Histórias do Paraná - O Cabo Roque
O Cabo Roque
Rui Pinto
Meu avô Antônio Cavallin veio da Itália menino e foi instalado com seus pais na Colônia das Pedras, nas cercanias da Lapa.
Jovem ainda se fez comerciante, até próspero, de parceria com o irmão Giovanni Battista, embora dividisse seu tempo com a construção civil, atividade que acabou por preferir e a exercer pelo resto da vida, deixando obras que até hoje são destaques da cidade como o Sanatório São Sebastião, o Hospital Hipólito de Araújo, o Santuário de S. Benedito, a restauração da Igreja Matriz, para só citar algumas.
Era, porém, homem sem maiores letras, embora tivesse o hábito de ler os jornais (até italianos), e mostrasse grande estima pelo estudo, cujos bons resultados escolares cobrava sempre de filhos e netos.
Aparentemente era um sisudão, guardando certa distância de todos nós, por temperamento ou timidez.
Porém, apesar desse ar de circunspecção, possuía uma permanente veia gaiata, que vinha à flor em suas poucas horas de folga, quando se comprazia em afinar (do léxico lapeano) netos e gente mais simples de suas relações.
Assim é que, quando nos recebia de férias e sabia que tínhamos ido mal na escola (como quase sempre) preparava então seu cachorro Rufíno com um caderno e um lápis pendurados no pescoço, e dizia, muito sério: - Este é o professor Rufino, que vai dar aulas para vocês todos nessas férias. E, daí em diante, sempre que nos via, repetia a afinação:
- Então, vocês já foram hoje à aula do professor Rufino?...
Outra de suas manias era o tal do cabo Roque.
Era topar com qualquer garoto pela primeira vez e vinha a indefectível pergunta:
- Menino, você sabe quem foi o cabo Roque?
Claro que o menino não sabia, nem nós, e isso era bastante para ele deplorar o atraso do ensino e o desinteresse dos jovens pela História de nossa Pátria.
Mas, sua admiração pelo cabo Roque era realmente sincera, pois, quando meu avô fez a ampliação da sua casa na Rua Cel.
Dulcídio, da Lapa, fez esculpir em relevo, no alto da parede nova, a frase de homenagem: Escritório Cabo Roque.
Ora, o tal cabo Roque ganhou notoriedade na campanha de Canudos.
Era ordenança do Cel.
Moreira César, comandante da terceira expedição enviada contra o arraial de fanáticos de Antônio Conselheiro, na Bahia. A força acabou sofrendo severo revés e se pôs em fuga desordenada pelos caminhos do sertão, largando armas, mochilas e até o corpo morto do comandante.
Na versão popular, porém, o cabo Roque se recusou a abandonar o cadáver do chefe, ficando sozinho a seu lado e resistindo à sanha dos sertanejos enfurecidos, até cair morto, varado de balas.
Tomou-se, então, herói nacional.
Foi nosso Cambronne.
Ganhou discursos, nome de rua, poesia, e até subscrição pública para a ereção de um monumento em sua homenagem.
Pois essa versão que tocou a sensibilidade do meu avô italiano, cujo espírito de resistência já fora temperado no cerco da Lapa, quando, quase menino, foi incorporado aos "patriotas" do "coronel" Lacerda e participou da resistência ao assédio dos maragatos de Gumercindo Saraiva.
A lenda do cabo Roque logo se desfez, quando, vivinho da Silva e em plena saúde, arribou em Queimadas, muito distante de Canudos.
Talvez meu avô nem ficou sabendo disso, ou, se soube, nem assim esmoreceu sua admiração pelo seu herói.
Enfim, da memória do cabo Roque, o que realmente ficou foi a homenagem singela de meu avô pedreiro, que a Lapa ostenta até hoje, esculpida no cimento.
Rui Pinto, Procurador de Justiça
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