sábado, 14 de maio de 2016

Histórias do Paraná - Londrina e a traça

Histórias do Paraná - Londrina e a traça

Londrina e a traça
Olympio Luiz Westphalen

Houve uma noite, nos primórdios da fundação de Londrina, início da década de 30, em que o pequeno povoado não dormiu, apesar de pesadamente silencioso e deserto.
Na realidade - segundo relato de Eugênio Victor Larinoff, russo branco que era funcionário da companhia de Terras do Norte do Paraná
- na realidade, dizíamos, a paz aparente mal escondia a tensão que homens e mulheres viviam naquele instante na maioria das casas.
Há dias que corria o boato de um grupo de jagunços fortemente armados, pronto para invadir o pequeno povoado e com ordens de expulsar todo mundo dali a qualquer preço, a bala inclusive se preciso fosse. À jagunçada estaria a mando de um cidadão que reclamava a posse das terras de Londrina e outras adjacentes. O cidadão dizia possuir documentos, escrituras daquelas terras, e de mais a mais não estava para muita conversa.
Havia perplexidade entre os ingleses e seus funcionários, boa parte destes alojados na Casa Sete, entre eles Eugênio Larionoff, pois todos conheciam o magnífico trabalho de advocacia executado por Antônio Moraes de Barros, que assegurou ao grupo inglês, liderado por Lord Lovat, o direito líquido e inquestionável sobre as terras devolutas adquiridas do Governo do Paraná.
Mas, entre o mando da razão e o da força... Na véspera da referida noite foi confirmada a presença dos jagunços nas estradas das matas próximas ao pequeno povoado de Londrina.
Os funcionários da colo-nizadora, por sua vez, também trataram de reforçar a segurança, colocando homens armados com cara-binas em toda a volta da casa da administração inglesa e em diversos pontos estratégicos nas estradas do povoado. A tensão podia-se sentir no ar. O confronto com os jagunços, tinham certeza, era inevitável e aconteceria aquela noite.
Mas passou a noite, a madrugada, a noite e a madrugada seguinte, e muitas outras, e nada aconteceu. A jagunçada simplesmente sumiu.
Somente mais tarde ficou-se sabendo pçrque o assalto não foi efetuado. E uma história bizarra, porém verdadeira.
O indivíduo que se dizia dono das terras, havia aparecido tempos antes no escritório da Companhia de Terras, em São Paulo, exibindo uma aparentemente genuína escritura que provaria ser ele o dono legítimo de toda a área ocupada pelo Patrimônio de Londrina.
Exigia a retirada imediata dos ingleses e estipulava um prazo, após o qual expulsá-los-ia à força - a propósito, já mandara seus jagunços para a região.
A Diretoria da Companhia, julgando ser este reivindicador um estelionatário, entregou o caso a um advogado criminalista.
Este examinou a escritura apresentada, a qual lhe pareceu aparentemente fiel.
Examinou então o livro de registro no cartório onde fora lavrada a escritura do pretenso proprietário, e a trama lhe saltou fácil aos olhos.
E que todas as folhas do livro de registro tinham o mesmo furinho aberto por uma broca, ou traça, em linha vertical com exceção
- é claro! Da folha que continha a transcrição daquela escritura.
Como traças de livros nunca fazem curvaturas em seus caminhos, o advogado deduziu facilmente que a folha autêntica fora removida e uma outra, logicamente falsa, habilmente inserida em seu lugar.
Foi assim que uma modesta traça de livro salvou Londrina, permitindo que prosseguisse no seu caminho, tomando-se na realidade de nossos dias.
Pelos menos, é assim que pioneiros como Victor Larionoff contam essa história.

Olympio Luiz Westphalen, professor universitário em Londrina


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