quinta-feira, 19 de maio de 2016

Histórias do Paraná - A visita do Governador

Histórias do Paraná - A visita do Governador

A visita do Governador
José Bortoglin de Castro

Senhores políticos, prestem atenção e não esqueçam: a credibilidade do trabalho de cada um pode estar nas coisas aparentemente menores e insignificantes.
Como, por exemplo, cumprir a promessa de visitar um pequena cidade, com seus observadores e comportamentos próprios.
Porque uma comunidade pequena não esquece, jamais, uma desfeita.
Fica na memória coletiva, do mesmo jeito que ficou na memória dos brasileiros aquela história do presidente Reagan chamar a gente de "bolivianos", em plena visita ao Rio de Janeiro.
Há muitos anos, Terra Boa, uma pequena cidade encravada no Vale do Ivaí, esperou, em vão, pela visita do governador.
As crianças receberam instruções das freiras na véspera, para vestirem o uniforme de gala - manga comprida, saias e calças impecavelmente passadas e os sapatos engraxados - ganharam bandeirolas e lá se foram para a fren-le do palanque recém-montado.
As freiras também vestiram o uniforme dos dias importantes, com longas saias de casemira alemã, azul-mari-nho. E era verão.
Moradores, da cidade e dos sítios, deixaram os afazeres domésticos para recepcionar o governador.
Prefeito, mulher do prefeito, cunhadas, primos e afins, o vigário, todos em seu dia de glória.
Tudo limpo, bem arrumado, árvores pintadas de branco até a metade, seringueiras enormes cujas sementes, trazidas não sei de onde, floresciam maravilhosamente nas terras roxas do Norte do Paraná. E acabavam arrancadas, porque estragavam as calçadas com suas raízes.
Passaram-se horas e nada do governador.
Prefeito impaciente, mulher mau humorada — "será que o prestígio dele não é tão grande como diz ou ele falou besteira lá em Curitiba, quando visitou o Palácio Iguaçu?" -, crianças cansadas, batendo com as bandeirolas uma nas outras.
Fome apertando o pessoal do sítio acostumado a almoçar mais cedo.
A vista já cansada de olhar a estrada vazia, vez por outra levantando poeira, quando um carro da prefeitura voltava do trevo, onde um grupo esperava a comitiva.
Mais de uma da tarde, as crianças desobedecendo as freiras, teimando em ir para casa tomar água.
Finalmente, depois de muita espera, desponta do meio do poeirão o carro preto puxando a comitiva.
Rojões, barulhos, gente se arrumando, mulher do prefeito ajeitando a blusa mais para baixo. O carro preto passa raspando pela banda de música. Pára e abre a porta, pertinho da escada do palanque. E desce o deputado da região, levantando os braços para a multidão.
Acena, animado, mas a expectativa dos pescoços esticados é para ver quem vem atrás, o governador, ora. E não é — oh decepção! - que o governador não veio? Um outro compromisso, numa cidade próxima — e maior, é lógico -levou-o pra lá.
Uns poucos acenam para o deputado.
Ficam em silêncio na hora do discurso, olham de lado para o prefeito e percebem que a primeira dama pisa fundo nos saltos.
Ninguém fala nada, nem comenta o fato. Vão almoçar quase às três horas da tarde, o arroz branco já duro na panela de alumínio.
As crianças tiram o uniforme de gala agora sujo, a meia branca com os calcanhares marrons, e se abrigam à sombra das seringueiras.
A comitiva parte sozinha. O prefeito volta para a prefeitura, a mulher dele para a inspetoria de ensino, e todos, na cidade pequena, ficam com a sensação que ela é, afinal, muito menor do que pensavam.
Quando se candidatou a deputado federal, o já então ex-governador não teve votos por lá. Também não se lembrava de ter cancelado à ultima hora a viagem prometida.

José Bortoglin de Castro, técnico agrícola em Apucarana


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