu bojo, o lamentável das contendas intestinas, traduzindo insatisfações aqui e acolá. Destas, a Revolução Federalista a mais importante.
Não fôra a resistência de pacata cidade do sul do Paraná, a Lapa, e as forças que se aglutinaram a partir dos extremos do território brasileiro, num avanço de vitórias fáceis e sanguinárias, teriam chegado até Floriano.
Teriam mudado os destinos da nação.
E a resistência Lapeana tinha um condutor.
Contava com a intrepidez, o denodo e a coragem do experiente Antônio Ernesto Gomes Carneiro.
Entrementes, flagrante era a desigualdade nos confrontos.
Os anais do Exército, em se referindo a
Carneiro e seus comandados, assinalam a discrepância... "apenas com quinhentos homens, cercados por três mil".
E o soldado de tantas pugnas, de heroísmo estóico, ferido mortalmente, teve, na sofrida Lapa, o cenário sombrio de sua última batalha.**
Hoje, ânimos serenados, quem uma centena de anos empôs, há que se rememorar o destemor, o heroísmo e despreendimento de homens não hesitantes no derramar o sangue na defesa do que acreditavam.
Sob outro ângulo, um lamento a ultrapassar centenários sem fim. A revolução foi um confronto de brasileiros.
Uma trágeca desavença entre irmãos.

Benedito Bueno é tabelião aposentado na Lapa

** Hoje (quando foi escrito o texto) faz exatamente 100 anos que o Gen Carneiro faleceu (09/02/1993).


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