sábado, 22 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Estrangeirices

Histórias do Paraná - Estrangeirices

Estrangeirices
Orlando Strobel

Não era fácil a vida de imigrantes europeus que vinham tentar a vida no Brasil do século passado.
Que o diga meu antepassado Christian August Strobel.
Ele chegou em novembro de 1854, com a esposa grávida e três filhos pequenos. A viagem durou seis semanas, tendo havido 36 mortes a bordo do veleiro Florentin — seis mortes por semana quase uma por dia.
Ao chegar na Colônia Dona Francisca (Joinville), Christian ficou desolado com o que viu, razão pela qual resolveu subir ao planalto paranaense.
Fez a jornada de 14 dias a pé, via litoral, junto com seu amigo Weigang, tendo chegado em Curitiba em princípios de 1855.
Uma noite, na trilha do Itupava, no pé da serra, os dois viajantes chegaram a uma choupana de onde se ouvia um forte barulho.
Lembrava o malhar de cereais quando o mesmo era descascado.
Quando se aproximaram da moradia, constataram trata-se de uma dança chamada "fandango". O dono da casa recebeu-os com uma refeição e convidou-os para participar da dança.
Dança, aquilo? Os dois nunca tinham visto, até então, este modo de dançar.
Na realidade, pelos padrões europeus, aquilo não era uma dança e sim um bater com os pés no chão.
A música, uma moda monótona cantada por um ou dois tocadores de violão.
Nesta viagem tiveram também a primeira oportunidade de provar o chá brasileiro — a erva mate.
Um dia, um caboclo ofereceu-lhes chimarrão.
Como já estava anoitecendo e a claridade era pouca, o Weigang, não podendo distinguir o que havia dentro da cuia e julgando tratar-se de uma sopa, mexia com a bombilha no conteúdo e se servia.
Christian indagou o que era e ele respondeu, entre um engasgo e outro: "Eu não sei, mas esta ‘colher’ é que eu não sei manejar!" Logo o dono da casa voltou e por meio de gestos mostrou que, em vez de tomar, devia-se chupar pelo canudo a infusão.
Depois desta explicação, o mate agradou muito aos dois.
Após conseguir ocupação como carpinteiro em Curitiba, Christian mandou vir a família, que veio a pé e em lombo de burro, subindo por São Bento, numa viagem de muitos dias.
Próximo a Ambrósios, foram recebidos por uma família cabocla.
Ao partir, na manhã seguinte, a senhora trouxe um prato cheio de bolinhos de farinha de milho, dando a entender que eram um presente para as crianças.
Christinne apanhou com umas das mãos um bolinho, provou e apontando-o com a outra mão perguntou: "Mais? Mais?" E em alemão, a palavra milho escreve-se e fala-se "MAIS" (maisena). Naturalmente, a dona da casa trouxe outra porção.
Christinne aceitou e perguntou novamente: "Mais? Mais?" A dona da casa riu, e veio com uma terceira porção de bolos, a qual Christinne só aceitou depois de muita insistência.
As duas ficaram se olhando por algum tempo e em seguida despedi-ram-se.
Ambas devem ter percebido que teria havido algum mal entendido.
Mas qual?

Orlando Sírobel é engenheiro Civil, texto baseado em memórias de Gustav Hermann Strobel, avô do autor


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