quinta-feira, 23 de junho de 2016

Histórias do Paraná - Um homem digno

Histórias do Paraná - Um homem digno

Um homem digno
Valêncio Xavier

O pontagrossense Manuel Herrington Wambier.
Wambier, como todo mundo chamava, morreu em 2 de agosto no Rio de Janeiro.
Nos anos sessenta, morou em Curitiba, foi locutor da Guairacá, Tingüí, Tarobá e apresentador do telejornal da TV Paraná.
Não é pouca coisa para alguém que era gago e por força de vontade e muito exercício se curou. O Wambier teve de sair daqui por causa de um ato digno que fez, mas isso eu só vou contar no fim.
Foi para o Rio e lá fez a brilhante carreira que não conseguiu fazer aqui por causa de seu ato digno.
No Rio, começou como locutor da Rádio Globo e chegou a redator-chefe do badalado radiojornal "O Seu Redator Chefe". Nos anos setenta foi para a Alemanha, trabalhar na Rádio Alemã. Ficou por lá sete anos fazendo programas de rádio para o Brasil e Portugal, tradução, locução e dublagem de filmes para a Transtel.
Ainda nos anos setenta, volta a o Rio.
Continua trabalhando para rádio alemã fazendo programas, agora em alemão e documentários para a Transtel.
Monta estúdio de gravação de som e vídeo e realiza documentários.
Começa a lecionar rádio-jornalismo na PUC-RJ, onde também produz programas.
Ficou na PUC até sua morte.
Mas, voltemos ao Paraná. 1953, Wambier apresentador do telejornal da TV Paraná, dos Diários Associados que mantinham também o jornal Diário do Paraná. Acontece a primeira greve de jornalistas e gráficos em Curitiba por melhores salários. A adesão é total, todos os jornais parados, inclusive Abdo Aref Khoury e Ali Bark, diretores do Diário Popular, abrem seu jornal para os jornalistas rodarem o "Jornal da Greve", editado por Samuel Guimarães da Costa. Já o Diário do Paraná, do ultradireitista Adherbal Stresser, quer derrubar a greve vitoriosa e é lá que se concentram os piquetes.
Adherbal Stresser chama a polícia e vem um caminhão do Corpo de Bombeiros, com ordens do Chefe de Polícia, ítalo Conti, de atropelar os grevistas.
Os jornalistas Adherbal Fortes Jr., Luiz Geraldo Mazza e Walmor Marcelino deitam-se na frente do caminhão.
Surpreendentemente, Miguel Zacarias, delegado do DOPS, encosta seu revólver na cabeça do soldado motorista e grita: "Se avançar eu te mato!"
Adherbal Stresser não se dá por vencido.
Com seu filho Ronald e alguns fura-greves rodam uma edição reduzida do Diário do Paraná, mas os piquetes estão firmes e não conseguem distribui-la, nem os jornaleiros aceitam.
Wambier chega para apresentar o Diário do Paraná na TV, na TV Paraná, da mesma organização, no prédio ao lado. A televisão era ao vivo naquele tempo. O jornal entra no ar, a primeira notícia é sobre a greve, versão Adherbal Stresser.
Wambier pensa a notícia, olha firme para a câmera e diz com sua bela voz:
- Esta notícia é uma mentira e eu me recuso a ler.
Perdeu o emprego na hora, o resto vocês sabem.
Quando eu soube da morte do Wambier, começaram a me vir lágrimas aos olhos, mas me lembrei de tudo isso e parei: a gente não chora por um homem digno, a gente sorri para a vida.

Valêncio Xavier, escritor e historiador


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