terça-feira, 26 de agosto de 2014

Histórias do Paraná - O sino da igrejinha

Histórias do Paraná - O sino da igrejinha

O sino da igrejinha
Flora Munhoz da Rocha

Lembro de quando, por uns tempos, o Souza freqüentou a roda de chimarrão lá de casa aos domingos, onde conversa de política fora uma constante.
Era ano de eleições e o Souza, picado pela mosca azul, decidira candidatar-se a deputado.
Bento foi claro — campanha de marinheiro de primeira viagem sem reduto eleitoral consistia em trabalho redobrado mas, de coração desejava-lhe boa sorte.
Souza comprou um jeep.
Planejou mapas, itinerários.
Planejou palavreado, promessas e saiu estradas a fora, atras de redutos inexplorados, cumprindo a árdua missão que se impusera de angariar votos.
Mãos firmes no guidão, Souza ia ruminando conjeturas.
Reconhecia sua temeridade na disputa.
Sem eleitorado, sem apadrinhamento, a competição era rixa renhida.
Ainda bem que dinheiro não era problema, tinha indústria florescente.
Pensamentos se desenrolando avistou um lugarejo.
Souza diminuiu a marcha. O vilarejo não lhe pareceu trabalhado por nenhum candidato. Não eram visíveis cartazes, nem placas.
Fez rápido cálculo baseando-se no número de telhados. O primeiro contato seria com o padre, que em povoados é a força maior.
Souza atravessou o terreiro estalando as folhas secas desprendidas pela última ventania.
Um cheiro morno de eucalipto se desprendia do seu pisar. O padre, acomodado na varanda respirava o verde da sua plantação.
Apresentou-se.
Sem coragem de abordar diretamente, perguntou se o Sr. vigário tinha preferência por algum candidato. O padre limitou-se a erguer os ombros, mas quando soube que estava diante de um deles, revigorou-se.
Sabia de como visita de candidato sempre rendeu alguma coisa para sua igreja.
Trocaram sorrisinhos e Souza, após valorizar-se devidamente, perguntou se a igreja não estava precisando de nada. O sacerdote apontando o olho esquerdo para o campanário ousou falar do sino.
Souza piscando o olho esquerdo disse "Deixe Comigo". Despediram-se com efusivas pancadinhas nas costas e Souza retomou o rumo de sua jornada.
Em menos de mês, retorna com sino em bom metal embalado em caixa de sólida madeira. O vigário eufórico tomou célebres providências e o sino foi lindamente instalado, emitindo seu primeiro badalar que alcançou distâncias imprevisíveis.
Moradores se aproximavam e agradeciam.
Constrangido de cobrar de imediato, não pediu votos.
Deixa por conta do padre.
Enquanto os dois bebericavam o vinno rosado da hospitalidade, Souza discorria com eloqüência sobre a importância da sua eleição pelo bem do Paraná. Como resposta recebia religiosos sorrisos promissores.
Souza retirou-se convicto de que os votos da vila seriam encaminhados para o nome do seu recente benfeitor.
Quando se despediu, o verde já havia enegrecido e as estrelas luziam em paz.
Por um mínimo não foi eleito.
Quem lhe falhou redondamente foi o Sr. Vigário que ganhou o sino.
Nem um único voto lhe foi computado na urna da vila.
No seu íntimo urgia uma vingança: Pegou o jeep, pegou dois operários da sua indústria florescente, pegou a caixa vazia do sino, escada, ferramentas e pela terceira vez fez o caminho da vila ingrata.
Parou diante da igreja.
Entardecia e o sino badalava a avemaria.
Sem contemplação foi erguida a escada, retirado o sino, recolocado na própria caixa forrada de palha fina.
Quando o padre apareceu no vão da porta, o holocausto já havia sido consumado.
Souza não pronunciou uma palavra, limitou-se a encará-lo por um mínimo e batendo a porta do jeep acelerou.
O pó que levantou da estrada apagou a visão de uma batina esvo-açando e de duas mãos erguidas acenando dramaticamente.

Flora Munhoz Rocha, ex primeira dama do Estado é cronista


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