domingo, 22 de maio de 2016

Histórias do Paraná - A espada invicta

Histórias do Paraná - A espada invicta

A espada invicta
Túlio Vargas

A Revolução Federalista ou Guerra de Picapaus e Maragatos, como ficaria conhecida, foi das mais trágicas da história sul americana. Há cem anos que irrompeu no Rio Grande do Sul, alastrando-se pelos Estados de Santa Catarina e Paraná. Inicialmente visava desalojar do governo gaúcho Júlio de Castilhos.
Vi-rou-se, depois, contra Floriano Peixoto, encastelado como ditador por violação constitucional, segundo a oposição da época.
As tropas federalistas, que ameaçaram os alicerces da República, eram comandadas por Gumercindo Saraiva, guerreiro invulgar, nascido no Brasil, criado no Uruguai, capaz de façanhas comparáveis às de Napoleão cruzando os Alpes, de San Martin vencendo os Andes, de Bolívar, Aníbal ou Alexandre.
Com um exército despreparado, de voluntários improvisados, mistura de altivez, des temor, picardia e espírito de aventura, inspirava-lhes "pelear" a qualquer preço.
Eram os maragatos.
Na esteira dos combates contra os florianistas cometeram-se, de parte a parte, as maiores atrocidades. Não parecia uma guerra civil convencional. O suplício da degola tornou-se regra.
Aos excessos dos federalistas respondiam com os mesmos métodos os legalistas.
Olho por olho, dente por dente.
Essa prática primitiva atemorizou as populações indefesas e recaíram sobre Gumercindo, comandante-em-chefe das tropas invasoras, os ódios republicanos. E como a história é escrita pelos vencedores, ficou-lhe a fama de bandido...
Todavia, não foi bem assim.
Depoimentos de inimigos seus, contemporâneos de tragédia, absolvem-no desses pecados.
Basta ler "Dias Fratricidas", de Bernardino Bormann; "A Consolidação da República", de J.B. Magalhães; "A Revolução de 1893 - Memórias", de José Cândido da Silva Muricy; "Dicionário/ Histórico e Geográfico Paranaense", de Ermelino Agostinho de Leão, e outros, para restabelecer-se a verdadeira imagem do célebre caudilho.
Bernardino Bormann, general, que enfrentou a coluna federaHsta de Juca Tigre na região de Palmas, escreveu: "Não há dúvida que Gumercindo portava-se bem com os prisioneiros.
Muitos de seus homens não o imitaram."
Quando da ocupação de Curitiba, em 1894, era ele que refreava os ímpetos belicosos de seus comandados.
Ainda assim, houve abusos.
Saqueado o Museu Paranaense, seu diretor Ermelino de
Leão reclamou de Gumercindo o desfalque de mais de duzentas moedas de ouro e prata, comendas e outros objetos de valor histórico.
- É a segunda vez que o Museu é saqueado, general. Já o foi no ano passado, sem que se pudesse descobrir o autor, e agora volta a ser roubado por soldados de Vossa Excelência.
- E que providência me aconselha? — retrucou Gumercindo no seu idioma hispano-luso.
- As moedas, de fato general, não será fácil, mas as comendas, talvez...
- Doutor, esse assunto é doloroso para mim.
Diga-me, para compensar, não estaria mal a minha espada?
- Mas general...
- Pois fique lá com ela e desculpe o seu pouco valor!...
Contrariando a versão histórica, "era um tipo humano e social sem paralelos, êmulo de Canabarro na capacidade militar, bizarro de atitudes como Antônio Neto, isto é, bravo à temeridade, generoso na vitória e equilibrado na adversidade".
Ele morreu em Carovi, Rio Grande do Sul, ao retirar sua coluna em busca de exílio.
Os legalistas desenterraram-lhe o cadáver, cortaram-lhe a cabeça, levando-a como troféu ajúlio de Castilhos.
Este, horrorizado, negou-se a receber o prêmio macabro.

Túlio Vargas, ex-deputado, membro da Academia Paranaense de Letras


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