domingo, 17 de agosto de 2014

Histórias do Paraná - A revolta de Assaí

Histórias do Paraná - A revolta de Assaí

A revolta de Assaí
Luiz Garcia

Antes da popularização da TV, divertimento em cidade do interior tinha um nome só: Cinema.
Assaí, no norte do Paraná, em 1961, era uma cidade razoavelmente movimentada devido ao cultivo e beneficiamento do algodão.
Tinha oito agências bancárias, muitas lojas, mais bares ainda. E dois cinemas, o Cine Assaí e o Cine Ouro Branco.
O Cine Assaí ficava bem no centro, em frente ao Banco Comercial do Paraná, na Avenida Rio de Janeiro, a principal da cidade.
Foi ali que se deu o fato de grande repercussão na época.
O Cinema acabara de passar por uma reforma geral que o deixou, sem dúvida, muito bonito.
Os freqüentadores, porém, ainda lhe apontavam, com razão, dois sérios defeitos: não tinha nenhuma saída de emergência - o que poderia causar uma tragédia num sinistro qualquer
— e, pior, a qualidade das fitas era péssima.
Rompiam-se a todo instante, irritando a platéia, e os cortes feitos muitas vezes tiravam até o sentido dos filmes.
Num sábado, anunciado o filme "O Milagre", a casa encheu. Não havia lugar nem em pé. A quebradeira da fita, porém nesse dia estava demais.
As vaias começaram, a princípio isoladas, aqui e acolá, logo depois generalizadas, quase um uníssono.
Na retomada do filme, depois de mais um corte, não dava mais para entender o enredo.
As vaias, então foram substituídas por uma gritaria imensa. O administrador mandou acender as luzes, foi para a frente da tela e passou uma descompostura generalizada na platéia, chamando os que gritaram — quase todos os presentes — de moleques. O ambiente ficou pesado, mas se fez silêncio e o filme pode terminar.
No dia seguinte, domingo, desde manhã cedo grupos isolados de rapazes começaram a se reunir aqui e ali, comentando o acontecido na véspera. "Esse cinema bem que merecia um troco", alguém propôs.
Em pouco tempo, vários grupos pensando a mesma coisa, acabaram por se juntar e planejaram a vingança para aquele mesmo dia.
A noite, o filme foi reprisado.
Novamente casa cheia, mas do meio para frente todas as poltronas estavam ocupadas pelo grupo que se organizara durante o dia.
Um silêncio respeitoso no início do filme, apesar dos cortes.
Quando chegou, porém, a cena em que o gerente se exaltara na véspera, foi como se uma caldeira gigante estourasse.
Primeiro uma gritaria geral. A seguir, soltaram rojões e bombinhas, atiraram dúzias de ovos chocos em todas as direções — durante anos ainda se veriam as marcas na tela branca.
Poltronas foram quebradas, rasgaram cortinas.
Apareceram um urubu e um gambá que corriam para todo lado. E, é claro, o pau comeu solto.
A correria e a gritaria continuou pela escadaria, em direção à saída. A porta, única, ficou pequena para tantos, e vidros foram quebrados no peito. Lá fora, uma pequena aglomeração de pessoas, quando viu o quebra-quebra, tratou de entrar na "dança", batendo e também apanhando.
Mesmo com a chegada da polícia, foram horas até se chegar à normalidade.
Quando a arruaça finalmente parou, parecia que um tufão havia arrasado o cinema.
A polícia montou um inquérito, muitos foram acusados — inclusive eu —, várias vezes tivemos que ir ao Fórum.
Mas, como se tratou de reação de uma multidão, o processo deu em nada.
Depois disso, o Cine Assaí precisou ser novamente reformado, ganhando uma porta de emergência. E a qualidade das fitas melhorou sensivelmente, até no cine rival.
Hoje, por força de novos tempos, a cidade não possui nenhum cinema. A lição do badernaço de Assaí, contudo, permanece: quem não ouve o reclamo justo, pode ser obrigado a escutar o estrondo irracional da revolta.

Luiz Garcia, professor em Rolândia, passou sua juventude em Assaí


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