Histórias do Paraná - Matéria de memória
Matéria de memória
Francisco Camargo
Ficava no Edifício Asa, na rua Voluntários da Pátria, espaço mínimo, quase uma lojinha.
Tinha saída para a galeria, mas era na parte da frente que se concentrava a maior incidência de QI, talento, ousadia e mau-caratismo por metro quadrado que a imprensa paranaense já registrou em sua história.
Ali funcionava a "Última Hora", o jornal do Samuel Wainer, o jornal dos comunas, como diziam alguns. O jornal melancia, como preferiam outros: verde por fora, vermelhinho por dentro.
A "Ultima Hora" marcou época na imprensa brasileira e a edição do Paraná, a UH/Paraná, não poderia ficar fora dessa revolução gráfica, editorial e administrativa.
Tudo compacto, como o próprio jornal, que fazia de suas colunas assinadas (Ceüna Luz, Silvio Back, Adherbal Fortes e muitos outros) o forte da informação, recheada por reportagens que, não raro, rompiam as barreiras do tolerável em matéria de ética na provinciana Curitiba do início dos anos 60. Quando não desabrochava no sensacionalismo mesmo, no irresponsável, nos exageros ditados pela ânsia que impunha "vender jornal" como palavra de ordem.
Na parte inferior da loja, ficavam a administração, o departamento comercial e, mais que apertado, o laboratório fotográfico.
Subindo a escadinha, o serpentário.
Ou covil, como iria preferir a extrema direita.
Um time de jornalistas de fazer inveja, até hoje, a qualquer jornal brasileiro.
Citar os talentos, aqui, traz o risco de se cometer injustiças.
Contam que dinheiro não era problema.
Getulismo, janguismo, Banco do Brasil por trás.
Altos salários, também não.
Contratavam-se quem a UH desejasse.
O mais fantástico era a confecção do jornal.
Pela manhã e à tarde, seguiam as matérias e fotos para a matriz, a Companhia Paulista Editora de Jornais, em São Paulo, onde o material era diagramado, composto e impresso. À noite, o plantão fechava a edição com as notícias de, como fugir disso, última hora.
Um drama.
Via telefonista, a ligação de Curitiba para São Paulo poderia levar horas e horas, o que, até hoje, em jornal, significa uma eternidade e sofrimento.
O jornal vinha pronto de São Paulo.
De madrugada. Não era só Curitiba.
Tinha Londrina, Ponta Grossa e outras praças fortes, como
Paranaguá, onde, com greve no porto, o reparte atingia dez, doze mil exemplares.
Uma marca em matéria de tiragem (até hoje, em determinados casos).
A UH, com seus traços azuis
- fio ponto 8, ponto 12 - marcou época, de fato.
Se perpetrou desatinos e cometeu injustiças, arrasando vidas e profissões, não dá para negar que fez escola.
Lembrá-la em seus detalhes, entranhas, facetas e episódios históricos fica difícil e cabe a quem trabalhou lá e construiu sua trajetória.
Para nós, simples espectadores de uma parte da história recente da imprensa, resta apenas tentar um registro/homenagem. E deixar a sugestão aos mais novos na profissão: que tal dar um chego na Seção Documentação Paranaense da Biblioteca Pública do Paraná e, como o paleontólogo do Spielberg, via DNA, resgatar o passado?
Mesmo que se revele um monstro, vale a pena, posto que encerra lições de um elo massacrado mas nunca perdido.
Francisco Camargo é jornalista.
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