quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Histórias do Paraná - A barba de Jocelin

Histórias do Paraná - A barba de Jocelin

A barba de Jocelin
Túlio Vargas

Conta-nos o historiador Ermelino de Leão: "Manoel Leme, paulista de Mogi das Cruzes, casou-se em Paranaguá com a filha do provedor Manoel de Lemos Conde, de grande prestígio no litoral em meados do século passado.
Amealhou fortuna.
Comprou sítio no Boqueirão, em Curitiba, e fazenda de gado às margens do Rio Tibagi, nos Campos Gerais."
Elevado ao cargo de juiz ordinário, instaurou curioso processo contra o escrivão Euzébio Simões da Cunha, taxando-o de ladrão.
Uma denúncia gravíssima.
Este, por desgosto, deixou crescer a barba até que, ao concluir-se a instrução criminal, viu-se obrigado a raspá-la por ordem superior."
Parece ter sido costume dos antigos esse tipo de expiação, modo de purificar-se de imerecido castigo.
Lembrando-se, a propósito, de outro exemplo dessa prática bizarra.
Soubemos, por tradição oral de família, que Jocelin Morocines Borba também recorreu a esse ritual incomum.
Segundo Ermelino: "ele era homem de rara abnegação.
Um belo tipo gaúcho: alto, elegante, com a longa barba branca ondulante aos ventos, usando botas e esporas como exímio cavaleiro que era.
Prendia a atenção e impunha-se pela estima e bonomia.
Durante a Revolução
Federalista exerceu o cargo de comandante da fronteira da Ribeira." (Dic.
Hist. e Geográfico Paranaense, vol 3, fls 1.032).
Irmão de Telêmaco e Nestor Borba, toma-se conhecido pelos serviços prestados como diretor de aldeamentos indígenas e fidelidades à causa dos maragatos.
Correligionário de Generoso Marques dos Santos, da União Republicana, influente na política, viu-se nomeado contador dos Correios e Telégrafos, em Curitiba, durante o governo de Prudente de Moraes.
Nesse exercício mostrou-se sempre dedicado e operoso.
Certo dia, porém, desapareceu da sua seção um envelope de valores (quantia avultada para a época), sem que se pudesse apurar-lhe o paradeiro.
Depois de longas averiguações, em tumultuado inquérito administrativo, a responsabilidade recaiu sobre Jocelin, pois os bens estavam sob a sua guarda.
Acusado de peculato, sobreveio-lhe a demissão a bem do serviço público.
Honra enxovalhada, inconformado até a indignação, pelo que considerava erro imperdoável, deixou, como protesto pela injustiça, que lhe crescessem a barba, os cabelos e as unhas, resignando-se a cortá-los, somente quando se restabelecesse a verdade.
A repercussão do episódio causou-lhe irreparáveis danos morais.
Parecia um monge recolhido ao abandono, as unhas retorcidas, os cabelos compridos e a barba hirsuta, olhado com certo escárnio pelos maledicentes.
Todavia, diz o ditado, não há mal que sempre dure.
Anos depois, o escândalo já no esquecimento, numa reforma do prédio dos Correios encontrou-se, em surpresa, nos desvãos entre o armário e a parede, o extraviado enveloPe. Despencara da prateleira por detrás do móvel em lugar inacessível.
Estava explicado o sumiço.
Jocelin foi readmitido, mas nenhum desagravo compensou-lhe a terrível humilhação.
No barbeiro, ao recompor-se da penitência, sentiu, após sofridos anos, a emoção de um homem reabilitado.
Durante certo tempo, naquela geração, cada vez que alguém alegava inocência de uma acusação, invocava sempre o exemplo da "barba de Jocelin". A partir desse rumoroso processo, as autoridades do governo mostram-se mais cautelosas na apuração das denúncias.
Jocelin deixou numerosa família.
Entre filhos, netos e bisnetos, encontram-se os nomes do deputado federal Divonsir Borba Cortes e médico Helenton Borba Cortes (falecidos), médico Atlântido Borba Cortes e advogado Divonsir Cortes Filho.
Descendência digna da ancestralidade.

Túlio Vargas, ex-deputado e membro da Academia Paranaense de Letras


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