Histórias do Paraná - Os galafares
Os galafares
Rodrigo Pereira Gomes
Não existia nenhuma instituição bancária no Paraná de meados do século XVIII, quando ainda não passávamos de um território de mínima importância para a sede da Província, São Paulo. E se não havia bancos, nem carros fortes, quem levasse daqui qualquer mercadoria para vender em São Paulo ou onde fosse, na volta invariavelmente só teria um lugar para guardar o dinheiro — o próprio bolso.
Elementar, meu caro Watson.
Com cabeça suficiente para deduções elementares como essa, mais uma boa dose de coragem, algumas armas e montarias, grupos de bandoleiros fizeram a festa, na primeira metade daquele século, assaltando tropeiros que retornavam de Sorocaba pelo lendário Caminho do Viamão, trazendo as guaiacas abarrotadas de reluzentes moedas de ouro.
Esses assaltantes de estrada eram chamados de "Galafares". Segundo o historiador David Carneiro nos revela em uma de suas inúmeras obras, costumavam aguardar suas vítimas escondidas num capão perto de sede do Sítio do Rodeio de Antônio Tigre, que vem a ser atualmente a simpática Campo Largo.
Identificar os endinheirados era fácil.
Havia, em primeiro lugar, os tropeiros de volta de Sorocaba. E nem era preciso marcar as feições dos tropeiros na ida ou calcular o valor dos animais levados à venda. O governo se encarrega de facilitar as coisas.
Acontece, que, antes de passar pelo Rodeio de Antônio Tigre, os tropeiros tinham de fazer uma parada no Caiacanga para uma espécie de assalto oficial, o pagamento dos impostos.
Pelo tanto pago em impostos, os galafares facilmente deduziam a soma total que os tropeiros portavam.
Novamente elementar, meu caro Watson. O historiador David Carneiro só não nos revela como os galafares obtinham a importante informação de quanto os tropeiros deixavam em impostos no Caiacanga.
Mas a gente até desconfia...
Os galafares deram trabalho durante anos a tropeiros, arrecadadores de ouro e autoridades. Só foram exterminados - isso mesmo, exterminados - em 1971, pelos senhores Brás Velozo e Domingos Padilha, ambos sobrinhos e sucessores de Antônio Tigre, o tal que dava nome ao Rodeio que deu lugar, anos depois, à cidade de Campo Largo.
Batizado como Antônio Luiz Lamin, natural de Parnaíba, Antônio Tigre era, segundo o historiador, ‘senhor’ de todas as terras existentes desde o meio do segundo planalto até bem perto de Curitiba.
Na sede da comarca, chegou a juiz ordinário, vereador, procurador do "Conselho dos Homens Bons" e capitão de ordenanças, até sua morte em 1738. Parece que não se importava muito com a ação dos galafares em suas terras.
Já os sobrinhos de Antônio Tigre moveram uma verdadeira guerra contra os salteadores.
Talvez porque um deles, o Brás Velozo, além de herdar o Rodeio e ser nomeado tenente coronel do regimento de ordenadas da milícia de Curitiba, também foi nomeado provedor do Registro do gado que, pelo Viamão, vinha dos campos do sul e se dirigia a Sorocaba.
Daí que já estavam pisando no calo dele...
Quase dois séculos e meio depois, modernos galafares atacam com incrível freqüência os ônibus de turistas que se dirigem a Foz do Iguaçu pela BR-277 (curioso, para tomar a rodovia, saindo de Curitiba, passa-se pelo Rodeio do Antônio Tigre, digo Campo Largo). Como os galafares de antanho, os assaltantes de hoje sabem que os turistas levam dinheiro, e bastante - afinal, são atraídos menos pelas cataratas e mais pelas compras no Paraguai.
Mas polícia nenhuma parece capaz de acabar com os modernos galafares, que não só roubam como, às vezes, também matam. E a comparação resulta inevitável: o que falta, hoje, é um Brás Velozo.
Rodrigo Pereira Gomes, funcionário público aposentado
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