segunda-feira, 9 de maio de 2016

Histórias do Paraná - Promessa cumprida

Histórias do Paraná - Promessa cumprida

Promessa cumprida
Túlio Vargas

Meu avô paterno, Jorge de (Miveira Vargas, nasceu na Lapa, PR, lilho de um tropeiro que, naquela época,
cumpria o itinerário de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, a Feira ile Sorocaba, São Paulo.
Não herdou a vocação nômade do pai.
Desde pequeno manifestou gosto artístico e aptidões literárias.
Tornou-se, mais larde, presidente da Associação Instrutiva e Beneficente dos Artistas e Operários daquela cidade.
Embevecido pela agitação democrática do verbo torrencial do senador gaúcho Silveira Martins, inclinou-se politicamente pelo Partido
Liberal. E viveu contrariado pelos episódios marcantes do começo da República, quando viu desalojado do governo estadual Generoso Marques ilos Santos, chefe inconteste do seu novo partido, a União Republicana.
Ao chegarem ao Paraná as primeiras notícias das escaramuças comandadas por Gumercindo Saraiva, às margens do ribeirão Salsinho, tio Rio Grande do Sul, os federais paranaenses excitaram-se, prenunciando o momento da desforra. 1893/ 94. Seria o acerto de contas dos maragatos.
Na Lapa, os antigos liberais conspiravam.
Com a aproximação das forças de Gumercindo e a iminência do Cerco, as autoridades municipais determinaram a prisão dos adversários políticos, sujeitos à execução.
Avisado a tempo, meu avô fugiu a cavalo, de madrugada, em direção a Castro.
Esteve inicialmente homiziado na fazenda Boa Vista, de dona Mariana Marques Madureira.
Com o breve domínio dos revoltos desfrutou de certa liberdade, mas quando a sorte mudou o rumo da Revolução, foi obrigado a refugiar-se na "Fazendinha", município de Piraí, protegido da família Gonçalves Martins.
Sentiria na carne as conseqüências da luta fratricida que ensangüentou os foros pacifistas do Estado.
Seu esconderijo, um poço desativado nos fundos da extensa propriedade rural, bem longe do assédio das patrulhas legalistas que varriam o sertão.
Parecia refúgio seguro, embora insalubre e solitário.
Joaquim, um negrinho da criadagem, levava-lhe comida todos os dias, burlando a vigilância da delegacia de polícia que procurava, em vão, localizá-lo.
Prometeu-lhe meu avô que, se um dia se visse livre daquela perseguição e sobrevivesse à vingança dos vencedores, lhe daria sustento pelo resto da vida.
Temia a degola, se apanhado fosse.
Assentada a poeira revolucionária e decretada a anistia, ele foi aos poucos se reintegrando à sociedade.
Recuperou o poder de influência e se elegeu camarista, em 1908, tendo exercido, em substituição, o cargo de prefeito de Piraí. Ligado a atividades culturais, diz a tradição ter sido um dos fundadores do primeiro teatro do município, o Teatro Sidéria.
Atento à memória dos acontecimentos que lhe deixaram cicatrizes, cumpriu a velha promessa.
Durante muitos anos, enquanto viveu, foi visto o Joaquim Barrigudo, como todos lhe chamavam, já adulto, a abastecer-se regiamente na Casa Vargas, sob o olhar agradecido do velho comerciante, pacto que foi honrado até a morte do meu avô em 1914.

Túlio Vargas, ex-deputado, é membro da Academia de Paranaense de Letras.


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