sábado, 21 de maio de 2016

Histórias do Paraná - O engenho de meu pai

Histórias do Paraná - O engenho de meu pai

O engenho de meu pai
Lourdes Lacerda Suplicy

Manhã de sol.
Veranico do mês de maio, 1940. Com meu pai, visitei a barricaria do Engenho Santo Antônio.
Dentro da rotina agradável e tranqüila em que transcorria a nossa vida, poderia eu imaginar que, no mês de outubro daquele mesmo ano, ele descansaria no túmulo da família? A mocinha que chorou a sua morte só muito tempo depois veio a se interessar pela história daquele engenho de erva mate, durante décadas um dos esteios da economia da cidade da Lapa.
A história teria começado em 1879, data de sua fundação.
Em 1884, conforme notícia o jornal "Dezenove de Dezembro", a firma Loyola e Rebello ali inaugurou máquinas de "systema locomovei", promovendo uma festiva reunião.
Durante a Revolução de 1894, destacam os historiadores, o Engenho era um marco na cidade.
Na verdade, meu pai, José Lacerda, estabeleceu-se na Lapa em 1898 como "comerciante de erva-mate e de gêneros do país". Negociava numa casa do Largo da Matriz.
Fm 1921, ele e Fido Fontana compraram de Manoel Rodrigues Pereira Pinto, o Engenho Santo Antônio.
Esta sociedade logo se desfez, meu pai ampliou sua indústria de beneficiamento do mate, que era exportado para o Uruguai em grande escala e também para a Argentina e Chile.
O edifício principal, onde es-tavam as máquinas, era de linhas simples, fachada baixa, janelas de guilhotina, telhado de goivas.
Neste local os carroções despejavam a erva-mate bruta que se transformava na agradável e cheirosa erva-mate, que viajava acondicionada nas famosas barricas. O trabalho artesanal das barricarias revelava verdadeiros artistas que trabalhavam por tarefa.
Com raspilha e cepilhadeira, confeccionavam aduelas de pinho de três cores: preto, branco e vermelho.
Os rótulos, também trabalhos artísticos de litógrafos, traziam os nomes das diversas marcas: La Oriental, Hércules, Lisinger, Lacerda, Olívia, Lolita, Mena, Gran Diogo, Maria Adela, Fábio, Luciano.
Apesar de contar somente com uma safra anual, o Engenho trouxe trabalho estável para os habitantes da Lapa.
Quando a erva bruta chegava, as máquinas eram acionadas e o apito agudo soava como um código convocando aqueles que se dispusessem ao trabalho.
Meu pai sempre se preocupou em proteger seus empregados, sobretudo os velhos barriqueiros e, a partir de 1937, pôs em execução as novas leis da
Previdência Social.
Entre as décadas de 20 e 40,
o Engenho Santo Antônio foi o único do município.
Após a morte de meu pai, o estabelecimento passou para seus filhos, mudando a razão social para José Lacerda & Cia Ltda e, na década de 50, para enfrentar uma crise de mercado, uniu-se aos Moinhos Unidos Brasil Mate S/A.
Todas as manhãs, às sete horas, o apito do Engenho soava numa alvorada festiva.
Apitava ainda às onze horas, ao meio dia e às três horas.
Finalmente, às seis horas anunciava o fim da jornada de trabalho.
A evocação deste som repercute saudosamente no meu coração.

Lourdes Lacerda Suplicy, avó e dona de casa


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