quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Histórias do Paraná - Um menino curitibano

Histórias do Paraná - Um menino curitibano

Um menino curitibano
David Carneiro

Era uma vez... bem, era uma vez um menino gorduchinho, mo-reninho, alegre, uma alegria contagiante, nascido em Curitiba.
Um de seus traços marcantes eram suas gargalhadas.
Eram descontraídas, inocentes, contagiantes.
Por isso o tornaram conhecido: era o menino das gargalhadas.
Como quem sai aos seus não degenera, dizia-se, entre parentes e amigos, muito numerosos, que esse traço herdara, ou "puxara", como se dizia, de seu pai.
Mas suas gargalhadas não eram iguais.
As deste eram volumosas, graves e adultas: tinham algo de insolente, que não havia nas gargalhadas do menino, seu filho.
Um dos embaraços em que se envolv e, por vezes geravam com quem estivessem conversando ou durante cena cômica de cinema, re-sultava de gargalharem juntos.
Combinavam-se as distinções dos dois tipos e isso podia gerar gargalhada só, tonitroante, contagiante, endêmica, coletiva, quase unânime.
Algumas vezes esse estado de alegria, de gozo coletivo, era provocado por piada contada pelo primo querido do menino, o Fausto, sobrinho da mãe.
Os descaminhos da vida acabaram por torná-los dois homens sérios, cumpridores das obrigações sociais que nos são exigidas.
Seu pai que, deve-se lembrar, também era curitibano, escreveu livros, foi intelectual conhecido, chamava-se David Carneiro (meu pai também). Ele era tão exageradamente curitibano, que escolheu justamente o dia da cidade, 29 de março, para nascer. O menino de que dou testemunho e agora identifico como meu irmão, não conseguiu acertar com mamãe data tão significativa para o Paraná quanto nosso pai conseguira com a sua.
Nasceu num dia 13 — a fatalidade! — do mês de julho.
Ao longo de sua vida manifestou preferências estéticas que pôde desenvolver e foi adquirindo, em suas viagens, muitos objetos de valor comercial variado, porém de significação artística.
Ao se saber irremediavelmente condenado, com frio destemor, há três anos distribuiu de próprio punho tudo que encontrara durante as viagens, fora comprando ou acumulara, a seus amigos mais chegados.
Mas de forma muito peculiar, muito sua, sobretudo muito humildemente curitibana - seu pai definira em livro a psicologia do paranaense e do curitibano como sendo assim — separou alguns grupos desses objetos para destinar a instituições públicas, principalmente museus.
Foram elas: Casa João Turim (busto de Dante esculpido pelo próprio artista), Centro Positivista do Paraná ao qual fora ligado desde a adolescência, aos Museus de Arte, de Arte Sacra, do Automóvel, Escola de Música e Belas Artes do Paraná e Museu Paranaense.
Associou a seu legado uma condição, melhor dito, uma solicitação: de que cada um dos museus aquinhoados organize uma exposição pública das peças.
Esse menino alegre, risonho, gargalhante, que conheci bem, foi meu companheiro de mais de meio século, faleceu na madrugada de domingo 27 de fevereiro de 1994. Chamava-se Fernando Augusto; conseguiu realizar em vida todos os seus projetos.
Aplico-lhe a definição de Confúcio de vida bem vivida: "ao nascer todos riam, só ele chorava; ao morrer todos choravam, só ele ria." Como curitibano que era, e ferrenho, viveu e morreu; seus restos jazem junto aos de seu pai, gargalhando ambos silenciosamente no Cemitério Municipal de Curitiba... Eu choro de saudades dos dois...

David Carneiro, professor universitário


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