quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Histórias do Paraná - Bigode branco

Histórias do Paraná - Bigode branco

Bigode branco
Francisco Brito de Lacerda

Ventava.
Parecia que o mundo ia acabar.
Pedro tinha seis anos.
Ele, o pai e a mãe dirigiam-se a uma colina, à margem da estrada de ferro, onde ficava o pequeno cemitério.
Viçosas palmeiras, defronte do muro caiado, o vento agitava.
Em busca do portão de ferro, os três subiram os degraus de pedra, o menino de mão com a mãe, que o acomodou no patamar. "Fique bem quietinho, a mãe vai rezar."
Exposto ao redemoinho, ele só olhou para trás uma vez.
Viu a mãe ajoelhada a par da Cruz das Almas, tentando acender uma vela.
Um trem apitou e foi passando, a furiosa locomotiva a botar fa-gulhas por todos os narizes.
Das ja-nelinhas, os passageiros olhavam o menino no topo da escada, com a mão no bolso.
Uma freira de óculos, risonha, deu-lhe adeusinhos.
Enquanto o trem passava, Pedro ia virando a cabeça na sua direção.
Perdendo-se o último vagão na sinuosa vereda, ficou a ventania. O menino estava a ponto de chorar. "Não chore, bobinho, a mãe voltou." Ele abriu os braços, agarrando-se à mulher.
Para uma visita à chácara da avó, no outro dia, o pai guiava a carrocinha puxada por um cavalo baio.
Sob o céu azul, sorvendo o frio da manhã, Pedro viajava atrás. A mãe não lhe tirava os olhos. "Cuidado com a roda, menino", ela dizia.
Na chegada, descendo para ajudar a abrir a porteira de pau roliço, ele gostou de ver o bafejo que saía das ventas do cavalinho.
A avó morava numa casa rodeada de janelas; tinha como acompanhante a empregadinha Doraci, moça nova.
Na cozinha, em volta do fogão, Pedro via pinhões assando na chapa; de braços cruzados, a fim de melhor se aquecer, fixava-se nas mãos da avó, veias salientes. A velha senhora lhe alcançava pinhões macetados. "Mastigue bem, cuidado para não se afogar."
Depois Doraci tirou leite da vaca.
Mostrando os dentes (por causa do esforço que fazia), ela apertava as tetas.
Espumento, o leite esguichava no balde. "Agora você vai ficar de bigode branco", anunciou Doraci.
Segurando a caneca pela asa, o menino deu dois goles.
Fez ânsia.
Tinha nojo de leite morno, tirado na hora.
Então botou a caneca no banquinho, de volta.
No almoço, só não quis pepino.
Abusou da cocada amarela e queijo de purungo.
Alvo das atenções da avó, que o agradava, nem percebia o tempo passar.
Para ver a água caindo, foram à cascata.
De volta, o pai colheu araçás, oferecendo-os na palma da mão.
"Vamos embora, já é tarde", disse o pai.
Pedro sentiu-se despojado, com medo de enfrentar a hora da despedida.
Estava com pena da avó, que ia ficar quase sozinha naquele ermo.
Enquanto a carroça percorria uma descida, a velha senhora acenava; cada vez mais distante, descolo-rida pelo lusco-fusco que chegava, sua figura sumiu quando o cavalo transpunha o último pinheiro.
Fechada a porteira, Pedro deu um urinadinha detrás de um cedro.
Ao tempo em que molhava a terra com o pipi, limpou uma lágrima teimosa, antes que outras lhe descessem pela cara.

Francisco Brito de Lacerda, advogado


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