quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Histórias do Paraná - Eneida e Itaipu

Histórias do Paraná - Eneida e Itaipu

Eneida e Itaipu
Hélio Teixeira

Durante mais de uma década
- entre 1972 e 1984 - as barrancas do rio Paraná foram quase um quintal para belas reportagens sobre o andamento de construção de Itaipu.
No período, exerci a chefia da sucursal curitibana de "Veja" (quem trabalhou na ‘Veja" acostumou-se — e não sei porque razão - ser "de" e não "dá" Veja) e tive a oportunidade e a felicidade jornalística de acompanhar quase como um peão todas as fases do grande projeto.
Inclusive as indecifráveis reuniões tripartites, onde espoucavam os conflitos de interesse do Brasil, Argentina e Paraguai em relação ao aproveitamento hidrelétrico do "Paranazão".
Na época, testemunhei os generais brasileiros que ocupavam o Palácio do Planalto invariavelmente irem se encontrar com um mesmo general paraguaio (Alfredo Stroessner) em solenidades na Ponte da Amizade.
Assim foi com Médici, Geisel e Figueiredo, todos paparicando a velha amizade brasi-leiro-paraguaia, como se não estivesse em jogo bilhões de dólares em energia que seria produzida por Itaipu.
Nesse jogo político-econômico, pelo jeito, os paraguaios se julgam prejudicados, porque até hoje querem rever o acordo bi-nacional, embora a dívida de Itaipu com empréstimos externos e internos seja um ônus verde-amarelo.
Mas essa é outra questão.
Pelo seu cenário gigantesco, Itaipu ofereceu uma diversificada e infindável relação de matérias jornalísticas. O numero de operários suplantavam a população de boa parte das cidades brasileiras, o reservatório de quase 200km de extensão se comparava à baia de Guanabara, o volume de concreto significava não sei quantos Maracanãs. E por ai corriam as águas do ‘Taranazão" antes de serem bloqueadas pela barreira de ferro, aço e cimento.
Na primeira vez que lá estive, em 1972, deparei com alguns solitários homens de capacetes realizando sondagens geológicas diante da pedra chamada pelos guaranis de Itaipu (pedra cantante). Enquanto generais, técnicos e políticos tentavam se entender, esses homens já começaram a avançar sobre o que seria a maior hidrelétrica do mundo. E Foz do Iguaçu? Foz tinha seus 25 mil habitante, poeirenta, modorenta, ensolarada, muito diferente da ma-luquice de hoje dos mochileiros ou de ontem com milhares de peões ou barrageiros.
Fui para descrever como seria o futuro da cidade e da região, como se tivesse bola de cristal. O que vi e ouvi foram narrativas em cima de vastos cronogramas, mapas contorcionistas e indecifráveis, mas tudo prevendo a exploração daquela região da fronteira. O que se revelou uma verdade verdadeira.
Quem não acreditou nas antevisões foi Eneida, uma jovem manceba que dominava com suas saias curtas e blusas decotadas os salões da buate "Neocid" (é, Neocid com o inseticida). Ela achou inacreditável a história ouvida dos primeiros funcionários da binacional que foram avisar às hospedes da "Neocid" da necessidade de se prepararem para deixar o local, porque ali nasceria um enorme supermercado da Cobal.
Sem a luz néon que disfarçava rugas e vari-zes, Eneida disparou:
- "Mas seu moço, aqui o pessoal vem comer outras coisas".

Helio Teixeira, jornalista


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