sábado, 4 de outubro de 2014

Histórias do Paraná - Inimigos cordiais

Histórias do Paraná - Inimigos cordiais

Inimigos cordiais
Sydney Dittrich Zappa

O termo revolução exprime, como é sabido, a idéia de violência.
A Revolução Federalista, que visava a derrubada do Governo Floriano Peixoto, e está a completar 100 anos, não fugiu desse significado.
Ambas as partes, picapaus e maragatos, mesmo distantes dos combates, foram pródigos em atos dessa natureza, como saques, destruições, roubos e homicídios.
Um exemplo de tal violência foram as execuções sumárias, sem julgamento, contra os maragatos, após a derrota dos revolucionários, efetuados pelos governistas, entre maio e junho de 1894, comandadas e orientadas pelo General Everton Quadros, instalado em Curitiba. O Barão do Serro Azul e seus companheiros, trucidados na Serra do Mar, foram algumas dessas vítimas.
A Lapa, ao contrário de Curitiba, que capitulou sem luta, suportou sob a liderança de Gomes Carneiro um cerco de quase um mês, a despeito da grande inferioridade em homens e armas, frente aos contingentes de Aparício Saraiva.
Depois desses dias terríveis, em que surgiram heróis conhecidos e anônimos, e da retirada dos federalistas, ocorreu acontecimento singular.
Na cidade legendária, viviam dois homens que, desde a juventude, colocaram-se em campos opostos, mais que isso, tornaram-se inimigos irreconciliáveis.
Um dos motivos dessa inimizade era a disputa por bela jovem que, afinal, não optou por nenhum deles.
Os dois inimigos eram o Solicitador e Professor Geniplo Pereira Ramos, adepto dos maragatos, e o Tenente Jorge Hemples, que era picapau e combatera nas fileiras legalistas, sob o comando do Coronel Carneiro.
O prof. Geniplo advertido de que por ordem de Curitiba, por ter apoiado os federalistas, seria preso e teria o mesmo destino das vítimas da Serra do Mar, fugiu bem a tempo pelos fundos de sua casa, situada na Rua das Tropas.
Iniciada a fuga desesperada, dirigiu-se a pé para fora da cidade, em direção ao Cemitério Protestante.
No caminho, próximo a um riacho, cansado pelo esforço da corrida e, por isso, já caminhando devagar, surpreso e preocupado, viu aproximar-se, em sentido contrário, o seu inimigo, o Tenente Jorge Hemples, que, de sua chácara, montado em seu cavalo de arreios de prata, dirigia-se à cidade.
Frente a frente com Geniplo, Jorge, sem desmontar, percebendo a agitação daquele, perguntou-lhe o que teria ocorrido.
Foi então, informado por Geniplo que este, perseguido por uma escolta que iria prendê-lo, e temeroso de ser morto, estava fugindo.
Naquele instante, sem apresentar a grandiosidade daqueles instantes decisivos, que mudaram os destinos do mundo, narrados por Stefan Zweig, em obra notável — mas que em face das circunstâncias poderia ser chamado de supremo momento da vida de dois homens.
Jorge, sem titubear, desceu da montaria e cedeu-a a Geniplo, dizendo-lhe para dela servir-se e refugiar-se na casa de um compadre, fora da cidade.
Mais uma vez o destino, por meio de suas inumeráveis tramas, decidida a sorte de um mortal.
Completada a fuga pelo perseguido, aproximou-se a escolta, comandada por um sargento, que logo reconheceu o Tenente Jorge.
Feitas as continências, o sargento perguntou a respeito do fugitivo, recebendo a resposta de que este teria fugido em direção diversa daquela efetivamente verificada, para onde seguiram os perseguidores.
Diante disso, o prof. Geniplo não pôde ser encontrado, salvando-se da prisão e da execução praticamente certa.
Depois dessa ocorrência, em que Geniplo teve a vida por um fio, deve este ter concluído que melhor do que certos amigos é possuir um tal inimigo.
Jorge Hemples é meu bisavô.

Sydney Dittrich Zappa, Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná


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