sexta-feira, 6 de maio de 2016

Histórias do Paraná - Dezesseis batizados

Histórias do Paraná - Dezesseis batizados

Dezesseis batizados
Flora Munhoz da Rocha

Esta é a história atrevida de um astuto vigarista de audácia sem precedentes.
O homem teve a petulância de batizar o filho dezesseis vezes.
Verdade. Não há exagero — dezesseis vezes.
Toda vez que acabava o dinheiro em casa, ele não punha dúvida, saía atrás de um padrinho de posses e já marcava em nova igreja um novo batizado.
Logrou engenheiros, advogados, gente que não tinha nada de boba.
Madrinha não tinha, era sempre Nossa Senhora.
Ele sabia que mulher esmiúça as coisas e acabaria descobrindo.
Sabemos que é costume entre a classe mais humilde, os padrinhos vestirem o afilhado no dia do batizado.
Mas padrinho, quanto mais importante, menos tempo tem para se preocupar com enxovalzinho, então iam dando dinheiro, que era o que o pai do menino queria.
Embolsando o dinheiro recomeçava a trajetória do batizado seguinte. Já nem embaraço sentia mais.
Entretanto, o raciocínio dele não abrangeu todas as hipóteses. Só na Caixa Econômica ele tinha três compadres e, conversa vai, conversa vem, os padrinhos do menino se certificaram do logro — meu marido, Jofre Cabral e, se não me engano, o terceiro era o Orlando Loyola.
Jofre foi o que mais se sentiu ludibriado.
Ele, com seu entusiasmo peculiar, não sabia fazer nada pela metade e, além do dinheiro para o camisolão branco, pendurou no pescoço do menino cordão de ouro com medalha de São Judas Tadeu, abriu caderneta de poupança e no dia até conduziu-os no seu belo carro à Igreja Santa Felicidade, por causa da promessa que o malandro garantiu ter feito por ocasião do nascimento do garoto.
Sua vigarice merecia sério corretivo, e quando o acusaram de haver cometido um sacrilégio, pendendo os braços para o lado ficou com uma cara de choro totalmente ridícula, se justificando: "Não vejo gravidade nisso, quanto mais batizado meu filho for, melhor para ele, fica mais filho de Deus".
Recordo de que quando ouvi essa história, lembrei de outra muito parecida de quando na nossa casa éramos crianças e um dos meus irmãos, que tinha o apelido de Pedro Malazarte, fizera a primeira comunhão quatro vezes.
Ele era levado da breca e vivia sendo convidado a se retirar dos colégios de padre e a cada vez que trocava de internato, afirmava nunca ter feito a primeira comunhão por causa dos doces, da vela na mão, do dia de folga.
Acho que foi por isso que escutei sem espanto a história dos dezesseis batizados.

Flora Munhoz da Rocha, ex-primeira dama do Estado, é cronista.


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