segunda-feira, 30 de maio de 2016

Histórias do Paraná - Vidas demais

Histórias do Paraná - Vidas demais

Vidas demais
Almir Aires Arruda

"Oh! Quatiguá
Oh! Quatiguá
És o celeiro deste Paraná..."
Com este hino, cantado por todos os escolares e a população, homenageávamos o Distrito de Quatiguá
quando de sua emancipação político-administrativa da comarca de Joaquim Távora e a sua conseqüente instalação como Município, em 26 de outubro de
1947.
Quanto ufanismo, vejo agora. O "celeiro deste Paraná" era na ocasião o menor município do Estado, com apenas 4.500 alqueires de área, o equivalente a poucos 108 quilômetros quadrados.
Na verdade, melhor lhe cabia o apodo de "Cidade Botão", como também era chamada, pois Quatiguá tinha casas de um só lado de sua rua central, a outra margem pertencia à Estrada de Ferro onde corria o trem.
Assumiu provisoriamente o cargo de prefeito municipal, nomeado por Moysés Lupion, governador do Estado, o Sr. Orlando Athaíde Bittencourt, com mandato até dezembro de 1947, quando seriam realizadas eleições para a Prefeitura e a Câmara Municipal.
Eleições ordeiras disputadas por Ernesto Zanini, do PSD, e Antônio Rodrigues Filho, da UDN com apoio
do PTB e PSP. Venceu o primeiro, por uma diferença mínima de votos, mesmo porque o colégio eleitoral todo não atendia a 500 eleitores. O PSD também fez maioria para a Câmara Municipal, elegendo cinco vereadores, entre eles o autor destas mal-traçadas.
Era comum após o término das sessões da Câmara, que realizávamos à noite, na parte superior do prédio onde funcionava a Prefeitura Municipal, nos reunirmos no "Bar do Nogueira" a fim de comentarmos extra-sessão, os assuntos concernentes à ordem dos trabalhos.
Os mais idosos e os que moravam distante da sede do município se retiravam, permanecendo invariavelmente a bancada do PSD e o vereador Nestor Cassemiro Teixeira, da UDN, amigo de todos.
Uma das sessões, em abril de
1948, quando da elaboração do Regimento Interno da Câmara Municipal, se prolongou até altas horas da noite pelo cuidado que se estava tendo, a fim de que não colidisse com a Lei Orgânica dos Municípios que estava em discussão na Assembléia Legislativa do Estado.
Ao final, saímos para encostar o estômago no Bar do Nogueira. Éramos seis vereadores.
A conversa fluía descontraída, quando a porta do bar que estava semicerrada foi aberta com estrépito, uma figura com quase 2 metros de altura adentra a sala e, num vozeirão, brada: - "Senhores vereadores, vim cobrar a promessa da campanha!" Olhamos atônitos.
Aquela figura era o querido amigo Francisco Ormeseze, carinhosamente chamado por toda a população quatiguaense de "Florindo", um homenzarrão de 1,95 de altura e 100 quilos de peso que voltou a falar:
- "Os Senhores já estão há mais de quatro meses em exercício na Câmara Municipal e até hoje não cumpriram a promessa feita em campanha".
Perguntamos ao mesmo tempo: - "Que promessa, Florindo?" Ele, do alto de seu 1,95 de altura respondeu: - "Vocês não prometeram acabar com as vidas da rua João Pessoa?" (A Rua João Pessoa era a artéria principal da "Cidade Botão"). Todos continuaram não entendendo nada.
— "Que vidas, Florindo?"
Gargalhando, o Florindo respondeu: - "Não se diz que a vida é um buraco? Pois a rua João Pessoa esta cheia deles!"
A ironia surtiu o efeito desejado.
Providências foram tomadas e a rua recebeu uma generosa camada de saibro.

Almir Aires Arruda, professor e empresário, ex-vereador e fundador do município de Quatiguá


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