quarta-feira, 15 de junho de 2016

Histórias do Paraná - Na Pensão da Dona Odete

Histórias do Paraná - Na Pensão da Dona Odete

Na Pensão da Dona Odete
Roberto José da Silva

O tapa na boca explodiu inesperadamente.
Antes, o olhar espantado daquela freira de pele branca da Sagrada Família.
Em sua inocência dos 8 anos, Roseli não entendeu a reação que virou comentário do dia pelos corredores do Internato Meninojesus. Só tinha repetido ali uma das palavras usadas pela loira Carla, sua amiga dos finais de tarde.
Não contou o ocorrido quando voltou para o quartinho de pensão depois da aula.
Carla também não soube.
Morava no casarão ao lado, da Rua 13 de Maio, outra pensão da mesma dona Odete.
Ela e mais uma dúzia de moças que saíam para trabalhar no início da noite.
Dona Odete tinha recomendado à menina que não freqüentasse a pensão vizinha.
Mulher de boate.
Na cabeça da criança aquilo não tinha o menor significado.
Seria algo relacionado ao mar, bote, barco, talvez... Não poderia ser coisa ruim.
A Carla era tão boazinha. E linda.
Tinha televisão no quarto bem arrumado e a deixava assistir tudo enquanto sua mãe, na casa ao lado, ficava deitada na cama, fumando, olhar fixo no teto, até perto da meia-noite, desligada do mundo.
Ah! Como era bom acompanhar o seriado Nacional Kid. E a Carla parecia atriz de cinema.
Trocava de roupa com naturalidade na frente da menininha que ficava extasiada com sua beleza.
Quando a noite chegava, aquela moça de 23 anos, olhos castanhos, começava a se arrumar para o trabalho.
Vendo aquele corpo nu bem feito, Roseli se perguntava por que as freiras do internato só deixavam o rosto e as mãos expostas.
Ganhava uns trocados, lanches e ouvia histórias da amiga.
Um dia, depois de uma briga entre algumas moradoras daquela pensão, Carla lhe contou que, na noite anterior, um bonitão de cabelos negros sedosos tinha estraçalhado corações ao entrar no "Quatro Bicos". Enquanto suas companheiras quase se engalfinhavam para chamar a atenção do boa-pinta, ela ó, nem te ligo. O galã de subúrbio, finalizou uma Carla cheia de orgulho, ficou louco por ela e, para chamar sua atenção, lançava petardos de pipocas em sua direção.
Anos mais tarde Roseli descobriu que tinha dito um palavrão na frente da freira.
Seria pecado? — questionava-se enquanto recordava a facilidade e doçura com que ele saía da boca da Carla.
Roseli cresceu, casou, teve dois filhos e, hoje, aos 32 anos, volta e meia lhe vêm à lembrança alguns momentos passados naquela pensão da Dona Odete.
Onde andará Carla, a amiga que usava roupas lindas e pintava com maestria e rapidez as unhas da mão com esmalte vermelho cintilante?
Era um doce de pessoa e vivia feliz, sorriso sempre estampado no rosto.
Um dia conseguiu levar para a pensão um amigo que era um astro.
Negro alto e forte, goleiro e ídolo do Coritiba nos anos 60. Foi apresentado a Roseli naquela tarde ensolarada de domingo.
Plouve festa regada a cerveja. A menina ganhou uma gasosa de framboesa.
Tudo aquilo era belo, como o corpo nu e inocente de Carla.
As freiras? Para Roseli continuam um mistério.

Roberto José da Silva, jornalista


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