Histórias do Paraná - O espelho da Comendador
O espelho da Comendador
Suzi Mariano Gubert
Na década de quarenta, as duas primas freqüentavam as aulas do curso ginasial no Instituto de Educação do Paraná.
Moravam no Batei e seu caminho para a escola era a Rua Comendador Araújo.
Uma alta, bonita, cabelos longos, pele alva e pernas bem feitas. A outra, magrela, cabelos ralos, sem graça.
Porém, nada disso tinha importância para as duas estudantes.
Iam alegres e descuidadas, curtindo sua juventude, sem problemas, que de tudo achavam graça.
Desciam a rua saltitantes, competindo com muito cuidado, para não pisar nas pedras pretas dos pinhões e pinheiros desenhados no petit-pavet semi-novo das largas calçadas daquela rua. O movimento era muito pequeno e elas podiam vislumbrar de longe esses desenhos, tão paranaenses.
Iam devagar, correndo o risco de chegar atrasadas na aula.
Mas não havia pressa.
Mesmo sob a garoa gelada tão conhecida das pequenas curitibanas, ou sob o sol forte batendo em seus rostos, continuavam felizes e brincalhonas.
Uma paradinha aqui para roubar uma flor e levar para a professora, outra parada ali afim de olhar os pássaros que pulavam nos jardins dos grandes ca-sarões daquela rua.
Quando chegassem no colégio, com certeza teriam que enfrentar o olhar murcho e recriminante de Mr.
Higgnes, professor de inglês, tão velho que quase nada ouvia.
Ou pedir licença ao Dr. Eloy, professor de francês, paixão de todas as alunas, e que tinha o sorriso mais lindo da época.
Mas o que dizer do seu Osvaldo Lopes que dava aula de artes? Meu Deus, o homem era quase um Cristo.
Barba castanha bem tratada, dentes perfeitos, muito calmo, pele clara, e atrás de tudo isso aqueles profundos alhos azuis.
Seria ele o Cristo?
Entretanto, a aula mais animada, e na qual a gente tinha plena liberdade, era a de D. Josefa e D. Soledade, irmãs muito unidas que até davam aulas de música juntas.
Ali aprendemos todos os hinos que existem, e que até hoje não esqueci, apesar das aulas serem muito tumultuadas, por que elas não tinham muita autoridade com as alunas. A gente podia dar uma chegadinha na janela e até dar umas saidinhas da sala que as duas não viam.
O nosso caminho ficava mais importante quando chegávamos na esquina da Rua Visconde do Rio Branco, ali estava o momento mágico do trajeto.
Era aquele espelho na vitrine da Casa Glaser.
Alí paráva-mos para ver nossas imagens refletidas, imagens essas que quando nos íamos, elas vinham.
Nossas caras ficavam retorcidas, as cabeças e pernas tortas.
Isso para nós era o máximo.
Esquecíamos o horário das aulas, e quem passava não entendia o que as duas meninas estavam fazendo, rindo até as lágrimas, a ponto de não se importar com o belo pito que levariam de D. Laura, inspetora de alunas rigorosa e durona, de quem morriam de medo.
A loja ainda hoje lá está, mas o espelho não.
Suzi Marino Gubert, professora aposentada
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