segunda-feira, 27 de junho de 2016

Histórias do Paraná - Meu menino

Histórias do Paraná - Meu menino

Meu menino
Pedro Ramblas Filho

O ônibus, como sempre naquele horário, comecinho da noite, estava abarrotado de gente.
Operários, comerciárias, um que outro sujeito de terno desalinhado e pasta 007, estudantes... todos mudos, o cansaço estampado nos rostos.
De repente, uma ordem gritada lá na frente, por alguém ao lado do motorista acordou os sonolentos e sobressaltou os acordados.
- Encosta que é um assalto! E fica todo mundo quieto, quero ver todo mundo manso!
O cano do revólver, a dois palmos da cabeça do motorista, tremia um pouco.
No meio do ônibus, uma senhora ensaiou gritar.
Foi calada por novas ordens nervosas:
- Quieta aí!
- Todo mundo calado!
O do revólver tinha dois comparsas, um na porta da frente e outro perto da porta do meio. O motorista encostou devagar no meio da quadra, na frente de dois terrenos baldios, perguntou ao do revólver se ali estava bom. O assaltante respondeu que sim e, sem desviar o revólver da cabeça do motorista, explicou como ia ser: com calma, um por vez em cada porta, os passageiros iam deixar o ônibus; na saída iam deixar bolsas, carteiras, anéis e relógios com "os companheiro"; que não se preocupassem, os documentos todos iam ficar no ônibus; que ninguém chamasse a polícia logo, senão o motorista "dançava"; que ninguém reagisse dentro do ônibus, senão também "dançava". O cobrador, nessas alturas já tinha sido limpado.
Devagar, como ordenado, os passageiros começaram a descer, deixando antes com os assaltantes tudo que fora pedido, mais as bijuterias, por via das dúvidas.
Uma senhora gorda que chorava baixinho, desesperada que a aliança não saía do dedo, foi empurrada por um dos assaltantes:
- Vamos logo, dona, pode ficar com a aliança.
Por pouco, a gorda não se esborracha no chão.
Já tinha saído quase metade dos passageiros quando o do revólver encarou uma senhora de seus trinta e poucos anos, na fila para deixar a bolsa na porta da frente. Não foi bem uma encarada, mais um olhar de curiosidade. O assaltante insistiu alguns segundos sem tirar os olhos, a senhora era só medo.
O assaltante continuou, mas seu rosto foi se descontraindo, ensaiou um sorriso, os olhos brilharam, e então exclamou:
- Tia Carmenü
A jovem senhora, apavorada, não conseguiu pronunciar palavra. O assaltante repetiu a exclamação:
- Tia Carmenü Não lembra de mim? O Luiz, Luizinho, seu aluno lá da Graciliano, lembra?
A senhora olhou com curiosidade o assaltante, aos poucos seu rosto se descontraindo, tomando cor, os olhos ganhando brilho.
- Luizinho?! E você mesmo, Luizinho! Mas como você cresceu, meu menino!!
Nessas alturas, parara toda movimentação dentro do ônibus,
passageiros e demais assaltantes, ainda sem entender bem a situação, pareciam avaliar o crescimento do "Luizinho". Ele tinha coisa de 1,80 metro de altura, ombros largos, cabelos pretos, aparentava entre vinte e vinte e cinco anos.
Pela primeira vez baixou o revólver, passou-o para a mão esquerda, a direita estendeu num respeitoso cumprimento. A professora perguntou de sua vida, fingiu espanto, ao sabê-lo casado e já com dois filhos.
Voltou-se então para os demais passageiros, agora já sorrindo, e fez a apresentação, com orgulho:
- O Luizinho.
Meu menino mais inteligente e bonito, minha primeira turma de alfabetização, primeiro ano de professora, na Escola Graciliano Ramos, lá na Fazendinha... já passou tanto tempo, né meu menino?...

Pedro Ramblas Filho, acadêmico de Direito


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