segunda-feira, 23 de maio de 2016

Histórias do Paraná - A batalha de Jaguapitã

Histórias do Paraná - A batalha de Jaguapitã

A batalha de Jaguapitã
Norma Thais Villela

Nada como uma boa campanha eleitoral para tirar do sério as pacatas cidades do interior do Paraná, algumas décadas atrás.
As diferenças políticas — ou, quem sabe, as pequenas animosidades guardadas em silêncio durante anos - dividiam as comunidades onde todos se conheciam, desfaziam antigos compadrios, rompiam noivados, armavam tocaias e quebradeiras, provocavam juras de morte, vez por outra alguém de fato tombava morto a tiro ou faca.
Era assim em 1948 na pequena Jaguapitã, norte do Paraná. A cidade fervia com as eleições, transformada em verdadeiro campo de batalha, pela UDN e o PSD. No comando político do PSD, o "coronel" Sebastião Faustino, Miguel Camargo liderava a UDN.
O PSD fizera barba e cabelo nesse ano.
Além de eleger Moysés Lupion para o governo do Estado, o partido também conquistara a prefeitura municipal de Jaguapitã. Os udenistas não se conformavam, e do desconforto à trama foi um passo: avisaram a todos que o prefeito eleito, Alfredo Batissioto, simplesmente não tomaria posse.
Os pessedistas, por sua vez, ouviam calados as provocações, e prometiam dar o troco à altura.
Era esse o clima da cidade.
Convém lembrar que a campanha já fora razoavelmente quente, com o assassinato, inclusive, do amigo Peixoto, em plena quermesse paroquial.
Outros dois, jurados de morte, tiveram que sumir.
Nossa casa, uma pequena chácara na beira da estrada, ficava a dois quilômetros do centro de Jaguapitã. Certa tarde, o ônibus da Viação Carrera, deixa na frente de casa a amiga Ofélia, com duas crianças pequenas.
Pede ajuda para levá-las até a fazenda de seu pai.
Arreios no cavalo, eu e o bebê na frente, Ofélia e a outra criança na garupa.
Na cidade, uma movimentação incomum, gente indo embora ou se refugiando no Grupo Escolar, única construção de alvenaria em Jaguapitã.
Fomos de cavalo até a entrada da fazenda.
Ao passar a porteira, a caminho da sede, notamos que estava tudo quieto.
Quieto demais.
Na casa nenhum movimento, nenhuma janela ou porta aberta. "Ofélia - disse eu -, vamos voltar. Não tem ninguém em casa". Nisso, o pai de Ofélia pessedista ferrenho, sai para o pátio, armado, para ajudar a filha e os netos a descer do cavalo. E avisou:
- "Essa noite, vamos acabar de vez com a oposição e pôr fim nessas ameaças de que o prefeito eleito não vai assumir.
Vamos tocar fogo nas casas dos udenistas todos. E a queimaria está marcada para começar justo pela casa do teu pai (éramos todos udenistas lá em casa), mas eu vou ver se consigo segurar o pessoal. Não garanto nada, mas vou tentar..."
Ele não estava brincando.
Era essa a razão da movimentação na cidade. O confronto definitivo entre as duas facções políticas rivais ia ser naquela noite.
Enquanto conversávamos, dos currais saíam caboclos que estavam de tocaia, todos armados até os dentes...
Em casa, avisei meu pai e, pelo sim pelo não, também ele se preparou para nos proteger. Não foi fácü suportar as primeiras horas daquela noite.
Como colonos americanos rumo ao Oeste, aguardando um ataque de índios, assim nos sentíamos.
Mas na boca-da-noite, quando maior era a tensão, eis que surge a salvadora cavalaria: de casa vimos passar pela estrada os caminhões com soldados do Exército a caminho da cidade.
Nossa casa estava salva. A não tão pacata Jaguapitã estava a salvo — para alívio dos dois lados.
O prefeito eleito tomou posse. E a oposição continuou existindo.

Norma Thais Villela, dona de casa


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