quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - A absolvição sumária

Histórias do Paraná - A absolvição sumária

A absolvição sumária
Marino Braga

Desta historinha de hoje eu não participei.
Vou procurar contar o mais fielmente possível, bem do jeito que me foi narrada por velho amigo que reencontrei nestes últimos dias. O caso aconteceu com uma das mais expressivas personalidades da vida pública paranaense, o folclórico Interventor Manoel Ribas.
Um amigo do meu amigo que me contou a história cometeu um crime de algumas gravidades, levado pelas circunstâncias do momento.
Era pessoa de certa posição, funcionário público, que tinha boas relações com gente influente e por isso achou que não lhe aconteceria nada, que tiraria de letra como se diz hoje em dia.
Entretanto, as coisas não correram assim.
Terminado o inquérito, veio a denúncia em juízo e o respectivo processo criminal.
Defendeu-se o réu com um bom advogado e continuou confiante em sua boa estrela.
Mas à medida em que o processo ia avançando, avançando também iam as preocupações do denunciado, que passou a temer a possibilidade de receber uma sentença condenatória.
Naquele tempo quem fosse condenado teria de se recolher à prisão para poder apelar.
Assustado, o candidato a futuro morador do presídio do Ahú, moveu céus e terras para escapar da constrangedora situação e passou a procurar os seus amigos influentes para que intercedessem a seu favor junto ao juiz, aos desembargadores do Tribunal.
Deu com os burros n’água.
Nenhum deles achou que podia ajudá-lo. Já estava ficando meio desesperado quando alguém o aconselhou a ir falar com o Interventor Manoel Ribas, o então já famoso Manéco Facão, que tudo podia.
Lá foi ele, carregando em baixo do braço o processo.
Recebido em audiência passou a contar a sua história e a pedir a ajuda do Interventor, que o ouvia meio amuado, como quem não estava gostando da conversa. Lá pelas tantas "seu" Ribas pediu-lhe o processo, que começou a folhear, olhando, às vezes, de soslaio, para o aflito interlocutor.
Era um daqueles dias gelados do impiedoso inverno de Curitiba e num dos cantos do gabinete crepitava uma aquecedora lareira.
A certa altura o Interventor Manoel Ribas levantou-se de sua cadeira, começou a andar pela sala e sempre folheando processo aproximou-se da lareira e jogou o calhamaço no fogo.
Olhou por alguns instantes o processo ser consumido pelas chamas, voltou-se para o assustado ex-réu e com ar mais sério deste mundo lhe disse:
- Você já está absolvido.
Pode ir embora.
A inesperada e sumária absolvição acabou produzindo os seus efeitos, tanto assim que o amigo do meu amigo que me contou a história veio a morrer bem mais tarde, antes ainda que terminasse a demorada restauração do incendiado processo.
Quem não conheceu Manoel Ribas, pode pensar que tudo isso não passa de mera brincadeira.
Mas quem viveu em seu tempo, quem se habilitou à sua marcante figura e às suas ousadas, imprevisíveis e excêntricas atitudes sabe muito bem que ele era capaz de fazer coisas como essa.

Marino Braga, desembargador aposentado


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