terça-feira, 14 de outubro de 2014

Histórias do Paraná - Come casaca

Histórias do Paraná - Come casaca

Come casaca
Luiz Romaguera Netto

João Ribeiro de Macedo (nhô Jango), tinha como costume contar aos visitantes e muito especialmente aos seus netos histórias acontecidas ali por perto do Itaqui, local de sua vivenda em Campo Largo.
Esta é uma delas.
Rico fazendeiro da região, viúvo, com apenas um filho, criado cheio de vontades e luxo e que vivia sem trabalhar e a gastar à larga.
Os amigos o bajulavam e dele só recebiam festas e banquetes.
Bailes, passeios e teatros faziam de sua vida o lugar comum.
Seu pai, vendo os desperdícios, chamou-o às contas e teve com ele uma conversa — Meu filho, ma vida desregrada me preocupa.
Devi-as arranjar um trabalho honesto. A ociosidade degrada e embrutece.
O filho responde: - Ora meu pai! O senhor não é bastante rico para que eu me mantenha até o fim da minha vida sem trabalhar?
- Sim.
Se souberes aplicar o que tens, viverás na abastança até o fim de ma vida.
Mas gastando desenfreadamente em orgias, com os teus falsos amigos, mesmo essa grande fortuna se esvairá. Um cântaro cheio de água, por maior que seja, quando dele só se tira sem reenchê-lo, esvazia-se.
Tome nota, continuou o velho pai, minha vida está no fim.
E, quando eu desaparecer, se assim continuares, ficarás na pobreza.
Nessa ocasião, seus falsos amigos fugirão de ti.
- Meu pai, não ofenda meus amigos.
Pobre ou rico sempre estarão comigo.
- Veremos! Veremos! Diz o
pai.
- Vou dar-te um conselho.
Quando todos os teus amigos fugirem de ti, por teres ficado pobre, enforca-te, meu filho. A morte é preferível à desonra. Não enlameies o meu nome honesto. Há no quarto ao lado, fixa no teto, uma argola.
Consiga uma corda para a firmares na argola e dê uma volta apertada em teu pescoço, soltando o teu peso à corda.
Tens força de vontade para saber morrer e, assim, farás a minha última vontade.
O velho não viveu muito tempo, e seu filho continuou com a vida desregrada e imprevidente.
Aos poucos, tudo começou a faltar e quando as dívidas vieram, aqueles amigos desapareceram. A situação ficou complicada pois não arranjou emprego e pouco a pouco faltaram os recursos para os seus menores gastos.
Solitário e desesperado, lem-brou-se das palavras de seu pai. — Vou me enforcar.
Arranjou uma corda e amarrou-a na argola de ferro, passando a outra ponta em seu pescoço.
Feito isto, e com coragem, levantou o seu pensamento ao pai, lançando-se ao espaço, soltando seu peso sob a corda.
Com surpresa, sentiu que a parte do forro caía com ele ao chão e uma chuva de pó e moedas de ouro em grande quantidade veio com o forro sobre a sua cabeça.
Atordoou-se com o que acontecera mas criou alma nova.
O previdente pai, sabendo da derrocada que o filho fatalmente teria com aquele tipo de vida, havia escondido, sobre o forro, para salvá-lo, grande parte da sua fortuna.
Com esses novos recursos, voltou a viver na sociedade, só que desta vez, modestamente e sem ostentação.
Os falsos amigos voltaram e ofereceram-lhe um farto jantar ao qual compareceu.
Após encher o prato, levantou-se e esfregou a casaca no prato dizendo: - Come casacal E em tua honra que se realiza este jantar.
Os presentes não são meus amigos. São amigos tão somente de ti.
Os fatos foram reais, porém nhô Jango nunca quis revelar com quem se passou.
Dizia: "O amigo só da opulência não é nosso amigo".

Luiz Romaguerra Netto, membro do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Paraná.


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