quarta-feira, 18 de maio de 2016

Histórias do Paraná - Geada negra

Histórias do Paraná - Geada negra

Geada negra
Ernesto Carvalho

- Seu moço, não tem nada mais triste que um cafezal geado.
A primeira vez que ouvi essa lamúria foi num sítio em Bela Vista do Paraíso, perto de Londrina, no dia 20 de julho de 1975. Três dias antes nevara em Curitiba, a primeira vez desde 1928. Coisa mais linda! Nem tanto a neve, mas a reação das pessoas.
Os sizudos curitibanos fizeram da cidade um enorme playground, eles todos se tornaram crianças, com sorrisos e festas que carnaval algum jamais conseguiu arrancar.
Certo estava o jornal que mancheteou na primeira página: "Neve aquece Curitiba". Mas enquanto os curitibanos iam dormir nessa noite de alma aquecida, no Norte do Estado começava a formar-se sobre as plantações a maior geada de nossa história recente.
Qual o agricultor que conseguiu dormir nessa noite?
Têm muitas formas de prever de véspera uma geada, ensina o pequeno sitiante de Bela Vista de Paraíso. Céu limpo, estrelado, em noite fria, é geada quase certa. Céu limpo, estrelado, noite fria e focinho de burro molhado, é geada certíssima.
Na noite de 17 para 18 de julho de 1975 teve tudo isso.
Muitos cafeicul-tores tentaram minimizar o estrago certo fazendo fogueiras com pneus velhos no meio do cafezal. O calor e a fumaça evitavam a formação do gelo.
Mas nem que queimassem todos os pneus do mundo, dessa vez não tinha jeito. O ar era tão frio, que congelou a seiva nos caules das plantas, a terra ficou tão fria, que congelou as raízes. É a geada negra, a pior.
- Seu moço, não tem nada mais triste que um cafezal geado! -dizia o sitiante Theodoro França, sentado num velho tronco de peroba à frente do cafezal, o olhar triste e perdido.
Dois dias depois de uma grande geada o cafezal não é triste pelo que se vê, mas na antevisão do que virá. Dois dias depois de geado, o cafezal mantém sua mesma coloração verde escuro, as árvores continuam frondosas, como se tudo estivesse normal.
Mas são plantas mortas.
Mais alguns dias e as folhas adquirem a cor marrom escuro, depois começam a cair, e restam os arbustos, pelados a planta toda seca, sem vida.
Milhões de pés de café secaram dessa forma em 1975. Salvaram-se apenas as plantações localizadas nos maiores baixios, onde a geada não se forma e os ventos gelados não sopram.
Sem vida, os cafezais precisaram ser arrancados, mas em seu lugar nem todos os agricultores voltaram a plantar novos pés de café. Muitos preferiram a soja, ou o milho.
Houve até quem plantasse cana-de-açúcar e pastagem.
Sacrilégio! Cana e pasto numa das terras mais férteis do mundo.
O resultado se vê até hoje nas estatísticas de produção e na paisagem rural e urbana de todo o Paraná. O Estado perdeu, para nunca mais recuperar a posição de maior produtor nacional de café. Pior, da noite para o dia centenas de milhares de trabalhadores rurais perderam o emprego. A cafeicultura é das lides do campo que exige mais mão-de-obra, ao contrário da soja ou da pecuária.
Os despejados do campo transformaram-se parte em "bóias-frias" nas pequenas cidades, parte em favelados nas medias e grandes.
Todos igualmente deserdados da sorte.
Certo estava o sitiante de Bela Vista do Paraíso:
- Seu moço, não tem nada mais triste que um cafezal geado.

Ernesto Carvalho, radialista


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