segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Histórias do Paraná - O fantasminha

Histórias do Paraná - O fantasminha

O fantasminha*
Noeval de Quadros

Seu apelido é fantasminha.
Aterrorizou Curitiba nos primeiros meses daquele ano, com sucessivos roubos de veículos, à mão armada, e fugas espetaculares, dirigindo sempre em alta velocidade.
Ninguém sabia ao certo quem era. Só se sabia que era conhecido como Fantasminha e era líder de uma gang de menores.
Chegou a ser detido por policiais da Delegacia de Furtos de Veículos, mas ao dizer a sua idade e o seu nome verdadeiro, sem se identificar pelo apelido, foi liberado porque a Polícia não sabia que se tratava do Fantasminha.
Virou o inimigo n° 1 da Polícia, carta marcada para ser tirado de circulação.
Seu lance mais ousado ocorreu num domingo à noite quando, na companhia de outros três adolescentes, fortemente armados, invadiu um restaurante de Santa Felicidade, dominando o vigia, os empregados e os inúmeros clientes que ali jantavam, despojando a todos de suas jóias e dinheiro, fugindo em seguida num Opala roubado.
Mas Fantasminha nunca sevi-ciou as vítimas.
Nunca levou seus veículos para o desmanche ou para o Paraguai.
Sentia-se apenas todo-pode-roso com uma arma na mão.
Queria ver as pessoas aterrorizadas, queria dirigir carros possantes em fugas desabaladas, queria trocar os toca-fitas por cocaína, da qual mais e mais se via dependente.
Foi preso dormindo, na casa de uma tia. Não resistiu.
Foi manchete em todos os jornais, em todas as TVs.
Enfim Curitiba poderia dormir tranqüila.
Fantasminha estava atrás das grades.
Todos queriam conhecê-lo.
Os articulistas muito falaram sobre ele, sobre as gangs juvenis, sobre a impunidade.
Ele, magro e pequeno, com voz de guri, aparentando menos que os 15 anos de idade que tinha.
Dias antes talvez houvesse se deliciado com a fama de pessoa mais procurada pela Polícia, chefe de gang.
Agora parecia assustado, cansado de entrevistas, acuado.
Parecia dar graças de não ter mais de se esconder.
Resignado em saber que perderia a liberdade.
As vezes, dava a impressão de que ansiara por esse momento, que delinqüi-ra para que tal acontecesse.
Esperava que alguém lhe colocasse limites.
Seu pai, desdentado, também franzino, aparentava um homem calmo e inculto.
Trabalhava como vigia e contou a mim, Juiz da Infância e
Juventude, que quando o filho tinha seis ou sete anos um japonês lhe colocou esse apelido, porque ele era muito sapeca e parecia um fantasminha.
Como disse um articulista, no dia seguinte: um fantasminha mirim, analfabeto, pobre e marginalizado, está preso.
Ninguém duvida que isso era necessário para sua recuperação e segurança da comunidade.
Porém, muitos fantasmas adultos, cultos, ricos e poderosos, continuam soltos. Vários, com imunidades.
O mundo dos fantasmas continua de bom tamanho.

Noeval de Quadros, Juíza de Direito *os fatos são reais, o apelido é fictício


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