segunda-feira, 16 de maio de 2016

Histórias do Paraná - A viuvinha do Crespim

Histórias do Paraná - A viuvinha do Crespim

A viuvinha do Crespim
Dirceu Marés de Souza

Nos tempos em que ainda se plantava erva doce no reino dos canteiros de couve — em 1841 - existia na então vila de Campo Largo uma chácara caprichosamente cuidada.
Era de propriedade de um jovem casal, Crespim e Djanira, que mantinha em sua herdade vários escravos, entre eles duas pretas muito afeiçoadas a seus amos.
Tudo naquele sítio funcionava no mais rigoroso estilo patriarcal.
Um ambiente de respeito e dignidade que impressionava seus vizinhos e especialmente seus escravos. O simpático casal deixava transparecer uma vida em eterna lua de mel.
Mas um dia, o Urutago piou mais forte e arrastou suas asas agourentas no telheiro... Crespim ficou muito doente.
Uma grave moléstia o levou ao túmulo em poucos dias.
Uma tristeza...Os vizinhos foram consolar a Viúva.
Moça rica e bonita, não deveria desanimar...Esqueceria um dia. Talvez um dia...
Para suportar as angústias da ausência do marido morto, a jovem Viuvinha chamou um abalisado mestre de marceneiro
e pediu a ele que esculpisse a figura de Crespim em madeira. O artista trabalhou para obter a melhor semelhança possível.
Depois de tudo memoriado nos seus mínimos detalhes, entregou a obra concluída.
Vestiram o Crespim de pau com as roupas do defunto. A Viúva e as mucamas transformaram aquele momento num respeitoso cerimonial...
As pretas disseram boa noite para o sinhô... E o Crespim foi levado para o quarto de dormir, porque já era noite.
Durante o dia vinha o Crespim para os lugares onde o pessoal se reunia e se movimentava.
Quando as mucamas varriam a casa pediam licença:
- Com licença, Sinhô, queremos varrer... e arredavam o boneco.
Vez por outra, vinha a Viúva:
- Crespim, os cobres estão curtos, vamos vender umas vaquinhas?
O Crespim, como sempre, continuava impassível, mudo como um todo.
- Já sei! Você sempre foi assim... quando não fala está concordando.
Lá se ia mais uma vaca, ou duas, para o açougueiro.
Aconteceu que o açougueiro, viúvo e desimpedido também, arrastou as asas para o lado da Viuvinha e esta resolveu
abanar-lhe um lenço verde.
Passaram-se poucos dias e a Viúva noticiou às mucamas que iria contratar casamento com o açougueiro.
Foi um susto nas duas:
- Credo-em-cruz! E o sinhô Crespim?...
A Viúva ria:
- Suas bobas...
No dia do contrato de núpcias, a Viúva, eufórica, feliz com a idéia do novo casamento, recomendava às escravas que tivessem muito respeito com o noivo que viria visitá-la.
Elas resmungavam se persignando.
Em um dia, em meio à ansiedade da Viúva e à oposição das mucamas, o açougueiro chegou todo bornido...
A Viúva o recebeu com exageradas mesuras, fazendo-o sentar-se em uma cadeira da sala, enquanto no interior da casa
ouvia-se a corrimaça das mucamas a arrastarem os chinelos de um lado para outro, entre resmungos imperceptíveis...
A ama chamou-as:
- Vocês duas! Façam um café bem quente, bem forte, bem bom e tragam aqui na sala... para nós...
As mucamas responderam em tom de deboche:
- Não dá para fazer café, Sinhá, não tem lenha!...
A Viúva com raiva respondeu: Então queimem o Crespim!...deve estar bem seco...
As mucamas foram ao quarto de dormir e agarraram o boneco Crespim, o arrastaram para fora, meteram-lhe o machado e dentro de pouco tempo serviram o café — bem quente e bem forte.
(Até hoje ainda se fala em Campo Largo quando morre o marido e deixa viúva nova:
- "...Essa logo manda queimar o Crespim!..."

Dirceu Marés de Souza, historiador


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