sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Histórias do Paraná - O Natal do Monge da Lapa

Histórias do Paraná - O Natal do Monge da Lapa

O Natal do Monge da Lapa
Valêncio Xavier

O que se sabe do primeiro monge - houve outros - é do livro de registros de estrangeiros da Câmara de Sorocaba, S. Paulo, em 1844, que dá seu nome como João Maria Agostini, 43 anos, natural de Piemonte, Itália.
Declarou ter vindo ao Brasil para exercer sua profissão de solitário eremita, e residir numa gruta perto da fábrica de ferro de Ipanema. O resto é lenda, e das boas.
Andarilho, sai em peregrinação pelos sertões do sul do Brasil.
Prega, reza e dá conselhos aos caboclos.
Faz curas, receitando chá duma planta que até hoje o povo chama de "vassourinha de São João Maria". Nada cobra, aceita apenas comida. Não entra em povoados, nem nas casas, abriga-se no mato, dorme debaixo de árvores, quase sempre ao lado de uma fonte.
Os caboclos consideraram sagrado seu lugar de descanço, e água da fonte um santo remédio para todos os males.
Ergue cruzes em seu caminho, onde o povo vai rezar e acender velas.
Do Paraná ao Rio Grande do Sul, alguns desses lugares sagrados existem até hoje como ponto de devoção.
Na praça central de Mafra, Santa Catarina, tem uma cruz erguida pelo Mongejoão Maria.
Conta a lenda que um certo prefeito transferiu-a para o cemitério, lá a cruz começou a queimar e o Rio Negro inundou a cidade. A inundação só baixou quando o povo trouxe a cruz de volta para a praça onde está até hoje.
Após suas prédicas embre-nha-se no mato e, a pé segue seu caminho solitário. Não permite seguidores,
ao contrário dos dois monges que viriam depois se fazendo passar por ele: um nos tempos conturbados da Revolução Federalista, outro durante as lutas da Guerra do Contestado.
O Livro da Matriz de Santo Antônio, na cidade da Lapa, Paraná, há o registro da autorização parajoão Maria pregar.
Instala-se na gruta que leva seu nome, lugar de muita romaria até hoje.
Dali sai em peregrinação pelos sertões, e para onde volta de tempos em tempos.
Um dia, não volta mais. Há o registro de sua morte na gruta de Ipanema, onde teria sido devorado por uma onça. O povo não acredita nisso e diz que João Maria se encantou e está na serra do Taió, em Santa Catarina.
Segundo as palavras do próprio João Maria: Quem lá quiser ir, visitar-me e me ver, encontrará feras pelo caminho e muitas tentações em frutas, e outras coisas. E preciso não fazer mal aos bichos e frutas e não sucumbir às tentações do caminho. Só assim pode-se ali
chegar.
Essas palavras do Mongejoão Maria estão em "VIDA DE JOÂO MARIA DE JESUS (O PROPHE-TA) - PRÉDICAS, MILAGRES E PROPHECIAS. Editado em 1929, é um dos poucos exemplos de folhetos de cordel do Paraná. Um dos poucos exemplos de literatura popular em nosso Estado.
Dele tirei a história O QUE É DO DIABO NÃO PODE PERTENCER A UM SANTO, que poderia ter acontecido num dia de Natal.
João Maria chegou perto de uma fazenda. A dona da casa quis a ele dar uma galinha assada de presente.
Correu pelo quintal atrás da mais gorda "carijó", mas não conseguia pegá-la.
Cansada gritou com raiva: "galinha danada, que o Diabo te carregue." Molhada de suor voltou para a cozinha.
Logo depois a galinha entra mansa, ela pega, mata, assa bem assada e vai levar ao monge.
Ele agradece e recusa: "Boa mulher, eu não posso aceitar o teu presente, porque essa galinha pertence ao diabo, a quem você ofereceu há pouco."

Valêncio Xavier, escritor e historiador


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